TEXTOS DE APOIO

8. DISCURSO DE APRESENTAÇÃO DA ASSOCIAÇÃO DO PATRIMÓNIO DE TORRES VEDRAS NA INAUGURAÇÃO DO FORUM DE ASSOCIAÇÕES DE TORRES VEDRAS EM 25 OUTUBRO DE 2014:

É com enorme alegria que a Associação para a Defesa e Divulgação do Património Cultural de Torres Vedras, de cuja Direcção faço parte, se associa à festa desta inauguração. Permitam-me recordar que a nossa Associação completa, este ano, 35 anos de existência. Não vou fazer a sua história mas julgo que é oportuno partilhar convosco algumas considerações que nos permitem entender melhor o contexto em que ela surgiu,   em Março de 1979.

Os anos 70 do século XX foram, em Portugal, um tempo de viragem e renovação de todos os aspectos da vida colectiva, sobretudo a seguir à revolução do 25 de Abril de 1974. No campo cultural, por força de conturbadas circunstâncias políticas, assistiu-se à proliferação de iniciativas dispersas que tinham como matriz orientadora a substituição do modelo autoritário deposto, substituído por instâncias descentralizadas que garantiam a intervenção directa e voluntarista dos activistas culturais. Nessa época, foi através da renovação do Poder Local Autárquico que as populações tomaram consciência do seu papel de intervenientes directos, porque principais interessados, na defesa e preservação dos bens culturais das suas localidades. A nossa experiência autárquica nesses anos testemunha que esse foi um período de intensa participação cívica em que as preocupações com a resolução imediata de problemas relacionados com as infra-estruturas de abastecimento de água ou saneamento básico corriam em paralelo com as realizações culturais, tornando  possível, através da iniciativa de elementos mais esclarecidos ou sensibilizados, reavivar o interesse pela memória histórica local e pelas tradições populares mais genuínas.
Neste renascer cívico ganhou importância a ideia da defesa do Património, sobretudo o edificado, que nos últimos anos do Estado Novo havia sido descurado devido ao esforço da guerra colonial – ao contrário dos anos áureos do Regime em que a promoção do Património fora uma das bandeiras da renovação nacionalista preconizada por Salazar. Surgiram, por todo o país, Associações de Defesa do Património (ADP), num crescendo que atingiria o seu auge nos anos 90, totalizando cerca de uma centena.
Este movimento levou à realização de quatro Encontros Nacionais de ADP: Santarém (1980), Braga (1981), Torres Vedras (1982) e Setúbal (1986) e à constituição de uma Federação em 1981, a FADEPA.


Nos activistas deste poderoso movimento cultural era clara a preocupação com a necessidade de afirmar a consciência identitária como condição necessária do modo de ser e estar das comunidades humanas. Num período de rápidas alterações sociais e políticas, o regresso ao passado surgia como elemento compensador de perdas e danos, oferecendo um referencial simbólico onde ancorar a busca da identidade ameaçada. A libertação dos constrangimentos políticos do regime ditatorial levou à celebração da partilha colectiva como manifestação e fruição da liberdade. Essa partilha evidenciou a consciência grupal de uma identidade renascida que se materializou no cuidado pela herança comum, - o Património.
A erupção entusiástica do interesse pelos vestígios do passado é, aliás, uma das características dos períodos de regeneração que se seguem às revoluções, como se viu a seguir à Revolução Francesa ou, em Portugal, após a implantação da República. O recurso ao Património não é arbitrário, antes resulta da interiorização colectiva da ideia de que o passado comum é o elo que une os elementos da comunidade ameaçados pelas tensões desagregadoras dos períodos revolucionários.

Significativa do período histórico pós 25 de Abril 74 foi a ideia de que  esta identidade deveria afirmar-se mediante a assunção da responsabilidade individual que aceita fazer parte integrante de um colectivo independente do poder político central. Daí a constituição de inúmeras instâncias associativas – Comissões de Moradores, de Melhoramentos, de Clubes Culturais e Recreativos, etc – e, entre elas, as de Defesa do Património.  Esta proliferação tornava-se, assim, o reverso da política centralista do Estado Novo, em que os cidadãos se substituiam ao longínquo poder autocrático, mas teve como consequência inevitável, durante os primeiros anos do regime democrático, alguma indefinição do quadro legal relativo às questões do Património. O primeiro grande diploma legal sobre esta matéria surgirá apenas em 1985. No texto de 62 artigos é visível « a força e originalidade com que vinha progredindo a acção das ADP’s», como se comprova pela referência explícita à sua existência no Artº 6º, nomeadamente no 1º ítem:

«1 - As associações de defesa do património, adiante designadas por «ADP», são as associações constituídas especificamente para promover a defesa e o conhecimento do património cultural.»

Este era o corolário de uma década de intervenção aguerrida e muitas vezes incómoda para o poder político e para os interesses materiais instalados, nomeadamente na área do urbanismo. Significava, também, o reconhecimento da importância das ADP’s na introdução de conceitos e metodologias de intervenção, até aí praticamente arredados do quotidiano administrativo apesar de constantes nos inúmeros documentos internacionais dedicados à preservação do Património – desde a Carta de Atenas (1931), passando pela Carta de Veneza (1964) até ao Apelo de Granada (1977), entre outros


Dezasseis anos depois daquele diploma legal foi publicada a Lei nº 107/2001 que consideramos a magna carta do património cultural português na qual (Artº 1º) se estabelecem «as bases da política e do regime de protecção e valorização do património cultural, como realidade da maior relevância para a compreensão, permanência e construção da identidade nacional e para a democratização da cultura». De novo encontramos referência explícita às ADP’s mas agora num articulado mais bem estruturado que constitui, só por si, o estatuto genérico da participação activa dos cidadãos nas questões do Património, claramente desenvolvido nos sete ítens do Artº 10º e nos três do Artº 11º. Depois de caracterizar o perfil associativo das ADP’s, aí se reconhece aos cidadãos “o direito de participação, informação e acção popular” bem como o direito a obter cooperação da Administração Pública central, regional e local em todos os domínios da sua actividade específica. E ainda o direito aos “incentivos e benefícios fiscais atribuídos pela legislação tributária às pessoas colectivas de utilidade pública administrativa.” Esta explicitação clara de direitos é completada, no Artº 11º com os deveres de “ preservação, defesa e valorização do património cultural”, cada um deles desenvolvido nos três ítens do articulado.
     Parece-nos, pois, de justiça apontar para o papel decisivo da participação dos cidadãos no estabelecimento das linhas orientadoras, plasmadas na lei de bases do património cultural.
É justo lembrar que a Associação do Património de Torres Vedras teve participação muito activa neste movimento.
Fundada em Março de 1979 por iniciativa do director do semanário local Badaladas, com o apoio entusiasta do vereador da cultura da Câmara Municipal, a que se juntou um grupo alargado de personalidades, desde logo se afirmou como interventora sagaz nas questões do Património local, marcadas pela emergente importância dos promotores imobiliários encorajados por um Poder Autárquico permissivo, mais sensibilizado para o desenvolvimento urbanístico do que para a salvaguarda de valores patrimoniais de feição histórica. Com a sede a funcionar incialmente nas instalações do jornal, é natural que tenha sido nas suas páginas que a actividade da nova associação ganhou relevo – o que ainda hoje acontece, apesar de a sede da ADP há muito se ter deslocado para instalações independentes.
     O dinamismo desta associação explica que, logo em 1982, tenha organizado o III Encontro de ADP’s, em Torres Vedras, amplamente divulgado nas páginas do jornal. Realizado de 1 a 4 de Abril, nele participaram cerca de 400 pessoas representando 91 associações de todo o país, com uma centena de comunicações. Em jeito de balanço, José Pedro Sobreiro, então presidente da ADPTV, sublinhou:

