08 dezembro 2024

JORNAL BADALADAS EM PERIGO - CARTA ABERTA AO PADRE JOAQUIM MARIA DE SOUSA


CARTA ABERTA AO PADRE JOAQUIM MARIA DE SOUSA,
FUNDADOR DO BADALADAS


O jornal Badaladas faz parte do Património Cultural de Torres Vedras. Por isso, publiquei, em 6 de Dezembro, este texto:

Saudoso P. Joaquim, atrevo-me a este gesto simbólico porque me sobra desalento onde devia prevalecer combatividade. E dirijo-me à sua memória porque dela guardo grata recordação do tempo que ainda partilhei consigo, na década de 70 do passado século. Imagino-o meu interlocutor sobre o Badaladas, criação sua e da sua paróquia, porque este jornal foi a minha chave de entrada na sociedade torriense, em 1971, quando me habituei a frequentar a Gráfica Torriana, onde o jornal era composto e lá o encontrava muitas vezes, na porfia de garantir a publicação semanal. Como tudo isso já vai tão longe!
O P. Joaquim faleceu em Novembro de 1987, mas o jornal sobreviveu-lhe até hoje. Se foi seu o impulso inicial, muitos outros lhe deram continuidade, ao longo de todos estes anos. O seu jornal, nunca perdendo a matriz católica, foi alargando as fronteiras da comunicação para territórios diversificados, tornando-se espaço de diálogo de toda a comunidade torriense, a local, a regional e a que se dispersou pelo mundo. Diversidade de assuntos e de leitores, como o P. Joaquim preconizava.
Falei-lhe em desalento, explico-lhe porquê. O seu, o nosso Badaladas está em coma e os médicos que poderiam valer-lhe nada fazem para o reanimar. Já falam no enterro, sugerem vender o jornal porque, dizem eles, não é missão de uma paróquia cuidar dele. Nunca pensei ouvir isto da boca de um dos principais responsáveis. Senti que era uma afronta à sua memória, caro P. Joaquim. Eu já suspeitava do desinteresse e, até, desleixo, com que eles tratavam o jornal. Não os vi em nenhuma das palestras comemorativas dos 75 anos do Badaladas. Como nunca li qualquer texto deles a tratar do grave problema do jornal. Nem uma palavra, até agora. Desconfio, até, que nem o leem, pois caso contrário, já teriam sentido necessidade de vir a público, esclarecer os muitos que aqui têm alertado para a crise gravíssima do Badaladas. Comparo este modo de agir com a solicitude que sempre lhe vi, P. Joaquim, a sua preocupação e empenho na manutenção do jornal que tinha como principal missão fazer soar os sinos das suas páginas aos ouvidos de quem as lesse.




AMOR À COMUNIDADE
Recordo-me de uma conversa que tive consigo, P. Joaquim, a propósito de uma polémica na qual eu me envolvera nas páginas do jornal, já depois do 25 de Abril: “Escreva! Escreva! O jornal é um espaço de opinião livre, para todos!”
Foi esta orientação sua, entusiasta e pluralista, que fez deste jornal um aglutinador identitário, ajudando a cimentar a consciência cívica da comunidade torriense e, para os novos habitantes, um poderoso veículo de conhecimento histórico e de integração sociológica, na esteira da orientação por si traçada desde o primeiro número, em Maio de 1948. E bem sabemos como os leitores torrienses da diáspora, espalhados pelos cinco continentes, procuram ansiosos as novidades que a distância torna mais apetecíveis.
O Badaladas, como empresa, é viável. Está inserido numa comunidade dinâmica, maioritariamente próspera do ponto de vista económico, com fortes tradições associativas. Onde o jornal criou raízes e tem uma história brilhante. Basta ser bem gerido, com um bom agente comercial e ter uma liderança capaz de aglutinar vontades e competências, movida por um forte e genuíno amor à causa.
Imaginando, caro P. Joaquim, o que pensaria das ameaças que pairam sobre o futuro do seu Badaladas, interrogo-me se os seus continuadores nas responsabilidades paroquiais sabem merecer o precioso legado que lhes deixou. Pudesse ainda a sua memória, P. Joaquim, desinquietar-lhes a consciência e incitá-los à acção! – e transformar em combatividade o meu desalento!
Com a estima de sempre,
Joaquim Moedas Duarte




PASSOS EM VOLTA - UM LEGADO SILENCIOSO

 CEMITÉRIO DE S. JOÃO, em TORRES VEDRAS


Ontem, 7 de Dezembro, a Associação do Património de Torres Vedras (ADDPCTV), em parceria com o sector de Turismo da Câmara Municipal de Torres Vedras - dinamizado pela Ângela Vitória - orientou mais uma visita guiada. Manhã chuvosa, que não amedrontou os 20 interessados participantes.

