ESPAÇOS DEVOLUTOS, NOVOS HABITANTES
E REJUVENESCIMENTO CULTURAL.
[Publicado no jornal "BADALADAS" em 28 janeiro 2011]
Rui Matoso
Na sequência do texto publicado nesta mesma coluna (30/12/2010), pretende-se agora focar um pouco mais a questão e a actualidade da mesma. Nas últimas décadas as cidades sofreram múltiplos confrontos com a Globalização, desses embates resultaram transformações diversas, designadamente ao nível do aparecimento de novas aspirações sociais, económicas ou culturais. Desde então a dimensão cultural e criativa das cidades têm sido alvo de uma intensa reflexão e debate em diversas instâncias, sendo hoje consensual que a cultura em geral, as artes, o património e a criatividade são elementos fulcrais do desenvolvimento (humano) sustentável, sendo por isso factores determinantes para o bem-estar das cidades e dos cidadãos.
Contudo, graças a uma fraca prestação das instituições públicas e de uma prolongada ausência de políticas estimulantes, muito aquém do que seria necessário e exigível para analisar problemas e implementar medidas; e também devido à mingua de debate crítico em torno do “fazer cidade”, estamos ainda longe de ter atingido um patamar colectivo sustentado e estruturado, benéfico ao desenvolvimento dos sectores culturais e criativos e dos efeitos positivos que daí advêm. Desse modo, torna-se difícil, senão mesmo impossível, motivar pessoas que trabalham nesses sectores (arte contemporânea, industrias criativas e culturais) a sequer residir em Torres Vedras, nomeadamente no caso dos mais jovens que vêem em Lisboa ou Caldas da Rainha (para não citar cidades europeias) pólos atractivos do ponto de vista do ambiente criativo urbano. A desolação é muitas vezes o sentimento equivalente a essa falta de pregnância criativa, e encontra ecos na antiga/actual referência a Torres Vedras como “cidade dos aborrecidos”.
O programa «Torres ao Centro – Regeneração Urbana no Centro Histórico de Torres Vedras», e mais concretamente no seu desígnio estratégico de «Fomentar a criatividade como motor da revitalização», é, a nosso ver, uma oportunidade incompleta na senda da renovação e revitalização, pois optou basicamente por determinar as parcerias culturais de forma conservadora, apostando no status quo e na inércia social. Ao invés, dever-se-ia ter preocupado em trazer novos habitantes culturais e criativos (sangue novo), contribuindo para a criação de um ecossistema criativo plural rejuvenescido. No entanto, se existir convicção política do que deve ser feito é sempre possível alterar o estado de coisas, porque no fundo o problema a resolver é o da conjugação de muitos imóveis devolutos com a necessidade de aumentar a massa crítica (mentalidade de um grupo que é suficiente para, em quantidade e qualidade, permitir, propiciar e sustentar determinada acção ou comportamento) ao nível da cidadania cultural e artística qualificada. Sim, é possível evitar novas más decisões urbanísticas como aquela que levou à demolição da «Fábrica Hipólito» na década de 90, deixando no seu lugar uma vergonhosa “cratera” ainda hoje bem saliente no Centro Histórico...
Os novos habitantes precisam de espaço mas dispensam os luxos e aspecto polido dos materiais. Os espaços devolutos existem em número suficiente, e o seu uso pode ter diversas modalidades segundo a duração do mesmo: uma ocupação de longa, média ou curta duração, consoante a disponibilidade temporária dos espaços devolutos, e também de acordo com a tipologia dos programas ou projectos a desenvolver.
As formas, os meios e as finalidades para a utilização de espaços vazios podem ser muito diversas, mas há simultaneamente muitas variáveis a ser equacionadas, designadamente aquelas que dizem respeito à propriedade do imóvel e ao estado de conservação do mesmo. Vejamos alguns casos:
1) No Porto (2010), a convite da Culturgest, um colectivo austríaco de artistas denominado WochenKlausur, desenvolveu um projecto que permitiu reabilitar edifícios devolutos com recurso à comunidade universitária, cabendo-lhes a responsabilidade de realização das obras de reabilitação com acompanhamento pelos serviços técnicos municipais. Os jovens universitários ficariam, depois, a residir nos edifícios recuperados durante alguns anos, devolvendo-os aos proprietários em bom estado de conservação. (http://wochenklausur.at/)
2) Em Óbidos, a reabilitação de quatro edifícios devolutos para a instalação de “espaços criativos” pretende «promover a diversidade de actividades económicas e dinamizar o património edificado, contrariando o processo de despovoamento (...) atracção e integração de profissionais, nas áreas da economia criativa na Vila, vai funcionar como motor de desenvolvimento económico. As actividades criativas constituem-se como plataforma privilegiada para a inovação, a experimentação, o encontro e a partilha.» (http://www.telmofaria.com/)
3) Em Lisboa a LX Factory, criada pelo grupo de investimentos imobiliários MainSide, é hoje uma ilha criativa. Onde antes era um complexo industrial devoluto em Alcântara é agora uma área ocupada por criativos nas áreas da moda, publicidade, design e artes plásticas. A LX Factory tem vindo a procurar produzir um efeito de cluster criativo, proporcionando diversidade de actividades, criando nesta lógica um ambiente catalisador de cooperações profissionais. (http://www.lxfactory.com/)
4) Em Newcastle, Austrália, a Renew Newcastle é uma organização sem fins lucrativos criada para encontrar a curto e médio prazo soluções para a utilização de edifícios vagos, abandonados, ou em vias de reabilitação. Tem como objetivo encontrar artistas, projetos culturais e grupos da comunidade para usar e manter estes edifícios até que se tornem comercialmente viáveis ou reconstruidos. ( http://renewnewcastle.org/ )
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