     «O Património não se defende apenas nos “monumentos intocáveis”, mais ou menos protegidos por lei. A defesa do património tem a ver com uma atitude perante a vida das sociedades e abrange um leque de acções que pode ir da publicação de um catálogo de museu até à preservação do ambiente tradicional de uma artéria.»

Depois deste relance sobre o nosso passado recente, olhemos agora para o presente e para as possibilidades do futuro

     Quanto ao presente deste movimento cultural, é indubitável que perdeu a pujança e o fulgor dos anos iniciais. Muitas associações do património ficaram pelo caminho, num processo natural de ciclo de vida. Não temos dados estatísticos disponíveis, apenas um conhecimento empírico resultante da nossa experiência nesta área. Uma investigação rápida na internet  mostra-nos que resistem ainda algumas associações que mantêm actividade regular, mais ou menos significativa. O que nos parece relevante sublinhar é que a preocupação com as questões da salvaguarda do património cultural e da sua divulgação – frequentemente incluídas na promoção turística - fazem hoje parte da agenda da grande maioria das autarquias locais, como podemos comprovar pela análise dos respectivos sítios da internet. É lícito supor que esta generalização resulta, também, do trabalho pioneiro das ADP’s, hoje diluído ou absorvido pelas competências administrativas do Poder Local.

Quanto à Associação do Património de Torres Vedras, os relatórios e planos de actividade, que anualmente tem discutido e publicado no blogue PATRIMÓNIOS, abarcam uma grande variedade de iniciativas que procuram responder aos novos desafios e exigências do tempo presente.   Que se espera hoje de uma Associação do Património? A resposta, encontramo-la num documento interno da nossa Associação, que passo a citar:
«Espera-se que continue a defender  e a divulgar o Património! Mas tendo em conta que estas ‘missões' já estão em grande parte assumidas por outras entidades – IGESPAR, DGPC, autarquias, Regiões de Turismo… - espera-se sobretudo que introduza CONHECIMENTO nas questões do Património. Esse é o aspecto mais importante da sua acção, hoje em dia. De que modo? Intervindo regularmente na imprensa, rádios e televisões regionais; editando materiais de qualidade; organizando visitas guiadas temáticas; disponibilizando serviços de guias turísticos, sessões de divulgação, acções de formação; utilizando todos os meios informáticos disponíveis; actualizando inventários e registos fotográficos; divulgando leis e textos de referência; criando núcleos escolares de defesa do património; comparecendo em todos os eventos públicos relacionados com o Património cultural; criando formas de participação das populações em projectos inovadores que as interessem e mobilizem.»

            A partir destes princípios, a ADPTV tem actualmente em execução os seguintes projectos de trabalho:
Ø  TORRES VEDRAS, MEMÓRIAS DO SÉCULO XX: vídeo-gravação de depoimentos orais de pessoas idosas, de alguma forma ligadas ao Centro Histórico; recolha de fotografias, notícias de jornal...; reconstituição do tecido comercial da zona histórica ( as lojas que ali existiram...). Este projecto foi iniciado em 2012 com um ciclo de cinco debates públicos sob o tema “Mais vida no Centro Histórico”. Até ao presente foram realizadas 10 entrevistas vídeo-gravadas, num total de cerca de 50 horas de gravação.
Ø  VIVA HISTÓRIA: realização de visitas guiadas, com percursos no Centro Histórico da cidade e na região Oeste; disponibilidade deste serviço junto dos agentes turísticos. Este projecto candidatou-se recentemente ao Programa Leader Oeste.
Ø  AO ENCONTRO DA HISTÓRIA: sessões públicas, com PowerPoint's, a pedido de pessoas ou instituições interessadas, sobre os temas: Linhas de Torres Vedras / Monumentos de Torres Vedras / A arte de moer: moinhos e azenhas / A nossa História escrita: Livros de História Torriense.
Ø  PATRIMÓNIOS: publicação de artigos no jornal Badaladas, de três em três semanas, sobre memórias do Centro Histórico. Este projecto tem mobilizado muitos dos actuais ou antigos moradores a darem o seu testemunho de vida, a maioria nunca tinha escrito para um jornal. Desde 2010 até hoje foram publicados cerca de 70 artigos de 30 autores diferentes.

Meus senhores e minhas senhoras:
Ao concluir esta intervenção,  quero sublinhar que os 35 anos de vida da Associação para a Defesa e Divulgação do Património Cultural de Torres Vedras exprimem bem a possibilidade e utilidade da participação organizada dos cidadãos na salvaguarda e valorização do seu Património histórico, na linha do que a Convenção de Faro, de 2005, preconiza no seu artigo 12º: «Reconhecer o papel das organizações não lucrativas, tanto como parceiros nas actividades desenvolvidas, como enquanto elementos de crítica construtiva das políticas de património cultural

Por outro lado, fica patente a ligação entre memória e património pois este não se entende sem aquela. É a memória que confere valor simbólico aos vestígios do passado, - material ou imaterial – uma operação mental em que, no dizer de um autor consagrado, «a reivindicação presente de um património é produtora desse património» - fenómeno a que aquele autor chamou ‘patrimonialização’, resultado ‘do acto de memória’.[1]

De facto, a memória social é um vasto universo cultural que, para subsistir, necessita de agentes propulsores e dinamizadores e esse continua a ser, em nosso entender, o papel e o território de acção das Associações para a Defesa do Património Cultural.
Obrigado pela vossa atenção.
Joaquim Moedas Duarte
(Presidente da Direcção da ADDPCTV)



[1] Joël Candau – Antropologia da memória. Lisboa: Instituto Piaget, 2013, p. 148.