A introdução, à entrada do cemitério, foi feita pela Ana Rita Pereira, da Direcção da Associação, seguindo de perto o artigo que publicara, uma semana antes, no jornal Badaladas.

Já dentro do recinto, Joaquim Moedas Duarte, também da Direcção, guiou os participantes até junto das campas e jazigos de torrienses ilustres que deixaram um rasto indelével nas nossas memórias:

Fernando Vicente, resistente anti-fascista; Maria da Conceição Barreto Bastos, benemérita fundadora do Lar de S. José; António Hipólito, Francisco António da Silva e Francisco Xavier Damião, os três "latoeiros prodigiosos", fundadores das três maiores empresas torrienses do séc. XX; Vasco Parreira, Gerente da Casa Hipólito; Leonel Trindade, arqueólogo e director do Museu Municipal; Júlio Vieira, autor de celebrado livro "Torres Vedras Antiga e Moderna".
Visitámos também os talhões dos Bombeiros Voluntários de Torres Vedras e dos Franciscanos do Convento do Varatojo.
As fotos ilustram um pouco da actividade. O mau tempo impediu a tradicional foto do grupo.





UM OLHAR SOBRE O CEMITÉRIO DE S. JOÃO - PAPEL NA HISTÓRIA LOCAL E PARTICULARIDADES - Jornal BADALADAS 29 NOVEMBRO 2024

 

 

Um olhar sobre o cemitério de São João – papel na história local e particularidades

Ana Rita Pereira

(Membro da Direcção da ADDPCTV)

 

Vamos abordar um pouco da história daquele que foi, durante mais de um século, o “Cemitério da Vila”, o cemitério de São João, e mostrar como este pode ser olhado, para além de um sítio de dor, como uma representação da história da localidade.

Nas palavras de Fernando Catroga, «todo e qualquer cemitério (…) deve ser visto como um lugar (…) de reprodução simbólica do universo social». Quer através da sua disposição e dos materiais utilizados nos jazigos, quer dos próprios regulamentos, é possível entender a hierarquia, as dinâmicas e as normas sociais e políticas de cada época, constituindo desta forma uma memória da comunidade e da sua história com a qual podemos aprender muito.

A criação do cemitério de S. João veio na sequência das Leis de Saúde Pública do século XIX. O governo de Costa Cabral, iniciado em 1842, ficou marcado por medidas transformadoras ao nível administrativo, da instrução e da saúde públicas. No âmbito da saúde pública, destaque para o Decreto de 18 de setembro de 1844 que proibiu definitivamente os enterramentos dentro de igrejas ou capelas, nos povoamentos onde existisse cemitério público e requeria a aprovação de um delegado de saúde para a realização dos mesmos. Esta alteração, mais do que uma inovadora medida administrativa, representava grande mudança de costumes. Até então havia uma divisão clara entre a esfera da Igreja e a esfera pública, como era o caso dos enterramentos, que sempre se realizavam dentro das igrejas ou em volta delas, em território sagrado e limitado aos seus crentes. Com aquela lei, o Estado passou a interferir, obrigando à criação de um local próprio para as inumações – um cemitério público – destinado a qualquer tipo de pessoa, independentemente da religião praticada ou da forma de morte, o qual devia situar-se longe do centro das localidades. O enterramento passou a ser pago, assim como o serviço religioso.

