15 fevereiro 2019

O que fazer com estas Memórias? A obra de Madeira Torres tem duas partes. Falta publicar a Parte económica

PATRIMÓNIOS NO "BADALADAS" - 2 E 3 Parte económica do livro de Madeira Torres e Património Industrial de Torres Vedras




O que fazer com estas Memórias?

 A obra de Madeira Torres tem duas partes. Falta publicar a Parte económica



A transmissão das memórias colectivas de uma geração para as seguintes permite que os acontecimentos do passado possam ser reavaliados no presente e perspectivem a acção humana no futuro. Afinal é essa a Missão fundamental da História.
Terá sido imbuído dessa consciência, e seguindo a prática em voga no meio cultural do século XIX, que Manuel Agostinho Madeira Torres apresentou à Academia Real das Ciências de Lisboa, o texto intitulado Descripção Historica e Economica da Villa e Termo de Torres Vedras, aceite e publicado em 1819 no Tomo 6º, parte 1ª, das Memorias daquela instituição.
Volvidos alguns anos, o autor vê a mesma Academia autorizar para que seja impresso o texto que constitui a vulgarmente conhecida Parte Economica, publicado no Tomo XI, parte II, no ano de 1835. Dessa forma completava o autor a sua obra apresentando significativos dados (alguns com precisão quantificada) relativos à população e aos sectores económicos em desenvolvimento no espaço geográfico-administrativo do concelho – agricultura, indústria e comércio.




No século XX, a importância da História local foi ganhando mais consistência nos meios académicos e nos planos curriculares do ensino básico e secundário. O estudo do património local nas suas várias acepções, bem como a utilização de fontes históricas locais na produção de trabalhos de investigação, ganhou maior fôlego. As publicações aumentaram. A divulgação esteve ao serviço da memória colectiva.

No ano de 1988, por iniciativa da Santa Casa da Misericórdia de Torres Vedras, sai a público a  “Parte Histórica” da obra de Madeira Torres. Trata-se de uma edição fac-similada da 2ª edição produzida pela imprensa da Universidade de Coimbra, datada de 1862, e contendo as utilíssimas anotações de dois torrienses – José António da Gama Leal e José Eduardo César de Faro e Vasconcelos.
Estas anotações não ficaram apenas pela Parte Histórica do texto de Madeira Torres. Também se alargaram substancialmente aos conteúdos da Parte Economica, acrescentando informações actualizadas aos tempos da segunda metade do século XIX. Infelizmente, até aos dias de hoje, esse manuscrito continua sem conhecer a divulgação impressa. A obra completa de Madeira Torres continua assim amputada do conhecimento alargado que merece. É certo que poderemos consultar, graças à tecnologia, os sítios da internet que digitalizaram e disponibilizam os textos iniciais do autor torriense. Mas não seria um serviço público à memória colectiva se esta parte económica, mais enriquecida, fosse igualmente publicada e que finalmente o desígnio de se apresentar a Descripção Historica e Economica da Villa e Termo de Torres Vedras se concretizasse?
No ano de 1987, os membros do Conselho Pedagógico decidiram propor como patrono da então Escola Secundária de Torres Vedras o nome de Manuel Agostinho de Madeira Torres. Fizeram-no tendo em conta o seu papel de homem de cultura e o valor da obra para a História Local torriense. Hoje, no século XXI, a comunidade escolar que faz parte de Agrupamento de Escolas Madeira Torres persiste em identificar-se com essa memória.
No passado dia 27 de Janeiro de 2019 decorreram 183 anos após o falecimento de Madeira Torres, na sua residência, na actual Rua Mouzinho de Albuquerque, em Torres Vedras.
Por que não honrar a sua memória, partilhando com os torrienses a publicação do manuscrito anotado da segunda parte da sua obra?