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7. Património Cultural: o Casamento entre Património e Cultura

Ver aqui:
http://home.utad.pt/~xperez/ficheiros/publicacoes/patrimonio_cultural/Patrimonio_Cultural.pdf


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6.   TEXTO DE APRESENTAÇÃO DO SITE DA ASSOCIAÇÃO
       PATRIMÓNIO HISTÓRICO DAS CALDAS DA RAINHA 



É preciso consolidar uma verdadeira consciência patrimonial! Para além do Estado e das instituições oficiais, é urgente implicar os cidadãos nesse domínio fundamental da “consciência histórica contemporânea”, como lhe chama Pierre Nora. É no âmbito da preservação do património e do debate crítico sobre o respectivo significado que se constitui a possibilidade de registar uma marca identitária, indispensável à afirmação das comunidades locais na região e no mundo a que pertencem.


A associação Património Histórico PH – Grupo de Estudos, com sede nas Caldas da Rainha, na Igreja de S. Sebastião, iniciou a sua actividade em 1990 como unidade de produção cultural da Casa da Cultura, adquirindo estatuto jurídico autónomo em 1993, e tem-se dedicado à promoção, valorização e defesa do património, bem como ao seu estudo rigoroso, nesta região.


A acção do PH – Grupo de Estudos tem-se pautado pela colaboração com entidades públicas e privadas, com destaque para a prestação de serviços ao nível da inventariação patrimonial, da organização de arquivos documentais, da realização de pesquisas e da publicação de estudos de carácter histórico e cultural. Além disso, tem-se caracterizado por dinamizar acções de formação que permitam o conhecimento e valorização do património local e regional, bem como por promover iniciativas susceptíveis de interessar públicos diversificados, tais como cursos, colóquios, conferências e exposições.


O incentivo à participação cívica e à responsabilização de todos e de cada um nos assuntos de âmbito patrimonial e do seu significado, actualmente muito alargado, têm norteado o caminho percorrido e manter-se-ão como desígnio orientador. Partilhamos a concepção que Simon Thurley manifestou ao Jornal Público, em 22 de Março de 2005: “Há dois erros comuns no que diz respeito ao património. O primeiro é pensar que é sobre os edifícios – é sobre as pessoas e o que elas investem nos tijolos. O segundo é pensar que é sobre o passado – é sobre o futuro, o que poderá ficar depois de nós desaparecermos.
Isabel Xavier

in: http://www.ph-caldas.org/ph/present.php



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5. TURISMO E PATRIMÓNIO


 

Do blogue: www.cafportugal.net

Património é encarado «mais como um custo e menos como um investimento»

Simon Punter, partner do grupo ILM, organizador do Encontro «Promover Turismo, Capitalizar Cultura», que decorreu a 3 de Dezembro, em Lisboa, considera que a «relação do turismo com a cultura tem de ser mais aberta». Só assim se poderá «marcar a diferença» no caminho do sucesso. O especialista recordou que, normalmente, os municípios «olham para o património edificado mais como um custo e menos como um investimento».

Ana Clara | sábado, 4 de Dezembro de 2010

«O Turismo não existiria sem cultura». A frase, da autoria de Hervé Barré, director da UNESCO, foi o mote a partir do qual o responsável do ILM Group (focalizado na assessoria turística), Simon Punter, explicou porque impera uma aliança entre cultura e turismo na estratégia de atracção de visitantes ao nosso país.
Nesse projecto, é fundamental «procurar caminhos de acção e implementação» na área da capitalização da cultura e da promoção turística.

Para Punter, que falou no seminário que decorreu na Torre do Tombo, em Lisboa, existe em Portugal um turismo tradicional que «tem tido uma evolução muito positiva». Contudo, garante que esse mesmo segmento «está a mudar» porque «o perfil do turista está a modificar-se. O turista é hoje uma pessoa que procura experiências, autenticidade no destino e procura aprender».
O partner da ILM garante, por isso, que «o património é uma matéria-prima fundamental para alimentar o turismo. A nossa ideia é que a ligação de turismo e cultura devia ser uma relação útil criando, desta forma, um produto turístico sustentável», salientou.
«O turismo tem cada vez mais pessoas à procura de soluções. A cultura sobrevive com museus, património, e também com a gastronomia e o enoturismo. Tudo isso, interligado, pode gerar um produto turístico», sustenta.

Além disso, o próprio turista evoluiu. Segundo Simon Punter, «temos de estar atentos para que os produtos que oferecemos estejam de acordo com a evolução actual. O produto tem que responder às necessidades do mercado».
Sendo a cultura um elemento diferenciador entre países, a relação do turismo com a cultura «tem que ser mais aberta».

Por isso, tendo em conta os factores de mudança que se geraram na sociedade actual, a promoção do património cultural tem de ser «desenvolvido num contexto integrado com o turismo». Tudo isso, «pode e deve gerar produtos turísticos, reduzindo as assimetrias regionais, tendo um forte impacto socioeconómico, bem como um efeito económico multiplicador e um grande orgulho comunitário».

Simon Punter garante que é, pois, essencial «colocar o património no centro das comunidades». E, neste campo, as autarquias têm a responsabilidade de rentabilizar os activos nos seus concelhos. E nem sempre é assim, recordando que normalmente as câmaras municipais «olham para o património edificado mais como um custo e menos como um investimento».

Portugal versus Inglaterra

O responsável da ILM Group deu o exemplo de um caso paradigmático, citando fontes do IGESPAR e do English Heritage. «Em 2008, os monumentos portugueses foram visitados por 79% de turistas estrangeiros e apenas 20% nacionais». Por seu turno, em Inglaterra, em 2009, o cenário comparativo é bem diferente. Apenas 16% dos turistas que visitam os monumentos são estrangeiros, sendo que 84% são turistas nacionais».

«Esta é uma comparação que simboliza bem a necessidade de adoptar políticas que aliem cultura e turismo em Portugal», considerou Hunter.

Nesse sentido, concluiu, dizendo que os objectivos da estratégia do nosso país têm de passar por «aproveitar o património para criar atracção, potenciar o património e a sua integração com os outros recursos locais, gerar massa crítica para ser um palco de atracção, permitir um efeito multiplicador de impactos socioeconómicos locais e regionais obtendo sustentabilidade económica a par de um produto turístico».

O Encontro «Promover Turismo, Capitalizar Cultura» contou com o apoio do IGESPAR e do Turismo de Portugal.


