Começou por abordar questões gerais sobre os problemas dos Centros Históricos - conceito, sustentabilidade, perspectivas. Depois passou ao registo das "memórias do século XX", centradas nas vivências de pessoas com recordações de vida no Centro Histórico de Torres Vedras.
A partir de 5 de Agosto de 2016, a rubrica Patrimónios passou a abordar as memórias de torrienses que participaram na 1ª Grande Guerra, evocadas pelos seus familiares. O tema impunha-se pelo facto de, entre 2016 e 2018, se evocar o centenário da participação portuguesa na 1ª Guerra Mundial.
Este trabalho tem sido realizado por Luís Filipe Rodrigues, membro da Direcção da ADDPCTV.
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Nesta mesma edição foi publicada mais uma crónica dessa rubrica:
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Em letra de forma:
António da Costa, um combatente da Aldeia da Senhora da
Glória na 1ª Grande Guerra
Por esse Portugal fora ainda
existem dezenas de aldeias com nomes insólitos, alguns repletos de humor e
malícia. Por razões que se desconhecem, mas se suspeitam, muitas mudaram de
nome. É o caso de Panasqueira, na freguesia da Carvoeira, que foi rebaptizada
com novo topónimo: ‘Aldeia de Nossa Senhora da Glória’.
Nesta alteração, publicada por
decreto no Diário do Governo de 3 de Setembro de 1941, não estão invocadas
razões. O facto é que António da Costa, nascido em 5 de Maio de 1895, é ainda natural
da Panasqueira. Morreu tuberculoso aos 40 anos (8 de Outubro de 1935), no
Hospital Militar da Estrela.
Até embarcar para França viveu
sempre na Panasqueira. Depois de vir ingressou na Guarda Nacional Republicana, chegando
a Sargento. Entretanto ficou a morar em Lisboa, no bairro de Marvila. A um tipo assim, bem apessoado, gingão, ainda
por cima fardado, (naquela época uma farda era um íman que atraía qualquer
moçoila) parece que não havia rapariga que lhe escapasse! Pelo menos é o que
nos diz Valdemar Costa (22 de Dezembro de 1947), também natural de Nossa
Senhora da Glória, com quem estivemos à conversa, mesmo no local onde terá
nascido o seu avô.
Trabalhador na Casa Hipólito
durante 30 anos, Valdemar conhece bem o ambiente social de Torres Vedras.
Pessoa de fácil trato e amigo do seu amigo retira sempre prazer de uma boa
cavaqueira. Assim nos encontrámos na esplanada da Havanesa. E partimos.
Pelo caminho demos um salto à Zibreira
para falar com Maria de Lurdes Luís (n. 1940) –
mulher dinâmica e grande activista, de um amor entranhado à sua terra –
sobre um tal Manuel Luís, desaparecido na célebre batalha de La Lys em 9 de Abril e feito
prisioneiro. Mas nada acrescentou! Chegou a conhecê-lo, sim, mas sem
possibilidade de contactar os familiares que vivem em Lisboa.
Depois subimos à Serra de S. Julião
para ouvir alguém que tivesse conhecido Joaquim Ferreira da Silva, ferido em
combate por estilhaço de granada em 9 de Abril. Chegámos à fala do Zé ‘Engenheiro’
(nascido em 1928), figura popular, muito estimada; e também nos encontrámos com
António das Neves (n. 1926) e Francisco Raimundo (n. 1927), mais conhecido por
Chico Manhoso. Ninguém se lembrava de Joaquim Ferreira da Silva. Pudera,
pensámos nós depois, se o homem morrera novo, em 1940!
E lá chegámos à Senhora da Glória, ao
sítio onde terá nascido António da Costa. A casa já não existe, é verdade! Mas
existe o sítio, um sítio onde se respira lonjura e liberdade. Depois de
passarmos pelo largo dos Namorados subimos ao ponto cimeiro onde começa a Rua
do Pouco Jeito. E aí sim! Aí a vista alarga-se em toda a sua extensão por uma
paisagem nimbada de colinas. Entre estas, aninhadas nas vertentes, encontramos
Figueiredo e Ribaldeira, mas também os casais de Almagra e do Palear. E quase a
perder de vista S. Domingos, Corujeira e Carrasqueira. É um regalo ver-se tudo
de um só golpe! Depois passámos pela Capela, em tempos pertencente à quinta de
D. Luís Pereira Coutinho. E entrámos. Detectámos inscrito numa pia, no interior
da sacristia, o ano de 1857. Esta data, apoiada na conversa com a Dª
Helena, a pessoa que cuida da capelinha, leva-nos a sustentar a hipótese, entre
outras razões, de a sua construção remontar ao século XIX.
Dissemos antes que António da
Costa era um tipo de jeito flexuoso e nada sacramentado. Essa será a razão por
que teve três filhos, um de cada mãe. Todas namoriscadas em Lisboa. Maria
Carolina, de Monte Redondo, mãe de Luís da Costa, nascido em Outubro de 1924 (pai
de Valdemar); Maria Eleutéria (tratada por Quicas) da Ordasqueira; Maria Lino,
de Carmões.
Mas só com Sebastiana de Jesus Rodrigues, natural do Cadaval, se veio a
casar. O que aconteceu em Lisboa, a 12 de Junho de 1933, tendo morrido dois
anos depois.
Enfim, o que está esboçado é o retrato
de família. Um tentame, dizemos nós!
Agora o seu perfil militar – e
mais ainda de combatente em França – é que é o busílis! O nosso homem foi
à guerra, lá isso foi! Existe mesmo o seu boletim individual no CEP (Corpo
Expedicionário Português) a confirmá-lo. Mas mesmo aí sobre ele nada se diz, não
havendo biografia possível, a não ser que foi soldado de artilharia pesada. Não
há outra menção.
Valdemar entregou a fotografia do
avô, é certo, um militar devidamente uniformizado. Mas sobre a sua vida em França
nada disse porque nada sabe, nem o pai lho transmitiu. Nem chus nem bus! Não foi
capaz de acrescentar nada, nem um episódio, nem um facto, nem uma efeméride, absolutamente
nada.
E isso invalida a publicação
deste apontamento? Pensamos que não! Nesta crónica, como em tantas outras, luta-se
com palavras através das quais se assume sem ambiguidades nem vacilações a nossa
memória colectiva, porque uma terra sem memória, que
não cultiva a recordação das coisas e das suas gentes, está irremediavelmente
condenada.
Texto escrito segundo
o antigo acordo ortográfico
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