 

PRIMEIRO CEMITÉRIO PÚBLICO EM TORRES VEDRAS

 

Até à criação daquela lei, em Torres Vedras os enterramentos eram realizados no cemitério da Misericórdia, situado entre a igreja e a rua homónima, na Igreja de São Pedro e Santiago e nos adros adjacentes, espaços sagrados. Tornou-se necessário criar um cemitério público e, para isso, havia que definir um lugar apropriado. A cerca da Ermida de São João, aquando das invasões francesas, fora cemitério das tropas francesas e inglesas, em 1807 e 1811, respetivamente.  Situada num campo a nascente da vila, parecia ter as condições necessárias, mas a Ordem Terceira, proprietária do terreno, protelou a sua construção, pois misturava católicos com crentes de outras religiões. Procuraram-se outras soluções, como a cerca e, até, o claustro do extinto Convento da Graça, mas a falta de condições levou ao retorno da ideia inicial.  Em finais de 1848 o novo cemitério estava concluído, mas o facto de ter sido lugar de enterramentos dos ingleses protestantes atrasou a sua utilização, que desagradava à população. Só depois da cerimónia religiosa de sagração, o cemitério pôde ser utilizado e o primeiro enterramento fez-se em 30 de junho de 1849. O cemitério de São João passou a ser oficialmente o «cemitério das 4 freguesias da vila», como está descrito no Quesitos em relação aos cemitérios públicos existentes no concelho. No entanto, ocorreu ainda um conflito com a Santa Casa da Misericórdia que continuava a querer para o seu cemitério a exclusividade dos enterramentos dos falecidos no hospital, o que levou a que a situação demorasse a estabilizar.

A administração do cemitério de São João ficou oficialmente a cargo da Ordem Terceira a partir de outubro de 1849, pois já era proprietária do terreno desde 1805, por Alvará régio. Apenas no final do século XIX a administração passou para a Câmara Municipal. Na Sessão da Câmara Municipal de 14 de junho de 1890 foi apresentado o projeto do regulamento do cemitério municipal e em 2 de janeiro de 1893 já existia uma vereação responsável pela inspeção dos «Impostos, açougues e cemitérios».

Ao longo do século XX e até hoje, a administração do cemitério tem oscilado entre a Câmara Municipal e a Junta de Freguesia, estando neste momento a cargo da Junta de Freguesia de Santa Maria, São Pedro e Matacães.

O cemitério reflete o crescimento da vila ao longo dos anos, pois também este teve necessidade de se expandir. Em 17 de maio de 1884 foi comprado um terreno perto do cemitério para garantir o seu alargamento, e em 1974, foi aprovada a expropriação de territórios na zona de Arenes para a construção do novo cemitério municipal – que viria a ser o cemitério de São Miguel – devido ao estado de saturação do cemitério de São João.

Através da observação direta, da consulta das plantas presentes no Arquivo Municipal de Torres Vedras e dos próprios regulamentos, verificamos que o cemitério de São João é constituído por sepulturas de planta retangular e jazigos, ambos classificados como temporários ou permanentes – sendo estes segundos pertencentes a famílias. Como equipamentos, inicialmente tinha um espaço para depósito de finados, uma casa destinada ao serviço médico-legal, uma casa para o guarda do cemitério e a sua família, uma casa de depósito e uma capela. Na área de inumações, há talhões específicos como os destinados a bombeiros, padres e crianças. Os regulamentos revelam-se uma fonte de maior importância para este estudo pois, através deles, é possível perceber a organização das sepulturas e dos talhões, as regras de funcionamento do cemitério, dos enterramentos e as coimas para os infratores. Definem-se as características permitidas de embelezamento dos jazigos e das sepulturas, apresentando em contraponto as que não são consentidas, como os «epitáfios que exaltem ideias políticas ou possam ser desrespeitosos». No final do Regulamento do Cemitério Municipal de 1923, encontramos o parecer de três médicos em como aprovam aquele regulamento.

Os elementos decorativos e as características próprias dos jazigos e das sepulturas permitem recolher informações sobre as profissões e/ou o papel que o defunto teve em vida. Veja-se o já mencionado talhão dos padres, que se separa dos demais por uma vedação e um pequeno portão decorado com uma ampulheta com asas de anjo, como que simbolizando a passagem do tempo; ou o talhão dos bombeiros que está acima de degraus e com uma decoração no meio com a palavra “Bombeiros” inscrita. O jazigo do comendador António Hipólito é decorado com uma figura feminina simbólica da Indústria, relacionando-se assim com a sua profissão.