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4 .  REQUALIFICAÇÃO URBANA

Quando se fala em requalificação de áreas urbanas o exemplo de Barcelona é referido como caso de estudo. Este texto ( que retirámos do site Cidade Imaginária, do Prof. João B. Serra ), dá-nos uma ideia do que ali se fez:

Qué ha acaecido en la Barcelona de los años 80-90? ¿Cómo podemos caracterizar el urbanismo barcelonés reciente?

Joan Campàs Montaner*

Una de las ideas centrales del proceso de transformación de la Barcelona de Porcioles a la Barcelona de nuestros días hace referencia a la sustitución de la vieja idea del expansionismo y de desarrollismo por las nuevas necesidades de la reconstrucción: construir en lo construido, mejorar lo existente, transformar, modificar, rehabilitar, resignificar, subrayar o crear identidades son los objetivos más claros y más inmediatos de la actual política urbanística. Se trata de un urbanismo estratégico y reconstructivo, apoyado prioritariamente en la formulación del espacio público.

Observemos cuáles han sido y cuáles son los espacios en los que se está interviniendo: se trata de barrios construidos (Raval, Poble Nou, Trinitat, Nou Barris, Ciutat Vella...) en los que es necesario abrir un proceso de reconstrucción y de afianzamiento de identidades. Se trata de monumentalizar el espacio público de la periferia para atribuirle un significado urbano y una centralidad, e higienizar el centro sin destruir sus signos de identidad y su testimonio histórico para convertirlo en vitalmente habitable.

El monumento tiene, pues, una doble línea de significación: el contenido rememorativo y la presencia puramente artística, ambos integradores de la memoria colectiva. Hasta ahora, el espacio público tenía fundamentalmente un carácter residual, era un mero espacio vacío que servía de reserva higiénica, de espacio para tomar el sol y para la vegetación, para el esparcimiento de niños y niñas, para aparcamiento. A este carácter residual se le añadía su discontinuidad: la ciudad se nos manifestaba como un tejido discontinuo poblado de objetos arquitectónicos, entre los que los lugares de circulación y de distribución tenían como únicos objetivos los que expresan dichas palabras, es decir, conectar entre sí objetos concebidos con una total autonomía los unos respecto a los otros.

En los 80 se inicia el proceso de transformación de la ciudad a partir de una concepción distinta. Los arquitectos han dejado de diseñar casas de vecinos, chalets, interiores..., para enfrentarse a grandes espacios, ya construidos, con entornos de arquitectura poderosamente establecida con relación al espacio público. Se intentaba reelaborar una verdadera arquitectura del espacio público, sobre todo en los elementos arquitectónicos y en su diseño, en la calidad visual y táctil de los materiales, trazos y geometría global.

Y se ha trasladado al espacio público la manera de hacer en el espacio doméstico. La arquitectura de Barcelona (Coderch, Sostres, Moragas, Mitjans, Vilaplana i Piñón, Dani Freixes, de Torres i Martínez Lapeña, Calatrava, Solà-Morales, Bernardo de Sola, Bonell i Rius...) de los últimos 30 años tiene unas cualidades que sólo se explican por su cuidada atención a la escala menor, la construcción de la forma a partir de la atención por los detalles, una sensual atención al material y al acabado, una convergencia poco problematizada entre innovación y tradición, un gusto sentimental por los referentes, una tendencia pintoresquista en la percepción de los espacios, un evidente realismo en su tecnología constructiva y un gusto dominante por los que se habían dedicado al mundo privado y doméstico. Es fácil comprobar, en muchas de las actuaciones en el espacio público de Barcelona, la persistente presencia del intimismo privado de la tradición barcelonesa.

Podemos contar hasta cinco tipos distintos de diseño urbano en Barcelona: las puras elaboraciones de los modelos urbanos del siglo XIX, evidentes sobre todo en la obra de Manuel Solà-Morales y Rubio; trabajos modernos altamente estructurados, como la Plaza de los Países Catalanes de Helio Piñón y Albert Viaplana; un enfoque altamente económico consistente en la restauración del pavimento, la vegetación y el mobiliario preexistentes (Plaza Real, restaurada según el proyecto de Federico Correa y Alfons Milà, o las plazas de Gracia, transformadas por el equipo de Jaume Bach y Gabriel Mora); obras neohausmannianas, como son la avenida Gaudí o la Vía Julia, e incluso el parque del Escorxador y la plaza Tetuán; mejoras cívicas cuyo carácter e interés depende casi exclusivamente de la escultura pública que contienen. Es el caso de la Plaza Sóller, animada por la escultura luminosa semitranslúcida y ornamental de Xavier Corberó, o la plaza de la Palmera, rodeada por dos muros radiales de hormigón diseñados por el escultor Richard Serra.

La estética de la ciudad no es una cuestión de belleza o de fealdad, sino de significados. La ciudad ha sido y es la estructura principal de la integración social y política, un enlace funcional entre lo particular y lo general, el individuo y el Estado. La ciudad no es un monumento, sino un organismo que se mueve, que cambia y que evoluciona; y no tiene que ser hecha para los ciudadanos, sino por los ciudadanos.

Actualmente, no obstante, la comunidad original de la ciudad, que tenía un interés incluso afectivo por su figura tradicional, ha quedado reducida a una minoría. La memoria colectiva ya no es un factor de cohesión: el mismo caudal cultural, patrimonio y fundamento histórico de la comunidad, ya no lo siente como propio una gran parte de la población inmigrada. ¿Cuánta gente se siente ligada afectivamente a su ciudad? ¿Puede aún la ciudad actuar como elemento de integración, como creadora de formas de vida comunitaria?

El problema se agrava si tenemos presente que la especulación ha dividido la ciudad en dos zonas: el centro, reservado a los negocios, y la periferia, destinada al hábitat. Dos mundos socialmente y funcionalmente distintos, separados, aislados. Y cada uno con problemas específicos: un centro congestionado, que reúne desde los edificios más modernos, de los bancos y los grandes almacenes, hasta los edificios más antiguos de los barrios más depauperados, y una periferia, caótica, sin urbanizar y sin ninguna personalidad e identidad, excepto por la propia consideración de periferia.

Hoy, las medidas de Hausmann no tendrían sentido. No es tanto un problema de bisturí como de terapia recuperadora. La ciudad parece pedirlo: es preciso mejorar lo existente, transformando y modificando los disparates de la etapa Porcioles, rehabilitando los viejos edificios, resignificando calles y barrios, dignificando áreas marginales...

Ante este cúmulo de problemas, parece que la actuación constructiva y reconstructiva sobre Barcelona está enmarcada por las siguientes coordenadas: (re)dotar al espacio público de la función estructuradora del tejido urbano; crear proyectos urbanos unitarios (Villa olímpica) que tengan la huella personal de su autor; superponer a las funciones primarias del espacio urbano (circulación...), funciones secundarias (o significativas); higienizar el centro sin destruir su identidad y su testimonio histórico; monumentalizar el espacio público para dotarlo de significado urbano y de centralidad; crear y afianzar identidades; (re)construir la ciudad a partir de los barrios.

