14 outubro 2024

CASTELO DE TORRES VEDRAS | BADALADAS - 4 OUTUBRO 2024

 

A propósito do Dia Nacional dos Castelos

algumas reflexões sobre o estado de conservação e o uso do

CASTELO DE TORRES VEDRAS

 José Pedro Sobreiro




Desde 1984 que se comemora em outubro o Dia Nacional dos Castelos, com o objetivo de promover em todo o país iniciativas e atividades que visam o conhecimento e a reflexão sobre o património fortificado (1). Os castelos são testemunhos da memória coletiva dos povos e representam uma importante referência arquitetónica, histórica, cultural e simbólica de um país.

E foi precisamente há 40 anos, que a ADDPCTV promoveu uma jornada comemorativa a nível nacional, em colaboração com a Associação dos Amigos dos Castelos e a Câmara Municipal, que terá marcado o início de uma era de renovado interesse pelo nosso Castelo.

Desde então para cá, e ao contrário de uma certa percepção, o monumento tem sido objecto de maior cuidado, se considerarmos o estado de abandono em que se encontrava.

A ocorrência de escavações arqueológicas, a realização do” Castelo deMúsica”, a reabertura da Igreja de Santa Maria, a colocação de placas informativas no recinto e o relativo asseio do espaço visitável, mas sobretudo, a criação do polo informativo no Torreão, com informação adequada - um vídeo de grande qualidade que explica ao visitante o tipo de construção que as ruínas tornam difícil de perceber – são entre outros, factores que dignificam o nosso castelo. E apesar de tudo, o Castelo continua a ser o monumento mais visitado – por turistas, que não por torrienses.

 

UMA PROPOSTA A TER EM CONTA

Vem tudo isto a propósito da reafirmação recente de uma proposta do movimento político local - Unidos por Torres Vedras - visando: “... fazer do Castelo um equipamento vivo, trazendo novas valências e atividades culturais de lazer que permitam o usufruto dos torrienses”, como se pode ler num comunicado bem formulado, onde não falta o cuidado com a referência à manutenção de ...” todos os traços de identidade” ... e ao seu enquadramento ...” como âncora à urgente dinamização do centro histórico”. E conclui a sua posição com a proposta de ... “abertura de um Concurso de Ideias para requalificar o Castelo” ... através de …”um processo que resulte de uma discussão pública sobre a natureza da recuperação, dando voz a especialistas e à população do concelho”. Perante tal iniciativa, a Associação do Património de Torres Vedras tem o dever, em primeiro lugar, de se congratular pela inequívoca demonstração de interesse pelo monumento que simbolicamente se afirma como imagem fundacional da nossa ancestral comunidade. Mas igualmente se impõe o compromisso de alertar para alguns perigos que uma ideia assim formulada, com justas e defensáveis motivações, possa acarretar. Sem se discutir a importância da fruição pública do Património, há que reconhecer que alguns problemas de manutenção resultam de um uso massivo como espaço de “eventos”. Alguns dos danos que a seguir elencamos, devem-se ou são potenciado precisamente por eventos a que acorre um tipo de público pouco respeitador da herança cultural e por uma organização menos cuidada, quer pela falta de preparação e insuficiência de meios materiais e humanos.

 

CUIDAR, CONSERVAR, RESTAURAR

O fundamental deve ser a acção de preservação do castelo, função legalmente atribuída à Câmara Municipal torriense, cujo trabalho temos seguido, não deixando de, a espaços, chamarmos a atenção para alguns aspectos mais relevantes. Como é o caso da Porta do Paço dos Alcaides que apresenta uma situação de risco, uma vez que se encontra desprovida das grandes peças de cantaria numa das umbreiras. A reposição destas pedras é fundamental para a  sustentação do pesado lintel em arco abatido. Igualmente as umbreiras da porta de acesso ao cimo do torreão apresentam um grande desgaste. No interior do Paço - um espaço aparentemente apetecível para concertos e afins - o piso em calçada (original) está cada vez mais deteriorado, agravado pela passagem de materiais pesados que são arrastados, provocando falhas nas estruturas e levantamento de pedras. A presença de um número significativo de pessoas neste tipo de eventos também tem provocado o derrube de vestígios remanescentes dasconstruções interiores do paço. Nas grossas paredes exteriores são várias as zonas em que é visível a falta de reboco de consolidação, a exigir uma continuada atenção. Também a colocação de sinalética, com materiais não adequados tem como resultado a degradação das paredes. Porque, não nos iludamos, pela aparência rude das ruínas do castelo podemos intuir uma ideia de robustez, mas na realidade elas são uma estrutura frágil. Não esquecer que estão ali, pelo menos, cinco séculos de desgaste, um terramoto, e duas campanhas militares.

SIM AO DEBATE DE IDEIAS

Dito isto, que não se subentenda uma desaprovação da iniciativa – que saudamos – mas antes um apelo ao cuidado pelo compromisso fundamental para com o Património, que é o de o preservar para os vindouros. Até lá, que se continue a manter e reparar as estruturas, a cuidar dos caminhos, a cortar as ervas, para que possamos sentir a sua presença como algo que nos assegura um sentimento de pertença e nos insufla a ideia de continuidade geracional, em suma, que nos irmana num sentimento de comunidade. Essa é a principal função do Património.