Ao longo do cemitério é possível encontrar várias sepulturas em que a imagem escolhida para colocar na lápide é do defunto com a farda da sua profissão (exemplo polícias, combatentes) ou então a forma de apresentação remete para sua profissão como é o caso de José Maria Pinheiro da Silva Jr que na sua descrição surge como “Bacharel formado em Direito” ou do “MAESTRO Francisco Xavier de Melo” nomeado desta mesma forma com a profissão incluída no seu nome.

Em suma, a evolução das formas e locais de enterramento, permitem-nos observar as mudanças de mentalidade e medidas higiénico-sanitárias no concelho e do país. Por um lado, dificuldade de estabilização do cemitério público e a sua administração na última metade do século XIX revelam a instabilidade política da época e a evolução da relação entre o Estado e a Igreja.  Por outro, a necessidade de alargar o terreno demonstra as alterações demográficas da vila. As diferenças dos materiais e da decoração utilizados nas sepulturas e jazigos são sinais reveladores das diferenças de estatuto social e das profissões.

 

Referências: Arquivo Municipal de Torres Vedras (AMTV) documentação sobre os cemitérios; ASSUNÇÃO, Ana Paula de Sousa , «O valor da transfiguração do cemitério em produto turístico. Cemitério Municipal de Loures-estudo de caso.», Tese de Doutoramento em Turismo, Universidade de Lisboa, Lisboa, 2022;CATROGA, Fernando,«O culto dos mortos como uma poética da ausência» in ArtCultura, n.20, Janeiro, Junho,2010,pp.163 a 182; FONSECA, Teresa «A Guerra Civil de 1846-47 e a Administração Municipal de Montemor-o-Novo» in Almansor, Revista de Cultura, nº1, 2ª série, 2002, pp. 197 a 208; MATOS, Venerando Aspra de , «Elementos para o estudo da Saúde Pública e da criação dos cemitérios públicos em Torres Vedras no século XIX» in BARBOSA, Pedro Gomes & all , Turres Veteras VI, História da Morte ,Câmara Municipal de Torres Vedras  Setor da Cultura, Instituto de Estudos Regionais e do Municipalismo “Alexandre Herculano”, Torres Vedras, 2004,pp.133 a 152; Blog Vedrografias , disponível em https://vedrografias2.blogspot.com/2021/03/torres-vedras-no-seculo-xix-o-tempo-e-o.html, Site

Parlamento.pt, disponível emhttps://www.parlamento.pt/Parlamento/Paginas/Revolta-Maria-da-Fonte.aspx.

 

            


Monumento funerário mais antigo do cemitério de S. João, em memória de António Pedro Ferreira Campello, benemérito da St. Casa da Misericórdia, falecido em 1858.




A PINTURA ANTIGA NO CONVENTO DE SANTO ANTÓNIO DO VARATOJO - Jornal BADALADAS - 25 OUT 2024

 

A PINTURA ANTIGA NO CONVENTO DE SANTO ANTÓNIO DO VARATOJO

Vítor Serrão

Historiador de Arte

Prof. Catedrático Emérito da Univ. de Lisboa


Retábulo barroco da capela mor

     Acabam de passar quinhentos e cinquenta anos sobre a entrada no convento do Varatojo, em 4 de Outubro de Fevereiro de 1474, dos primeiros catorze frades vindo do Convento de São Francisco de Alenquer. A casa, que vira em 1470 colocada a primeira pedra, sob égide do próprio D. Afonso V (na pessoa de seu filho D. Duarte), em cumprimento do voto a Santo António e São Francisco se o auxiliassem nas conquistas do Norte de África, abria então sob direcção do Provincial Franciscano Fr. João da Póvoa. O rei dedicou grande afeição ao convento, onde com frequência se recolhia, o que explica a qualidade das obras, desde o claustro gótico primevo, ao portal gabletado da igreja, à célebre janela de canto, junto à portaria, que pertencia aos aposentos régios, ao tecto de alfarge mudéjar da entrada, e outros pormenores coevos da campanha de final do século XV.

     A qualidade da arquitectura gótica, bem como o recheio setecentista de talha, imaginária e azulejos, tem feito esquecer o importante acervo de pintura que o convento ainda conserva. São cerca de oitenta quadros, entre os quais se acham obras pouco conhecidas de Gaspar Dias, Belchior de Matos, Josefa de Óbidos, Bento Coelho, Vincenzo Baccherelli e Diogo Magina, e vários «anónimos». A convite de Frei Vítor Melícias e da comunidade franciscana, proferi uma conferência a 4 de Outubro passado, tendo tido oportunidade para divulgar o resultado dos estudos preliminares sobre esse acervo, que merece inventariação, análise científica, medidas de conservação e restauro e, em último lugar, musealização condigna.