* Joan Campos M. é professor titular de Arte, Estética e Hipertexto em Estudos de Humanísticos de la Universidade Aberta da Catalunha. Este texto faz parte do seu Curso de História de Arte Universal (Capítulo Arquitectura do Século XX).



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3 .    TEXTO DE VICTOR CESÁRIO DA FONSECA

O texto que aqui se recorda é muito interessante, apesar das evidentes falhas de estruturação. Por ele ficamos a saber que Torres Vedras poderia ter tido um belo jardim já nos anos 20, não fossem as vicissitudes políticas da época, marcadas pelo confronto entre monárquicos e republicanos.
Esse jardim ficaria situado a poente do Largo da Graça, estendendo-se até à Várzea.
É retirado do opúsculo* publicado pela Associação de Defesa do Património em 1979, no qual o autor, com cerca de 90 anos, rememora alguns factos e pessoas do primeiro quartel do século XX em Torres Vedras. 
Intitula-se:


OS MONÁRQUICOS NA CÂMARA MUNICIPAL DE TORRES VEDRAS

A acção de Álvaro Galrão na Câmara Municipal teve altos e baixos, isto é: produziu acções úteis, e outras que muito prejudicaram esta cidade.
Descrevamos duas para as quais garantimos a vera­cidade com documentos em nosso poder.

ORIGEM DE PERDA IRREPARÁVEL

Não há dúvida de que Álvaro Galrão, monárquico dos da antiga escola, intolerante, casmurro, foi correli­gionário e bom discípulo do ditador João Franco Pinto Castelo Branco,  chefe do  Partido  Regenerador Liberal(que de liberal só tinha o título) mais conhecido por Par­tido Franquista que manteve as cadeiras do poder em 1907, e de tal forma procedeu que levou ao assassinato do Rei D. Carlos. Não exageramos atribuindo o assassina­to de D. Carlos à política do ditador porque a própria viúva, Rainha D. Amélia, quando, no Arsenal da Marinha, os corpos do marido e do filho jaziam, apontando para os cadáveres, dirigindo-se a João Franco, que ali acorre­ra, teve esta frase histórica: «Aqui tem a sua obra»

Esta passagem serve para explicar e comparar Álva­ro Galrão com o seu chefe político-ditador e déspota. Não contribuiu para o assassinato do Rei, evidentemente, mas matou uma grande obra que a Câmara Municipal ti­nha delineado e começado a executar, mas que ele, pelo rancor que guardava a tudo quanto fosse obra ou credo republicano, tinha que prejudicar ou derrubar. E fê-lo.
Descrevamos dois factos começando por aquele, on­de ele teve acção meritória, afirmando 'mesmo que sem ele o assunto a que vou referir-me não teria vingado.
Poucos torrienses existem, actualmente, (talvez só um, o Sr. Honorato de Lima Lopes), que conheçam os factos que me servem de epígrafe a esta descrição, por­que eles decorreram há mais de 50 anos, existindo por isso poucos indivíduos, que deles se recordem e tivessem conhecimento.
Os monárquicos, com Álvaro Galrão a comandar o executivo de cuja Comissão Executiva era presidente, ti­veram a seu cargo a administração municipal desde 2 de Janeiro de 1923 até 31 de Dezembro de 1925. Nesta administração Álvaro Galrão distinguiu-se pela ajuda efi­caz que prestou à criação e instalação da Associação de Educação Física e Desportiva, devendo mesmo dizer-se em abono da verdade, que, sem a sua acção, ajudando esta utilíssima Associação, que a Torres Vedras tão altos serviços tem prestado, ela não teria vingado por falta de meios materiais e instalações.

Em 2 de Janeiro de 1926 a Câmara Municipal, que até fim de 1925 fora regida somente por monárquicos, foi substituída, por força de eleições realizadas em 1925, tendo sido eleitos 20 cidadãos; 11 deles eleitos pela lista republicana e 9 pela monárquica. Pela lista eleita pelas for­ças republicanas foram eleitos os seguintes cidadãos: Sil­vério Botelho de Sequeira, Victor Cesário da Fonseca, Dr. Justino de Moura Guedes, José Francisco da Cruz, Ja­nuário da Silva Lucas, Jacinto Custódio Rodrigues, José Augusto Martins, Emídio do Amaral Bandeira, Ulpio Eloi Al­ves, Horácio da Silva Sabino e João dos Reis Coelho Júnior; e pela lista dos monárquicos foram eleitos os 9 cidadãos seguintes: Álvaro Galrão, José Pedro Lopes, Fernando Car­valhosa, Augusto Boto Pimentel Carvalhosa, António Pe­dreira Vilela, José António Vieira, Artur Pedreira Carneiro, Maximino Nicolau dos Santos Sobrinho e José Antunes Martins.
Este elenco toma posse em 2 de Janeiro de 1926, ficando a Comissão Executiva, eleita nesta sessão do Sena­do Municipal, composta por: Álvaro Galrão, José Pedro Lopes, Victor Cesário da Fonseca, Januário da Silva Lucas, Dr. Justino de Moura Guedes, António Pedreira Vilela e Maximino Nicolau dos Santos.
Uma vez descritos estes preliminares, para que o lei­tor fique melhor conhecedor do assunto e tirar conclusões, passo a descrever o caso a que eu chamo um autêntico crime de lesa-Torres Vedras, praticado pelos monárquicos, com Álvaro Galrão à cabeça.