Manuela Catarino





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PATRIMÓNIO INDUSTRIAL, MEMÓRIA DO TRABALHO 

PRODUTIVO

Uma ideia estimulante para a nossa reflexão é a que Françoise Choay propõe, ao denunciar o que classifica como a fetichização do património, expressa em duas formas contraditórias de o olhar: de um lado a perspectiva passadista e nostálgica, resistente à articulação integradora entre o antigo e o novo; do outro a visão progressista que reduz o património preservado a objecto de museu [1].
A contradição radica na própria ambiguidade do conceito de Património que se alargou exponencialmente a todas as áreas da actividade humana[2]. Daí a necessidade de reafirmar a abordagem histórico-sociológica que articule, simultaneamente, os valores do tempo longo (dimensão maior da História) e do tempo curto (vivências quotidianas), de modo a que o conceito de Património reassuma a dimensão de portador de consciência histórica e de memória das comunidades humanas.
Uma das áreas mais recentes da tendência patrimonializadora é a do Património Industrial que ganhou expressão sobretudo depois da 2ª Guerra Mundial. Aqui, a carga histórica do tempo longo cede à verificação do imediato, marca da contemporaneidade. Emergem as memórias de quotidianos recentes, símbolos de um presente que se extingue debaixo dos nossos olhos, induzindo valores importantes como o turismo cultural de crescente expressão económica e a reutilização criteriosa e criativa de antigas instalações fabris.
Quando a “Casa Hipólito” ou a “Fundição de Dois Portos” – indústrias locais de Torres Vedras que prosperaram no séc XX – se afundam na falência e fecham as portas, tal significa o apagamento súbito de um passado recente cuja memória urge preservar para que as novas gerações entendam as razões do vazio sócio-económico que se instalou numa cidade subitamente órfã da sua prosperidade.
A Carta de Nizhny Tagil sobre o Património Industrial, aprovada em 2003, bem como a sua extensão nos chamados “Princípios de Dublin”, de 2011, mostram como estas preocupações locais têm dimensão internacional. Tais documentos apontam para metodologias de identificação, inventário e investigação, indispensáveis para a valorização e preservação deste Património, cada vez mais presente em múltiplas formas de apresentação e interpretação garantidas pelos poderes públicos articulados com as comunidades locais.
Acredita-se que esta saída cultural – preservação dos vestígios físicos acompanhada de uma narrativa histórica esclarecedora – constitua uma mais-valia face à rápida modificação das condições da vida económica, portadora, muitas vezes, de sofrimentos e frustrações. Vemos hoje um Museu do Pão, em Seia, que contrapõe à uniformizada industrialização panificadora a memória de antigas formas de moer e fabricar. Multidões saudosas de antigos sabores e odores invadem aquele espaço e regressam a um passado que ainda há pouco era o seu próprio presente.
E mais ao sul, o Museu do Trabalho Michel Giacometti, em Setúbal, mostra os antigos processos da indústria conserveira, em que nos parece ver ainda os vultos dos homens e das mulheres que ocupavam as linhas de produção, ao som de apitos estridentes.
Esta valorização do Património Industrial – cujos exemplos se têm multiplicado de norte a sul do país desde há duas décadas - é, em si mesma, a consagração do bem mais duradouro da História, o trabalho humano, mostrado como processo, como sofrimento, como superação, como riqueza. Aqui, Património já não é Monumento, símbolo de poder, afirmação de elites ou linhagens. É imagem do Homem que, em sociedade, se eleva acima da estrita sobrevivência individual. Por isso a preservação do Património Industrial é indispensável para a persistência da memória histórica desse longo caminho em que, como dizia M. Vieira Natividade, ilustre patrimonialista alcobacense, “o homem fez a indústria e a indústria fez o homem”.

Joaquim Moedas Duarte


[1] Françoise Choay – As questões do Património – Antologia para um combate, Edições 70, Lisboa, 2011.
[2] Dominique Poulot – “La multiplication des patrimoines”, Patrimoine et musée. L’institution de la culture, Paris, Hachette, 2001. 







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