22 fevereiro 2012

PATRIMÓNIOS 22 (BADALADAS, 10 FEVEREIRO 2012

RESSUSCITAR O CENTRO HISTÓRICO (III Parte)

André Tavares, Arquitecto


Depois de uma perspectiva geral dada no artigo introdutório e de uma incidência mais política e social no anterior, queria aqui focar-me no papel do Arquitecto e as suas dificuldades face à recuperação.  
Correndo o risco de me desviar do assunto central da coluna e textos anteriores, parece-me necessário esclarecer e analisar uma série de mitos construídos ao longo do tempo, e que devem ser prontamente ultrapassados.

O arquitecto é quase sempre imaginado como um indivíduo elitista e de trato difícil, tendendo a tomar as rédeas dos projectos sem consideração pelo cliente e pelas suas necessidades. Dizem alguns que o seu trabalho é caro e, – não fosse a necessidade legal de o contratar, – desnecessário. O arquitecto serviria somente para fazer o “boneco para a Câmara”, e mal o projecto fosse aprovado tornar-se-ia dispensável. Se for uma obra de interiores que não necessite de projecto, então é absolutamente desnecessário.
Vamos tentar desmistificar estes pressupostos.
Existindo profissionais diferentes em todas as áreas, todos eles com feitios e métodos de trabalho distintos, é natural que algumas pessoas tenham tido más experiências com profissionais arrogantes ou prepotentes. No entanto, isto acontece com a mesma facilidade num consultório dentário ou num escritório de advocacia. Apesar de já existirem muitos exemplos de uma arquitectura democrática, de uma arquitectura para todos, participada e participativa, o mito subsiste, talvez por desconhecimento de melhores exemplos.
Um bom arquitecto será aquele que faz o possível para mostrar ao seu cliente novos caminhos e diferentes soluções para um mesmo problema, – para além dos convencionais, – para o resolver. A complexidade de questões que envolve a arquitectura não permite que o seu trabalho se limite a um desenho. Qualquer projecto necessita de mais questões resolvidas do que aquelas que cabem no esboço de uma planta à escala 1/100.
Ao se contratar um profissional tem de haver um espírito aberto e confiar-se na sua experiência. Se o arquitecto se limitar a seguir escrupulosamente o programa sem introduzir nada de novo, o cliente está a ser mal servido.
Um projecto de arquitecto é caro. Será?
Só o preconceito leva muitas vezes a que o profissional nem sequer seja consultado. Um produto só se torna caro se for possível compará-lo com outro de qualidade equivalente e por menor valor. Acontece que muitas vezes se confunde um mero desenho técnico com um estudo aprofundado e cuidado, construído à medida de cada cliente e de acordo com as suas necessidades específicas.
Quanto ao “boneco”. Verifica-se que, se for bem feito, o trabalho do arquitecto não se reduz a um mero desenho, pois está intrinsecamente ligado à pormenorização, à escolha de materiais e soluções técnicas adequadas, e sobretudo a uma capacidade de síntese e de gestão do programa definido pelo cliente e em função de uma ideia de habitar.
A construção do projecto de execução é, ao contrário do que se pensa, a parte mais importante do trabalho do arquitecto, pois que uma organização cuidada pré-obra antecipa grande parte dos problemas e conduz à sua resolução à priori. Seguido de um acompanhamento rigoroso em obra, por parte de um técnico especializado, leva não só a espaços mais equilibrados, confortáveis e apetecíveis, como também, na grande maioria dos casos, a uma maior economia, suplantando não só os honorários iniciais do técnico, como prevenindo as tradicionais derrapagens orçamentais.

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Voltando aos Centros Históricos, parece-me óbvio que os promotores e construtores só beneficiariam da colaboração com técnicos especializados. O mercado está saturado de recuperações amadoras e de má qualidade estética e técnica, tanto na habitação como no comércio e serviços, e que na procura do “barato” acabam por ficar não só mais caras como aquém dos objectivos previstos.
É necessário que no novo esforço de recuperação haja uma maior sinergia entre profissionais da construção, arquitectos, urbanistas e designers, que permitam produtos finais qualificados e atractivos com orçamentos equilibrados, a fim de nos devolver as cidades e fazer ressuscitar os nossos Centros Históricos.  



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