AS NEGOCIAÇÕES

Em 1925 morre o grande médico que, nesta cidade, então vila, praticou clínica durante muitos anos, exercendo também o cargo de subdelegado de saúde: Dr. Justino Xavier da Silva Freire. Deixou muitos filhos, dos quais a Ex.ma Srª D. Luísa Freire Galrão que faleceu há pou­cos dias, quase centenária. Dos seus irmãos António, Manuel e irmãs D. Maria Teresa Freire Moura Guedes, D. Graça Freire Damião e D. Maria do Carmo Freire Santos Bernar­des, já nenhum existe.
Pela morte de seu pai, os filhos herdaram, entre outras, a propriedade chamada Quinta da Graça, situada à roda e por detrás do ex-convento, cuja parte rústica era constituída por muitos hectares de terreno plantado de vinha, que abrangia todo o espaço desde o jardim da Graça e por detrás do Convento até à Porta da Várzea.
A parte desta Quinta, que constitui a rua António Batalha Reis e todo o terreno ao norte desta rua, portanto uma área com alguns hectares, foi negociada pelos herdei­ros, após a morte do Dr. Justino Freire, pela quantia de 100 contos, com a Câmara Municipal para ali se instalar um Parque e Jardim Infantil.
Este negócio, com os herdeiros do Dr. Justino Freire, havia sido tratado com a Comissão de Iniciativa, que nessa época tinha vida oficial e autónoma, encarregando-se esta Comissão de executar e financiar a construção do Parque, nos termos da proposta por mim apresentada na sessão da Câmara, e como mandatário da Comissão de Iniciativa, porque dos dois organismos oficiais fazia parte.
Esta deliberação consta da acta da sessão do Senado Municipal, de 2 de Janeiro de 1926, tendo, também, na mesma sessão, dado poderes à Comissão Executiva, aca­bada de eleger na mesma sessão, para realizar e fechar o negócio no mais curto espaço de tempo, com os proprie­tários do terreno.
Mas sucede que a Câmara Municipal, que havia to­mado esta resolução, por motivos políticos afectos ao Tri­bunal Administrativo, deixou de exercer a administração municipal em 15 de Fevereiro de 1926, e em sua substitui­ção, conforme determinava o Código Administrativo, foi encarregado de gerir os negócios municipais o elenco que constituía a Câmara, imediatamente anterior, que havia terminado o seu mandato em 31 de Dezembro de 1925.
Por esta circunstância, os monárquicos retornam, com Álvaro Galrão à frente, em Comissão Administrativa, que geriu os negócios municipais desde 22 de Fevereiro a 14 de Julho de 1926, tendo sido neste espaço de tempo que se cometeu o autêntico crime de lesa-Torres Vedras.

QUESTÕES POLÍTICAS: FORAM O FIM

Como já disse, havia sido resolvido pela Câmara Mu­nicipal em sua sessão de 2 de Janeiro de 1926 comprar parte do terreno da Quinta da Graça aos herdeiros do Dr. Justino Freire, entregando-o à Comissão de Iniciativa das Termas dos Cucos e Praia de Santa Cruz, assim ela se chamava oficialmente, para que esta o transformasse num belíssimo parque que à falta de outros inexistentes, muito valorizaria e contribuiria para a saúde da população de Torres Vedras.
Este negócio não se chegou a realizar porque a Câ­mara, de maioria republicana, que havia resolvido efectivá-lo, houve de abandonar as cadeiras municipais em 15 de Fevereiro de 1926, tendo os monárquicos, que em Co­missão Administrativa substituíram o elenco onde predo­minavam os republicanos, desfeito tudo quanto a Câmara eleita já havia realizado sobre este negócio.
Por birra e revindicta política, por não haver podido fa­zer vingar a sua pretensão de colocar na presidência da Câmara Municipal, que tomou posse em 2 de Janeiro de 1926, o seu correligionário, que era então o chefe do par­tido monárquico deste concelho. Augusto Boto Pimentel Carvalhosa, Álvaro Galrão, José Pedro Lopes e os outros monárquicos, que compunham a Comissão Administrativa, contrariaram e desfizeram todo o negócio ajustado e já em andamento pela Câmara Municipal de maioria republicana, que, por motivos políticos, se viu forçada a suspender a sua actividade na gerência dos negócios municipais.

Para que os torrienses saibam e possam avaliar quem empregou todos os esforços para dotar Torres Ve­dras com um belo parque verde, arborizado, salutar e de recreio, situado mesmo no coração da cidade, escrevi esta história para com os pontos nos is, o leitor ficar ciente das causas de não nos podermos orgulhar de possuir hoje um local que honraria e beneficiaria a sua população.
Para que se não diga que eu redijo e publico esta história com intuitos ou facciosismo político, menospre­zando os adversários, lembro que:

Se combato e reprovo a atitude que Álvaro Galrão tomou no caso agora descrito, noutro, em que a sua inter­venção, em 1925, foi decisiva e importante, relativa à po­sição que tomou em benefício da Associação de Educação Física e Desportiva, foi de incomparável valor.
Direi até mais: neste caso, se não fosse a sua atitude firme, tomada dentro da Câmara Municipal de que era Presidente da Comissão Executiva, que findou em Dezem­bro de 1925, a favor da Associação de Educação Física, esta não teria vingado. Até já em Assembleia Geral des­ta benemérita Associação, eu propus para Álvaro Galrão, a título póstumo, que fosse nomeado sócio honorário e inaugurado o seu retrato. Em virtude disto pode o leitor avaliar da minha isenção política e da verdade com que descrevo os factos que se destinam à história, no que se refere a este caso decorrido há 53 anos.
Mas se Álvaro Galrão na sua gerência de 1923 a 1925 praticou actos dignos de nota, na Comissão Admi­nistrativa a que presidiu de 24 de Fevereiro a 14 de Julho de 1926, foi o maior culpado, direi mesmo o único culpa­do (porque os restantes membros fariam o que ele quisesse) do verdadeiro crime praticado, anulando, naqueles fatídicos 5 meses, que voltou aos trabalhos da Câmara Mu­nicipal, a realização da grande obra de que os torrienses hoje estão privados, notam e lastimam a falta de espaços verdes repousantes e higiénicos.


