08 janeiro 2023

O ESPLENDOR DO BARROCO EM TORRES VEDRAS - Jornal BADALADAS de 23 de Dezembro de 2022


O Esplendor do Barroco em Torres Vedras

Joana Santos Coelho

Joaquim Moedas Duarte

 

Em 16 de Outubro passado acompanhámos cerca de 25 pessoas num passeio cultural na cidade de Torres Vedras, integrado no ciclo “Passos em Volta”, iniciativa do sector de Cultura da Câmara Municipal. O tema foi “O esplendor do Barroco”. O texto desta página é o complemento dessa visita.

 

ESTILO ARTÍSTICO

O Barroco foi um estilo artístico que primou pelo esplendor, luxo, dinamismo, drama e exuberância, e foi transversal a diversas áreas como a arquitectura, a pintura, a escultura, a literatura, a música ou o teatro. Surgiu em Itália no final do século XVI e esteve em vigor aproximadamente até meados do século XVIII. Três circunstâncias impeliram o florescimento deste novo estilo: o surgimento de novas potências europeias (devido às novas rotas comerciais com o Novo Mundo), os regimes absolutistas (cujo poder estava concentrado na figura do rei) e sobretudo a Contrarreforma da Igreja Católica, que ganhou forma através do Concílio de Trento (1545-1563). Esta reforma foi uma reacção ao Protestantismo, que veio criar uma cisão na Igreja Cristã, e que foi um manifesto contra o luxo e a corrupção da mesma. Em contrapartida, a Igreja Católica apela à renovação da vivência religiosa, a partir da sistematização doutrinária realizada naquele Concílio. É neste contexto que nasce o Barroco, expressão artística da veemência religiosa e da opulência material.

O termo significa “pérola irregular” e, segundo Wolffin, este estilo “é a primazia da cor e da mancha sobre a linha, da profundidade sobre o plano, das formas abertas sobre as fechadas, da imprecisão sobre a clareza, e da unidade sobre a multiplicidade”. Está esteticamente associado ao ornamento complexo e imperfeições naturais, diagonais e assimetrias, curvas e espirais, liberdade e emoção, drama e movimento. As construções barrocas integram várias linguagens artísticas, têm tendência para a planta centralizada e são caracterizadas pela grandiosidade, opulência e exuberância.

A Escultura, que pode ser um mediador entre o Homem e Deus, passou a ser identitária da Igreja Católica, enquanto o Protestantismo avançava com movimentos iconoclastas (abominação de imagens religiosas). No período barroco ganharam destaque as composições grupais e as imagens de roca.

Na Pintura destacou-se a Escola Tenebrista que se caracterizava sobretudo pelos fortes contrastes claro-escuro e pelo aspeto teatral. Neste período surge também o trompe l’oeil, que era uma técnica de pintar tetos com truques de perspetiva, criando ilusão de ótica de que as formas 2D possuem 3 dimensões. E para a burguesia protestante, passam a ser pintadas mais cenas do quotidiano e de natureza-morta.

No caso português, o Barroco esteve em voga entre 1580 e 1756, mas ganhou maior expressão no reinado de D. João V (1705-1750). No governo filipino Portugal esteve de certa forma isolado do que se passava no resto da Europa, nos reinados de D. João IV, D. Afonso VI e D. Pedro II houve tribulações dada a guerra da independência e a crise de sucessão, e finalmente no reinado de D. João V atravessou-se um período de paz e prosperidade. D. João V foi um rei amante das Artes. Para além do contexto político, beneficiou também das remessas de ouro vindas do Brasil. Revestiu o seu país com talha e azulejo e foi no seu tempo que foram realizados alguns excelentes exemplos do Barroco que também podemos ver nas igrejas de Torres Vedras.

