20 setembro 2022

THOLOS DO BARRO - ESCAVAÇÕES ARQUEOLÓGICAS 2021/2022 - Jornal BADALADAS, 26 AGOSTO 2022

 

Escavações arqueológicas no Tholos do Barro, 2021/2022

 

 Ana Catarina Sousa 

UNIARQ, Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa

Isabel Luna  

Museu Municipal Leonel Trindade, Município de Torres Vedras


Concluiu-se em Junho passado a campanha de escavação arqueológica do Tholos do Barro (Torres Vedras) iniciada em 2021, mais de um século depois da descoberta, escavação e classificação, como Monumento Nacional, deste sepulcro pré-histórico. Os trabalhos, coordenados pelo Centro de Arqueologia da Universidade de Lisboa (UNIARQ) e pelo Museu Municipal Leonel Trindade, resultaram de um protocolo de colaboração firmado entre o Município de Torres Vedras e a Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa que, simultaneamente, permitiu uma formação prática, em contexto de campo, a alunos de licenciatura, mestrado e doutoramento em Arqueologia. A investigação do monumento foi determinada pela Direcção Geral do Património Cultural, como medida de diagnóstico e registo prévio, indispensável à intervenção de melhoria das condições de segurança, acessibilidade e fruição pública, que o município pretende desenvolver naquele sítio arqueológico, a exemplo do que já foi feito no Castro do Zambujal.

Correspondendo ao convite da Associação de Defesa do Património de Torres Vedras – que tem acompanhando este projecto com entusiástico interesse –, recorremos a este espaço de divulgação patrimonial, para partilhar, em linhas muito gerais, as primeiras notas desta campanha arqueológica.

As novas escavações realizadas no tholos – designação atribuída a sepulcros megalíticos de câmara funerária circular e cobertura em falsa cúpula – tiveram como objectivo reunir o máximo de informação sobre a arquitectura e os usos funerários e simbólicos deste singular monumento arqueológico, que sustentem uma intervenção de valorização do sítio e forneçam os conteúdos necessários à musealização do imóvel. Não é possível divulgar aquilo que não se conhece!

Situado no cimo do Monte da Pena, o tholos apresenta uma implantação muito pouco frequente neste tipo de monumentos. Com efeito, no território português apenas se conhece um outro sepulcro de falsa cúpula situado no topo de uma elevação: o tholos do Monge, na serra de Sintra.


A estrutura arquitectónica do tholos do Barro corresponde aos cânones dos tholoi do sul da Península Ibérica, apresentando um aparelho construtivo muito robusto, quase ciclópico, onde se destaca uma câmara funerária de dimensões extraordinárias: com 6,20 m de diâmetro, é a maior até agora encontrada na Península Ibérica. O corredor que dá acesso à câmara está orientado no sentido norte-sul, com a abertura voltada a sul, característica também pouco frequente, pois, por norma, os tholoi e as antas costumam estar voltados a nascente.

Datado do 3.º milénio a. C. (período Calcolítico), o monumento do Barro apresenta, também, abundantes vestígios materiais da Idade do Bronze. O registo deste espólio, recolhido maioritariamente no início do século XX e repartido entre o Museu Nacional de Arqueologia e o Museu Municipal Leonel Trindade, é muito deficitário, não apresentando informações concretas sobre o contexto arqueológico e o local específico de recolha, o que nos impede de compreender adequadamente as dinâmicas de utilização do sítio.

Desde a primeira escavação, realizada em 1909, o monumento foi sucessivamente citado e revisitado. Contudo, muito pouco se conhecia da sua estrutura e da sua história: não existia um levantamento arquitectónico fiável e actualizado, não possuía qualquer datação de radiocarbono que balizasse a sua cronologia e, sobretudo, não se compreendia a sucessão de utilizações, entre a Idade do Cobre e a Idade do Bronze.

Em 2021 foi possível, pela primeira vez, obter uma leitura integral das estruturas arquitectónicas e identificar a presença de vestígios de deposições funerárias na câmara e no corredor do monumento.

A campanha de 2022 teve como principal objectivo a escavação do átrio, junto à fachada do monumento, e dos vestígios de deposições funerárias mais tardias, feitas no corredor, aparentemente já após a selagem da câmara. Os trabalhos permitiram identificar uma intensa actividade simbólica e funerária na parte exterior do monumento, incluindo a construção de um murete, que delimita parcialmente a zona da entrada. Esta estrutura poderá estar associada à presença de um monólito, cuja origem é extrínseca ao local. Os materiais recolhidos (cerâmicas e materiais metálicos) parecem indicar uma cronologia da Idade do Bronze, sustentada por uma datação absoluta da primeira metade do 2.º milénio a. C. (Bronze Antigo e Pleno). Foi ainda confirmada a presença, na envolvente do monumento, de zonas de concentração de materiais do final da Idade do Bronze, sem qualquer material osteológico associado, indicando uma prática de visitações ao local, já não de natureza funerária, numa época mais recente.

O trabalho de pesquisa, contudo, não se limita à campanha de campo. Em curso está o estudo integral do espólio depositado em museus, bem como uma aturada pesquisa arquivística. O cruzamento da informação documental conservada em museus e arquivos, com os resultados das escavações arqueológicas, permitirá uma melhor aproximação à história do monumento, sendo ainda necessário aguardar pelos diversos estudos analíticos da informação recolhida: antropologia física (patologias, dietas alimentares, mobilidade, ancestralidade), geologia (estudo geológico do sítio, do material de construção e do espólio), cronologia absoluta (datações de radiocarbono) e estudo dos contextos arqueológicos preservados, para se poder enquadrar o espólio previamente recolhido.

A equipa integra vários especialistas que se associaram ao projecto, nomeadamente João C. Duarte (Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa) e Ana Maria Silva (Universidade de Coimbra), contando ainda com a consultoria do Prof. Victor S. Gonçalves (UNIARQ - FLUL).

Mais de um século após a sua descoberta, o tholos do Barro guarda ainda muita informação, que continuaremos a investigar, em prol do conhecimento e da divulgação deste importante património colectivo.

 

 

 





 [ Fotos: equipa da UNIARQ, Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa]




 


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