PERDA IRREPARÁVEL

Como dissemos Álvaro Galrão volta às cadeiras mu­nicipais, agora como membro da Comissão Administrati­va, no período que decorre de 22 de Fevereiro de 1926 a 14 de Julho do mesmo ano.
Foi neste período que Álvaro Galrão, e outros mo­nárquicos seus cúmplices, cometeu o crime, como já a apelidamos, de lesa-Torres Vedras.
O terreno, que então era plantado de vinha, fora ne­gociado para nele se instalar um parque infantil e de re­creio, de cujos trabalhos e despesas se encarregaria a Co­missão de Iniciativa.
Esta Comissão chamava-se: Comissão de Iniciativa das Termas dos Cucos e da Praia de Santa Cruz, tinha a sua sede na sala por de cima de onde hoje está estabele­cida a Barbearia Ceia, em plena Praça da República.
Eram seus membros natos o subdelegado de saúde, um representante das Termas dos Cucos, um hoteleiro de Torres Vedras e outro de Santa Cruz, um representante do comércio local, um membro da Junta de Freguesia de S. Pedro, pelos Cucos, e outra da freguesia de São Pedro da Cadeira (hoje Silveira), por Santa Cruz, e ainda um membro representante da Sociedade Propaganda de Por­tugal, de que o signatário era sócio e representava.
E, como é o signatário desta história o único mem­bro vivo que pertenceu aos organismos apontados e por quem passaram todos os pormenores, garante ele a vera­cidade de tudo quanto se descreve, talvez com algumas omissões parque a memória de velho não dá para mais.
Pelas eleições realizadas em 1925 o signatário fora também eleito para vereador da Câmara Municipal, sendo à sua volta, por ocupar os dois lugares de membro da Câmara Municipal e da Comissão de Iniciativa, que os fac­tos descritos se desenrolaram, sendo relatados com a maior isenção e expressão de verdade.
Em 1925, morre o Dr. Justino Xavier da Silva Freire, e a Comissão de Iniciativa entra, imediatamente, em nego­ciações com a cabeça de casal dos herdeiros, que era o seu filho, Dr. António Freire, para a compra de parte da Quinta da Graça, a parte que já descrevi. Este negócio fi­cou firme e ajustado pela importância de 100 contos.
Uma vez o negócio assente e firme, de boca, entre o comprador, Comissão de Iniciativa, e o vendedor, Dr. An­tónio Freire, o signatário, que aliava ao cargo de membro da Comissão de Iniciativa ao de membro eleito da Câmara Municipal, foi portador e apresentante na primeira sessão da Câmara Municipal, realizada em 2 de Janeiro de 1926, da proposta para legalizar a compra pelo Município de parte da propriedade dos herdeiros do Dr. Justino Freire, compra esta já ajustada com a Comissão de Iniciativa pela importância mencionada.
Para dar efectivação a este negócio, que a Câmara Municipal aprovou em sua sessão de 2 de Janeiro de 1926, foi resolvido na mesma sessão contrair um empréstimo na Caixa Geral dos Depósitos, da importância de 110 contos, para cobrir as despesas da compra, sisa e escritura. Apro­varam esta transacção 11 vereadores, a saber: Silvério Bo­telho de Sequeira, Victor Cesário da Fonseca, José Augusto Martins, Ulpio Eloi Alves, Januário da Silva Lucas, Jacinto Custódio Rodrigues, João Coelho dos Reis Júnior, Maxi­mino Nicolau dos Santos, Emídio do Amaral Bandeira, An­tónio Pedreira Vilela e Horácio da Silva Sabino. Havendo votado contra a sua realização, apenas três vereadores: José Francisco da Cruz, Artur Pedreira Carneiro e José Antunes Martins. Os restantes abstiveram-se.
Em virtude desta deliberação foi resolvido contrair o empréstimo, o que atrás fiz referência.
Assim ficou resolvido, e assim a Câmara Municipal delegou no seu Presidente, que nesta mesma sessão havia sido eleito, Sr. Silvério Botelho de Sequeira, as negociações com a Caixa Geral dos Depósitos.
Esclarecerei, o que aliás já disse, mas repito: a Câ­mara Municipal comprava o terreno, mas as despesas de construção, conservação, plantação de arvoredo, etc. e seus equipamentos e beleza formando um parque frondoso (cujo arvoredo já hoje seria adulto, contribuindo muito para o estado sanitário de Torres Vedras), ficavam a cargo e sob a responsabilidade da Comissão de Iniciativa, cujas despesas eram cobertas pelas receitas próprias, que auferia por força da lei de diversas proveniências.
Tudo isto assente, tudo isto resolvido e tudo isto se principiou a realizar pelo começo do negócio do empréstimo na Caixa Geral dos Depósitos, para pagamento da proprie­dade já negociada verbalmente.
E era nesta perspectiva que todos quantos intervie­ram neste caso, se achavam satisfeitos e orgulhosos por poderem acrescentar ao património municipal mais um valor não só material como educativo, cultural e higiénico, implantando em pleno centro de Torres Vedras um espaço verde tão necessário para a saúde, recreio das crianças e repouso da velhada.
Coisa bela! Que lindo espaço verde ali se teria reali­zado se os monárquicos, com Álvaro Galrão à frente, não o tivessem torpedeado.

* Retalhos Para a História de Torres Vedras, Associação para a Defesa e Divulgação do Património Cultural de Torres Vedras, Torres Vedras, 1979.


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2 . CHAFARIZ DOS CANOS - Badaladas - Março 2004

Em 26 de Março de 2004 a nossa Associação publicou um artigo no jornal BADALADAS, de Torres Vedras, que alertava para a degradação do mais emblemático monumento deste concelho.

CHAFARIZ DOS CANOS: VERGONHA DE TODOS NÓS
O velho Chafariz dos Canos, Monumento Nacional, é hoje a vergonha de todos os torrienses. A indiferença, o hábito de ali o vermos sem já nos apercebermos do seu valor, fez dele uma relíquia desleixada, abandonada à sua sorte, suja, mal cheirosa, rodeada da mais indescritível fealdade. Todos temos culpa! Todos somos responsáveis!
Sim, Monumento Nacional. Jóia arquitectónica quase única no país - há apenas outra fonte gótica com alguma semelhança, em Santarém, a Fonte das Figueiras, situada num recanto da encosta que vai do Tejo à velha urbe, o que dificulta a sua visibilidade. Bem ao contrário do nosso chafariz, implantado em plena malha urbana, construção do século XIV, documentada na Torre do Tombo por dois pergaminhos pertencentes à igreja de S. Pedro (...), um de 1331 e outro de 1508. Gerações e gerações de torrienses ali buscaram água. Milhares de olhos viram, ao longo de mais de 600 anos, o que nós hoje vemos, nesta passagem efémera pela vida. E aquelas pedras, memória desta urbe antiquíssima, deveriam sobreviver-nos, como aos nossos antepassados. Mas... sobreviverão mesmo?

DEGRADAÇÃO
Uma breve passagem pelo seu passado mais recente é elucidativa da maneira como temos tratado este monumento. E não se diga que tem havido algum cuidado por parte da autarquia: o pouco que se fez é irrisório face aos atropelos monstruosos que foram permitidos.
Situemo-nos por volta de 1930. Diante do Chafariz havia um amplo tanque, bebedouro dos animais de tiro que por ali passavam. Um dos vereadores da Câmara era proprietário de uma empresa de transportes de passageiros, cuja sede se situava perto do Chafariz. Perante o problema de estacionamento das suas camionetas e com o pretexto de "limpar" a frente do monumento de um apêndice construído muito mais tarde - o tanque era do século XVIII – foi- lhe fácil induzir a sua destruição. E no pequeno largo passaram a estar não só as camionetas mas também carripanas de todo o género, motorizadas, automóveis em reparação de uma oficina vizinha…

