04 janeiro 2011

PATRIMÓNIOS 3

As casas devolutas no Centro Histórico
[Publicado no jornal “Badaladas”, em 30 de dezembro de 2010]

Rui Matoso
            A existência de inúmeros[1] imóveis devolutos no interior do Centro Histórico, e de muitos outros no centro da cidade ou espalhados por Torres Vedras é uma realidade incontestável e um sinal da ausência prolongada de medidas que motivem a reabilitação para fins de revitalização urbana e social.
            Os imóveis encontram-se nesta situação decadente porque, por um lado, os seus proprietários não cumpriram os deveres de conservação nem evitaram a sua deterioração, e por outro a Câmara Municipal também não exerceu, durante a última década, a fiscalização e o incentivo necessário à reabilitação dos mesmos. A autarquia, enquanto entidade administradora do  município deve ter fundamentalmente um papel facilitador e pro-activo na persecução do interesse público, mas exercendo quando necessário o poder coercivo previsto na lei.
            Contudo, no que respeita à aplicação do programa REHABITA 2000/2001 no Centro Histórico, apenas um proprietário conseguiu proceder às obras de reabilitação do seu imóvel. Neste aspecto, o diagnóstico do processo de revisão do «Plano de Pormenor de Reabilitação do Centro Histórico da Cidade de Torres Vedras» (PPRCHTV, 2002) revela que este «não apresenta o grau de desenvolvimento sócio-económico e de requalificação urbanística que seria expectável face aos objectivos do Plano  (PPRCHTV, 1992) (…) o deficiente grau de execução do Plano em muitos domínios, designadamente ao nível da requalificação dos espaços públicos teve consequências sobre a qualidade global da área e tornou mais difícil a promoção da reabilitação dos edifícios por parte dos particulares (p. 159).
             Certo é que a necessidade de reabilitar o edificado é grande, até porque a aposta na  construção nova tem significado o aumento dos devolutos. Esta situação tem sido responsável por encher o país de betão e casas, sem resolver o problema das carências habitacionais em termos quantitativos e qualitativos, bem como pela construção desordenada no território e degradação da qualidade de vida das cidades.
            O reduzido número de casas disponíveis para arrendamento penaliza sobretudo os mais pobres, os mais jovens e os idosos. E, numa situação de grave crise social como a que enfrentamos  é fundamental responder a este problema, dinamizando o mercado de arrendamento a preços acessíveis. Para esse fim seria importante incentivar os proprietários através de um programa de apoio à reabilitação urbana, integrando-se posteriormente os imóveis assim reabilitados numa bolsa de habitação para arrendamento a preços controlados.
            Após quase duas décadas do primeiro PPRCHTV (1992) e apesar da existência de alguns casos de renovação de uso de devolutos no Centro Histórico, é necessário e urgente alargar o espectro da intervenção e observar a existência de uma forte interdependência entre a reabilitação dos imóveis e a revitalização urbana em geral, pois em ambos os processos existe uma retroacção entre causa e efeito que deve ser tida em consideração no ecossistema urbano. Por exemplo, a vitalidade sócio-cultural e o aumento do associativismo ou da participação cívica estruturada requer e possibilita a dinamização de novos espaços (devolutos), que por sua vez ganham novos usos e habitantes. Neste caso, como em geral na definição de políticas, é preciso reconhecer e fomentar a (bio)diversidade e a qualificação dos agentes, motivando e exigindo-se ao mesmo tempo o mérito e a responsabilidade na utilização de meios públicos.
            Em suma, para além do uso habitacional ou comercial “clássico”, os prédios devolutos ou expectantes podem desempenhar um papel social, cultural e económico relevante para a qualidade de vida na cidade. Consoante as condições de habitabilidade, o uso socialmente diverso de espaços devolutos pode originar oportunidades tais como: arrendamento habitacional a preços acessíveis;  desenvolvimento de projectos no âmbito da economia social; espaços destinados a práticas artísticas, culturais e criativas emergentes; oficinas/loja de artesanato local; locais de ensaio para projectos musicais; acolhimento de novas associações ou grupos informais; projectos temporários...

 

[1]    Os números encontrados referentes a imóveis devolutos nos documentos são bastante díspares. Em “Leitura Sociológica do Centro Histórico- Estudo – Doc. II – Resultados Estatísticos” (Andrade Santos e Nuno A.S., 2003) contam-se 270 (no total das tipologias). Em “Torres ao Centro” (CMTV, 2010), são referidos apenas 33. No “Plano de Pormenor de Reabilitação do Centro Histórico de Torres Vedras Processo de Revisão – Fichas do Edificado”. (CMTV, 2010), estão inventariados 78 devolutos.


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