18 agosto 2010

A VERGONHA DE TODOS NÓS











Em 26 de Março de 2004 a nossa Associação publicou um artigo no jornal BADALADAS, de Torres Vedras, que alertava para a degradação do mais emblemático monumento deste concelho.
De então para cá pouco se fez. A Câmara encomendou um projecto de intervenção, que apresentou a público no início de 2008, e sobre o qual nos pronunciámos. Sobre ele falaremos aqui em breve. Diga-se, no entanto, que esse projecto contemplava apenas o espaço envolvente, já que a intervenção no próprio monumento terá de ser feita sob a égide do IGESPAR (Instituto de Gestão do Património Arquitectónico e Arqueológico).

Já lá vão dois anos. Continua a situação que denunciámos em 2004. Com uma alteração: os canteiros em frente do Chafariz foram rapados de vegetação e são agora vazadouro dos cãezinhos de estimação que os donos ali levam a aliviar-se.

Como infelizmente não perdeu actualidade, aqui fica de novo o tal artigo do jornal.


CHAFARIZ DOS CANOS: VERGONHA DE TODOS NÓS
O velho Chafariz dos Canos, Monumento Nacional, é hoje a vergonha de todos os torrienses. A indiferença, o hábito de ali o vermos sem já nos apercebermos do seu valor, fez dele uma relíquia desleixada, abandonada à sua sorte, suja, mal cheirosa, rodeada da mais indescritível fealdade. Todos temos culpa! Todos somos responsáveis!
Sim, Monumento Nacional. Jóia arquitectónica quase única no país - há apenas outra fonte gótica com alguma semelhança, em Santarém, a Fonte das Figueiras, situada num recanto da encosta que vai do Tejo à velha urbe, o que dificulta a sua visibilidade. Bem ao contrário do nosso chafariz, implantado em plena malha urbana, construção do século XIV, documentada na Torre do Tombo por dois pergaminhos pertencentes à igreja de S. Pedro (...), um de 1331 e outro de 1508. Gerações e gerações de torrienses ali buscaram água. Milhares de olhos viram, ao longo de mais de 600 anos, o que nós hoje vemos, nesta passagem efémera pela vida. E aquelas pedras, memória desta urbe antiquíssima, deveriam sobreviver-nos, como aos nossos antepassados. Mas... sobreviverão mesmo?

DEGRADAÇÃO
Uma breve passagem pelo seu passado mais recente é elucidativa da maneira como temos tratado este monumento. E não se diga que tem havido algum cuidado por parte da autarquia: o pouco que se fez é irrisório face aos atropelos monstruosos que foram permitidos.
Situemo-nos por volta de 1930. Diante do Chafariz havia um amplo tanque, bebedouro dos animais de tiro que por ali passavam. Um dos vereadores da Câmara era proprietário de uma empresa de transportes de passageiros, cuja sede se situava perto do Chafariz. Perante o problema de estacionamento das suas camionetas e com o pretexto de "limpar" a frente do monumento de um apêndice construído muito mais tarde - o tanque era do século XVIII – foi- lhe fácil induzir a sua destruição. E no pequeno largo passaram a estar não só as camionetas mas também carripanas de todo o género, motorizadas, automóveis em reparação de uma oficina vizinha…

Saltemos aos anos 60. Perante o espanto de alguns e a indiferença de muitos ergueu-se do lado norte o chamado "prédio do Reinaldo". Enorme e feiíssimo caixote, um atentado sem nome ao património colectivo. O Passo da Paixão, encostado à fachada desse prédio, se sobreviveu deve-o aos esforços desesperados do P. Joaquim Maria de Sousa, fundador do jornal BADALADAS. E diga-se de passagem que este jornal, por impulso do seu fundador e dos directores que lhe sucederam, tem pugnado sempre pela preservação do Património histórico e cultural torriense. No início dos anos 70 a Câmara de então mandou fazer os pequenos canteiros no logradouro fronteiro ao Chafariz. Intenção boa mas pouco apropriada. Continuou-se a estacionar e o restante espaço até ficou mais disponível para as mercadorias dos armazéns contíguos.
Nos finais dos anos 80, aquando da discussão do Plano de Salvaguarda do Centro Histórico, tivemos ocasião de chamar a atenção para a necessidade de precaver devidamente o envolvimento do Monumento. Nomeadamente que o espaço fronteiro do outro lado da rua, ocupado por edifícios em ruínas, ficasse desimpedido de construção, de modo a permitir uma perspectiva visual mais interessante e valorizadora.
Infelizmente esta sugestão caiu em saco roto. Perante os nossos olhos acaba de consumar-se o que será, por muitos anos, o emparedamento total do Chafariz. A cortina de pesadas construções ali erguidas fecha qualquer perspectiva alargada e repete o inqualificável atentado dos anos 60. Com a agravante de um dos prédios ficar encavalitado sobre o único troço descoberto da base da muralha medieval, numa solução altamente polémica que até parece desenhada por alguém que desconhece as preocupações pela preservação do património.
A completar o quadro observemos o que se passa no lado sul do espaço envolvente do Chafariz: ruínas, uma porta aberta para um pátio cheio de lixo, uma varanda degradada por cima. Outra porta, no edifício antigo, presa por cordéis e arames, janelas sem vidros e com plásticos. Paredes sem reboco, mais lixo. E só agora olhamos para o Chafariz propriamente dito, imagem da degradação: as velhas bicas foram substituídas por um cano com torneira, ali metido a martelo. Lixo, urina, sujidades suspeitas. Restos de comida para os gatos, charcos de água verde. E, mais preocupante porque exigindo intervenção qualificada e urgente: a pedra está a desfazer-se em muitos sítios. Há capitéis quase irreconhecíveis, porosidades a abrir, por onde se infiltram a água e a poluição atmosférica.
URGÊNCIA
Perante este panorama não podemos quedar-nos pela indignação. Ela poderá mobilizar-nos mas não basta. Há que agir. O Chafariz dos Canos precisa de uma intervenção urgente e rápida, com o apoio de todos nós, começando por esta Associação que não rejeita a partilha de responsabilidades na situação a que se chegou. Se essa intervenção é da competência do IGESPAR, a Câmara, esta Associação e os torrienses em geral não podem ficar indiferentes. Há que fazer dossiês, exposições, comunicados. Há que não parar enquanto o assunto não tiver solução. O Chafariz dos Canos tem de ser desassombrado: aqueles pobres canteiros, mais próprios de um quintalinho nas traseiras, deverão desaparecer e o pequeno largo terá de ser pavimentado e protegido condignamente pois ele é agora a única envolvente em que ainda é possível intervir no curto prazo. Os edifícios contíguos terão de ser limpos e recuperados. O monumento tem de ser recuperado.
Se é certo que devemos respeito aos antepassados, só o teremos dos vindouros se não quebrarmos o fio da preservação da nossa memória colectiva. O Chafariz dos Canos é a mais bela imagem que nos chegou do passado. Que contas daremos dela ao futuro?
A Direcção da ADDPCTV

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