Saltemos aos anos 60. Perante o espanto de alguns e a indiferença de muitos ergueu-se do lado norte o chamado "prédio do Reinaldo". Enorme e feiíssimo caixote, um atentado sem nome ao património colectivo. O Passo da Paixão, encostado à fachada desse prédio, se sobreviveu deve-o aos esforços desesperados do P. Joaquim Maria de Sousa, fundador do jornal BADALADAS. E diga-se de passagem que este jornal, por impulso do seu fundador e dos directores que lhe sucederam, tem pugnado sempre pela preservação do Património histórico e cultural torriense. No início dos anos 70 a Câmara de então mandou fazer os pequenos canteiros no logradouro fronteiro ao Chafariz. Intenção boa mas pouco apropriada. Continuou-se a estacionar e o restante espaço até ficou mais disponível para as mercadorias dos armazéns contíguos.
Nos finais dos anos 80, aquando da discussão do Plano de Salvaguarda do Centro Histórico, tivemos ocasião de chamar a atenção para a necessidade de precaver devidamente o envolvimento do Monumento. Nomeadamente que o espaço fronteiro do outro lado da rua, ocupado por edifícios em ruínas, ficasse desimpedido de construção, de modo a permitir uma perspectiva visual mais interessante e valorizadora.
Infelizmente esta sugestão caiu em saco roto. Perante os nossos olhos acaba de consumar-se o que será, por muitos anos, o emparedamento total do Chafariz. A cortina de pesadas construções ali erguidas fecha qualquer perspectiva alargada e repete o inqualificável atentado dos anos 60. Com a agravante de um dos prédios ficar encavalitado sobre o único troço descoberto da base da muralha medieval, numa solução altamente polémica que até parece desenhada por alguém que desconhece as preocupações pela preservação do património.
A completar o quadro observemos o que se passa no lado sul do espaço envolvente do Chafariz: ruínas, uma porta aberta para um pátio cheio de lixo, uma varanda degradada por cima. Outra porta, no edifício antigo, presa por cordéis e arames, janelas sem vidros e com plásticos. Paredes sem reboco, mais lixo. E só agora olhamos para o Chafariz propriamente dito, imagem da degradação: as velhas bicas foram substituídas por um cano com torneira, ali metido a martelo. Lixo, urina, sujidades suspeitas. Restos de comida para os gatos, charcos de água verde. E, mais preocupante porque exigindo intervenção qualificada e urgente: a pedra está a desfazer-se em muitos sítios. Há capitéis quase irreconhecíveis, porosidades a abrir, por onde se infiltram a água e a poluição atmosférica.
URGÊNCIA
Perante este panorama não podemos quedar-nos pela indignação. Ela poderá mobilizar-nos mas não basta. Há que agir. O Chafariz dos Canos precisa de uma intervenção urgente e rápida, com o apoio de todos nós, começando por esta Associação que não rejeita a partilha de responsabilidades na situação a que se chegou. Se essa intervenção é da competência do IGESPAR, a Câmara, esta Associação e os torrienses em geral não podem ficar indiferentes. Há que fazer dossiês, exposições, comunicados. Há que não parar enquanto o assunto não tiver solução. O Chafariz dos Canos tem de ser desassombrado: aqueles pobres canteiros, mais próprios de um quintalinho nas traseiras, deverão desaparecer e o pequeno largo terá de ser pavimentado e protegido condignamente pois ele é agora a única envolvente em que ainda é possível intervir no curto prazo. Os edifícios contíguos terão de ser limpos e recuperados. O monumento tem de ser recuperado.
Se é certo que devemos respeito aos antepassados, só o teremos dos vindouros se não quebrarmos o fio da preservação da nossa memória colectiva. O Chafariz dos Canos é a mais bela imagem que nos chegou do passado. Que contas daremos dela ao futuro?
A Direcção da ADDPCTV

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1 .

Do livro:
CONSERVAÇÃO URBANA E TERRITORIAL INTEGRADA - Reflexões sobre salvaguarda, reabilitação e gestão de centros históricos em Portugal. Livros Hosrizonte, Lisboa, 2009.

A CONSERVAÇÃO URBANA E TERRITORIAL INTEGRADA
DEFINIÇÃO E ÂMBITO, COMPONENTES DE FORMAÇÃO E SITUAÇÃO EM PORTUGAL


Introdução

A noção de "núcleo histórico" ou - como é mais comum - de "centro histórico" remete-nos invariavelmente para o conceito de Património. Não pretendemos aqui entrar na questão da definição de Património, uma vez que a sociedade em geral não o interpreta da mesma forma que os meios académicos e, até, nas pró­prias universidades, a noção de Património tem vido a alterar-se progressivamente nos últimos anos.

Saber o que deve ser e o que não deve ser Património é uma discussão que, por si só, poderia encher todas as páginas deste livro e de vários outros volumes. Apenas iremos aflorar levemente esta questão quando discutirmos alguns casos concretos. Para já, e por uma necessidade de simplificação, apresentamos a de­finição de Património como um legado geracional e uma herança do passado que nos toca a todos, independentemente de estarmos, ou não, conscientes desse legado e da sua importância.

Numa época em que o fenómeno urbano - ou melhor dizendo, suburbano -alastrou de tal modo que passou a conter o grosso da população portuguesa, acabaram por se diluir perigosamente as referências ao que era outrora entendido como a cidade: um núcleo urbano em articulação com um mundo rural bem mais vasto. Ora, os testemunhos do passado dão Memória e Identidade a qualquer cidade, distinguindo-a das demais, mesmo quando esta cidade está inserida num território caracterizado por um indistinto contínuo urbano. Assim, quanto mais indistinta for uma cidade face ao seu território envolvente, mais o seu Património tangível e intangível - materializado geralmente no seu núcleo antigo - assume importância como elemento identitário de diferenciação.
Para promover a Memória e a Identidade da cidade, valorizando esta Herança que é o seu casco antigo, é necessário:

  1. Reabilitar, isto é, voltar a dar utilidade ao que está sem uso, degradado ou abandonado.

  1. Requalificar, isto é, voltar a dar qualidade de vida às pessoas que ali vivem e melhorar a face da cidade.

Porém, não é suficiente Reabilitar e Requalificar. Também é, sobretudo, ne­cessário restaurar de forma integrada, isto é, re-instaurar a vida urbana que outrora teve esse legado.
Todos sabemos quantos projectos recentes de reabilitação urbana cheios de boas intenções resultaram em falhanços, por vezes considerados incompreensí­veis pelos habitantes e até pelos próprios projectistas e seus pares. Como orga­nismo vivo que é, qualquer núcleo histórico necessita de uma nova vivência e novas funções, adaptadas à orgânica do sítio. O mero restauro dos edifícios, mesmo quando acompanhado de uma intervenção no espaço público, não é geralmente suficiente. É, pois, necessário fazer restauro urbano integrado, disciplina recente que congrega saberes de várias áreas: história da cidade e do urbanismo; restauro arquitectónico; planeamento urbano; sociologia, economia, turismo, mobilidade, etc.

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