09 abril 2018

PATRIMÓNIOS NO JORNAL "BADALADAS"

Desde Novembro de 2010, a Associação para a Defesa e Divulgação do Património Cultural de Torres Vedras (ADDPCTV) tem vindo a publicar quinzenalmente no semanário BADALADAS, de Torres Vedras, uma rubrica intitulada PATRIMÓNIOS.
Começou por abordar questões gerais sobre os problemas dos Centros Históricos - conceito, sustentabilidade, perspectivas. Depois passou ao registo das "memórias do século XX", centradas nas vivências de pessoas com recordações de vida no Centro Histórico de Torres Vedras.
A partir de 5 de Agosto de 2016, a rubrica Patrimónios passou a abordar as memórias de torrienses que participaram na 1ª Grande Guerra, evocadas pelos seus familiares. O tema impunha-se pelo facto de, entre 2016 e 2018, se evocar o centenário da participação portuguesa na 1ª Guerra Mundial.
Este trabalho tem sido realizado por Luís Filipe Rodrigues, membro da Direcção da ADDPCTV.

No editorial do jornal BADALADAS, edição de 6 de Abril de 2018, foi feita uma elogiosa referência a este nosso trabalho que muito nos apraz registar:


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Nesta mesma edição foi publicada mais uma crónica dessa rubrica:


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Em letra de forma:


António da Costa, um combatente da Aldeia da Senhora da Glória na 1ª Grande Guerra


 Luís Filipe Rodrigues

Por esse Portugal fora ainda existem dezenas de aldeias com nomes insólitos, alguns repletos de humor e malícia. Por razões que se desconhecem, mas se suspeitam, muitas mudaram de nome. É o caso de Panasqueira, na freguesia da Carvoeira, que foi rebaptizada com novo topónimo: ‘Aldeia de Nossa Senhora da Glória’.
Nesta alteração, publicada por decreto no Diário do Governo de 3 de Setembro de 1941, não estão invocadas razões. O facto é que António da Costa, nascido em 5 de Maio de 1895, é ainda natural da Panasqueira. Morreu tuberculoso aos 40 anos (8 de Outubro de 1935), no Hospital Militar da Estrela.
Até embarcar para França viveu sempre na Panasqueira. Depois de vir ingressou na Guarda Nacional Republicana, chegando a Sargento. Entretanto ficou a morar em Lisboa, no bairro de Marvila.  A um tipo assim, bem apessoado, gingão, ainda por cima fardado, (naquela época uma farda era um íman que atraía qualquer moçoila) parece que não havia rapariga que lhe escapasse! Pelo menos é o que nos diz Valdemar Costa (22 de Dezembro de 1947), também natural de Nossa Senhora da Glória, com quem estivemos à conversa, mesmo no local onde terá nascido o seu avô.
Trabalhador na Casa Hipólito durante 30 anos, Valdemar conhece bem o ambiente social de Torres Vedras. Pessoa de fácil trato e amigo do seu amigo retira sempre prazer de uma boa cavaqueira. Assim nos encontrámos na esplanada da Havanesa. E partimos.
Pelo caminho demos um salto à Zibreira para falar com Maria de Lurdes Luís (n. 1940) –  mulher dinâmica e grande activista, de um amor entranhado à sua terra – sobre um tal Manuel Luís, desaparecido na célebre batalha de La Lys em 9 de Abril e feito prisioneiro. Mas nada acrescentou! Chegou a conhecê-lo, sim, mas sem possibilidade de contactar os familiares que vivem em Lisboa.
Depois subimos à Serra de S. Julião para ouvir alguém que tivesse conhecido Joaquim Ferreira da Silva, ferido em combate por estilhaço de granada em 9 de Abril. Chegámos à fala do Zé ‘Engenheiro’ (nascido em 1928), figura popular, muito estimada; e também nos encontrámos com António das Neves (n. 1926) e Francisco Raimundo (n. 1927), mais conhecido por Chico Manhoso. Ninguém se lembrava de Joaquim Ferreira da Silva. Pudera, pensámos nós depois, se o homem morrera novo, em 1940!
E lá chegámos à Senhora da Glória, ao sítio onde terá nascido António da Costa. A casa já não existe, é verdade! Mas existe o sítio, um sítio onde se respira lonjura e liberdade. Depois de passarmos pelo largo dos Namorados subimos ao ponto cimeiro onde começa a Rua do Pouco Jeito. E aí sim! Aí a vista alarga-se em toda a sua extensão por uma paisagem nimbada de colinas. Entre estas, aninhadas nas vertentes, encontramos Figueiredo e Ribaldeira, mas também os casais de Almagra e do Palear. E quase a perder de vista S. Domingos, Corujeira e Carrasqueira. É um regalo ver-se tudo de um só golpe! Depois passámos pela Capela, em tempos pertencente à quinta de D. Luís Pereira Coutinho. E entrámos. Detectámos inscrito numa pia, no interior da sacristia, o ano de 1857. Esta data, apoiada na conversa com a Dª Helena, a pessoa que cuida da capelinha, leva-nos a sustentar a hipótese, entre outras razões, de a sua construção remontar ao século XIX.
Dissemos antes que António da Costa era um tipo de jeito flexuoso e nada sacramentado. Essa será a razão por que teve três filhos, um de cada mãe. Todas namoriscadas em Lisboa. Maria Carolina, de Monte Redondo, mãe de Luís da Costa, nascido em Outubro de 1924 (pai de Valdemar); Maria Eleutéria (tratada por Quicas) da Ordasqueira; Maria Lino, de Carmões. Mas só com Sebastiana de Jesus Rodrigues, natural do Cadaval, se veio a casar. O que aconteceu em Lisboa, a 12 de Junho de 1933, tendo morrido dois anos depois.
Enfim, o que está esboçado é o retrato de família. Um tentame, dizemos nós!
Agora o seu perfil militar e mais ainda de combatente em França é que é o busílis! O nosso homem foi à guerra, lá isso foi! Existe mesmo o seu boletim individual no CEP (Corpo Expedicionário Português) a confirmá-lo. Mas mesmo aí sobre ele nada se diz, não havendo biografia possível, a não ser que foi soldado de artilharia pesada. Não há outra menção.

Valdemar entregou a fotografia do avô, é certo, um militar devidamente uniformizado. Mas sobre a sua vida em França nada disse porque nada sabe, nem o pai lho transmitiu. Nem chus nem bus! Não foi capaz de acrescentar nada, nem um episódio, nem um facto, nem uma efeméride, absolutamente nada.
E isso invalida a publicação deste apontamento? Pensamos que não! Nesta crónica, como em tantas outras, luta-se com palavras através das quais se assume sem ambiguidades nem vacilações a nossa memória colectiva, porque uma terra sem memória, que não cultiva a recordação das coisas e das suas gentes, está irremediavelmente condenada.

Texto escrito segundo o antigo acordo ortográfico