(1(1)  Inicialmente era celebrado no primeiro sábado do mês mas em 2003 estabeleceu-se o dia 7 como a data oficial.

 



IGREJA DE SANTIAGO - Jornal BADALADAS | 6 de Setembro 2024

 

IGREJA DE SANTIAGO – TORRES VEDRAS

VI FESTIVAL DE MÚSICA ANTIGA DE TORRES VEDRAS

Joaquim Moedas Duarte

(texto e fotos)

 

O VI Festival de Música Antiga de Torres Vedras decorreu entre 18 de Maio e 29 de Junho do corrente ano. Organizado pelo sector de Cultura da Câmara Municipal, com a curadoria do organista e professor Daniel Oliveira, teve como linha condutora a ligação entre a Música e o Património religioso edificado. A Associação do Património de Torres Vedras (ADDPCTV) colaborou, fazendo em cada concerto a contextualização patrimonial do espaço em que ele decorria. Em 26 de Junho, foi na Igreja de Santiago, na cidade de Torres Vedras.

 

 






O TEMPLO

De novo marcámos encontro nesta Igreja de Santiago, numa feliz articulação entre o Património Edificado e o Património Musical.Recordemos alguns aspectos essenciais sobre este templo:

Foi uma das quatro Igrejas matrizes de Torres Vedras, bem no Centro Histórico da então Vila Medieval. Sabemos da sua existência já em 1248 / séc. XIII.

O espaço em que hoje estamos resulta da reconstrução da antiga ermida, feita entre os séculos XVI e XVII.

Do séc. XVI temos três relíquias:

 O portal principal, de estilo manuelino, que o tempo e a poluição têm vindo a degradar inexoravelmente; a pia baptismal, numa capela cujo desleixo e indiferença dos responsáveis religiosos tornam indigna desta peça preciosa, onde foram baptizados milhares de antepassados nossos; uma escada de pedra, em caracol, igualmente vítima de grande desleixo, que dá acesso ao coro alto, onde restam os vestígios de um cadeiral, datado de 1634, infelizmente em ruínas. Este coro é de grande monumentalidade, assente em três arcos, dos quais o do meio é abatido, com elegante desenho.

Olhemos bem a abóbada: em forma de berço, de grandes caixotões, sobreviveu ao terramoto de 1755, ao contrário das outras igrejas de Torres Vedras. Ela cobre uma nave muito ampla, onde existiam seis altares, três de cada lado. Estão hoje completamente desfigurados, pois este templo foi retirado do culto em meados do séc. XX. Destaca-se, no corpo da Igreja, o belíssimo púlpito, todo em mármore, do século XVII. Está hoje quase ao nível dos nossos olhos pois o chão da Igreja sofreu múltiplos alteamentos, devido às frequentes cheias do Sizandro, que inundavam o interior.

Na parede onde se abre o arco triunfal, foram descobertas, durante umas obras de restauro, há cerca de quarenta anos, pinturas murais que estavam cobertas por estuque, provavelmente do século XVIII, época da última grande reconstrução da Igreja, em que terá sido erguida a actual fachada, com a torre sineira.

Mas a maior riqueza decorativa deste templo está na capela mor. Vejam-se os dois silhares de azulejos figurativos, do século XVIII, atribuídos ao Mestre PMP, que representam os atributos de Santiago: a cruz e os apetrechos do peregrino. Sobre estes azulejos, há quatro telas, recentemente restauradas, representando quatro doutores da Igreja: do lado esquerdo (Evangelho), S. Jerónimo e Santo Agostinho; do lado direito (Epístola), Santo Ambrózio e S. Gregória Magno.

O retábulo, que seria em talha dourada, característica do estilo barroco, está reduzido à estrutura base, mas mantém no alto uma cartela com as insígnias de Santiago. E assenta num friso de mármores embutidos. No teto, há belos ornatos que preenchem o espaço entre os arcos de sustentação.

De referir ainda, na sacristia, o monumental lavabo, também de mármores embutidos e o grande arcaz com ferragens do séc. XVIII.

 

 





DEFICIENTE PRESERVAÇÃO

 

Esta Igreja, por iniciativa da Escola Secundária Henriques Nogueira e da Associação para a Divulgação do Património Cultural de Torres Vedras (ADDPCTV), foi classificada pelo Governo da República Portuguesa, em 2013, como Monumento de Interesse Público.

Este facto implica responsabilidades acrescidas de preservação e conservação. Infelizmente, verificamos que, a notável acção de valorização desta Igreja, realizada pelo  falecido Pároco, Padre Daniel Batalha, não teve continuidade. Entre outras intervenções necessárias, necessitam de obras urgentes a capela baptismal e a escada do coro – obras que até nem seriam muito dispendiosas.

Respondendo à importância deste Monumento, a Câmara Municipal, com a aquiescência da Paróquia, incluíu-o no Projecto ISA Património, o que permite que ele esteja aberto ao público todos os dias da semana, excepto à Segunda-feira. É triste que as pessoas que o visitam verifiquem que, afinal, uma parte significativa dele esteja em tão lamentável estado de conservação.