     Impõe especial destaque o antigo retábulo da capela-mor, custeado pela corte de Avis-Beja e dado a fazer à oficina de um dos mais respeitados artistas de Lisboa no último terço do século XVI: o pintor GASPAR DIAS. Como se sabe, a capela-mor antes da actual (que é barroca-pedrina e de início do século XVIII) era uma 'reforma' do primitivo edifício gótico e foi custeada pela Rainha regente D. Catarina de Áustria, já viúva de D. João III, cerca de 1565-70. As obras prolongaram-se, por várias razões (a que a crise política não foi alheia), e só em 1582 o retábulo estava pronto. O conjunto, constituído por sete óptimas tábuas maneiristas, teve ainda financiamento de Filipe I de Portugal, que chegou a visitar o convento. Até às remodelações barrocas que geraram o actual retábulo (com talha de António Martins Calheiros e tela de Vincenzo Baccherelli), o retábulo-mor reunia sete pinturas de notabilíssima valia.

     Estas pinturas, que mereceram já estudo a autores como Adriano de Gusmão, Pedro Flor, Susana Flor, José Alberto Seabra, Fernando Baptista Pereira, Vanessa Antunes e outros, estão sujas e danificadas (mas sem vestígios de repintes) e, por isso, muito esquecidas e ignoradas dos estudiosos, pelo que reclamam estudo integrado, consolidação, análises e tratamento laboratorial. Um projecto já entretanto aprovado, que envolve as equipa de técnicas da Associação TENTO, irá dar início, em boa hora, a esse processo.

O PINTOR GASPAR DIAS

     São sete pinturas a óleo sobre madeira, como se disse, outrora colocadas no retábulo-mor em três andares sobrepostos: desde o tempo de D. João V, quatro estão colocadas nas paredes laterais da capela-mor barroca, com molduras de talha apostas após o apeamento. A ANUNCIAÇÃO, a ADORAÇÃO DOS MAGOS (à esquerda), a ADORAÇÃO DOS PASTORES e a APARIÇÃO DE CRISTO À VIRGEM (à direita). No arco triunfal, vemos (muito alta) a RESSURREIÇÃO DE CRISTO. Na sacristia, enfim, encontram-se o PENTECOSTES e o MILAGRE EUCARÍSTICO DE SANTO ANTÓNIO, que são as de maior formato; estavam ao centro das duas fiadas principais do conjunto.

     Os saberes decorrentes do estudo histórico, artístico, iconográfico, iconológico e comparativo confirmam muitos indicadores e estilemas que aproximam estas sete pinturas da 'maneira' de Gaspar Dias, um grande pintor de Lisboa formado em Roma e em Parma, que foi influenciado pelos modelos da tradição rafaelesca e 'pierinesca', bem como por Parmigianino, e que actua entre 1555 e 1594, data provável da morte, e a quem se devem a famosa ‘Aparição do Anjo a São Roque’ da igreja de São Roque e duas das tábuas do retábulo da Luz de Carnide, onde o desenho de figura, a largueza dos panejamentos e a cenografia da arquitectura têm preciosismos de pincel, resoluções consistentes, pessoalismos de estilo e afinidades acentuadas com as tábuas do Varatojo.


Adoração dos Reis Magos

     Tratar-se-á, portanto, de obras devidas a Gaspar Dias, o pintor da Casa da Índia e Minas, muito estimado no seu tempo pela sua «delicadeza» e «grande maneira», qualidades que se destacam nestes painéis de final de carreira. Um pintor de alta craveira, actualíssimo de modelos e internacionalizado de formação. Pormenores como as peças de ourivesaria dos magos, a cesta de legumes dos pastores (uma verdadeira natureza-morta avant la lettre !), as belas arquitecturas clássicas dos fundos, os tapetes turcos, os elegantes panejamentos soprados, e a caracterização dos gestos, rostos e posturas, tudo atesta uma obra de altíssima qualidade e de inspiração italiana, que urge recuperar, estudar e divulgar na medida das suas valências.


Página do Badaladas