 

O BARROCO EM TORRES VEDRAS

Se pensarmos nas manifestações esplendorosas do barroco espalhadas pelo nosso país, –o Convento de Mafra, por exemplo, ou os interiores de igrejas “forradas a ouro” como S. Francisco no Porto ou St. António em Lagos – temos de convir que no nosso concelho os exemplos de arte barroca são mais discretos. Ainda assim, o que temos é de valor e relevância indiscutíveis, com realce para as artes decorativas dos interiores das igrejas. Se no aspecto arquitectónico os alçados exteriores são geralmente austeros, nos interiores encontramos soluções expressivas do barroco que integram, de modo harmonioso, a talha dourada dos retábulos de altar, a azulejaria, a pintura e a escultura sacras, e os embrechados de mármore – uma gramática decorativa a que alguns historiadores de Arte chamam “arte total” ou “totalidade decorativa”. Os exemplos multiplicam-se por todo o território concelhio: as capelas-mores das igrejas da Carvoeira, de A-dos-Cunhados, de Dois Portos, de Runa, de Matacães, da Ponte do Rol, de S. Pedro da Cadeira; as capelas do Sirol, da Srª dos Milagres, da Madre de Deus, da Ribaldeira.
Na cidade, destacam-se as Igrejas da Graça – com o claustro conventual, a portaria, a antessacristia e sacristia, onde avultam  notabilíssimos conjuntos de painéis de azulejos figurativos –;  S. Pedro, Santiago, Misericórdia e a capela de Nª Srª do Amial.

 

Capela-mor do convento do Varatojo, Torres Vedras

O Convento do Varatojo merece menção especial. À entrada, encontramos a pequena capela de Nª Srª do Sobreiro, com a talha do altar dialogando com as coberturas parietais de azulejo e o estuque marmoreado, numa surpreendente unidade de estilo, sublinhada pela coerência formal da concepção arquitectónica.
A capela- mor da igreja do convento é um exemplo brilhante da “arte total” barroca do séc. XVIII. O retábulo é de talha a branco e ouro, em que as quatro colunas salomónicas enquadram um trono eucarístico, por vezes velado por uma tela de Bacarelli. Na parte inferior do retábulo, há belos exemplares de embrechados de mármore e mármores embutidos. As paredes são forradas de silhares de azulejos figurativos, com cenas da vida de Santo António, sobrepujadas por quatro telas dos finais do séc. XVI, com cenas do Natal cristão atribuídas por Vitor Serrão ao pintor Gaspar Dias. A enquadrarem o altar, dois jarrões em mármore preto.

No corpo da igreja, do lado da epístola, sobressai a capela de Nª Srª das Dores, já dos finais do séc. XVIII, em que também se conjugam o retábulo, os silhares de azulejos figurativos e as telas, todos de temática mariana – novo exemplo do conceito “arte total”.

 

Altares da Igreja da Misericórdia, Torres Vedras

No périplo urbano destes “passos em volta”, foi proporcionado aos passeantes um olhar mais atento e informado sobre o esplendor do barroco. No Convento da Graça, as capelas com seus retábulos e os núcleos azulejares atribuídos a um dos grandes criativos do ciclo joanino, o Mestre PMP – que também deixou obra nas igrejas e capelas de Santiago, Matacães, Mugideira, convento do Barro e Serra da Vila; os azulejos de Nicolau de Freitas e a talha dos três altares na Misericórdia; as telas tenebristas de Santiago e de S. Pedro…

 É bem verdade que, de tanto serem familiares, muitas vezes nos passa despercebida a riqueza artística destes espaços.

 

Referências

Serrão, Vítor (2003) O Barroco. História da Arte em Portugal. Editorial Presença: Lisboa

Janson, H. W. (2005) História da Arte. Fundação Calouste Gulbenkian: Lisboa

Toman, Rolf (dir.) (2004) O Barroco. Konemann: Koningswinter, Alemanha

Pereia, José Fernandes e Silva, Nuno Vassallo (2007) Da Estética Barroca ao Fim do Classicismo, Vol VII da História da Arte Portuguesa (dir. Paulo Pereira)

Créditos fotográficos: Vitor Oliveira (capela-mor do Varatojo); Joaquim Moedas Duarte (altares da Misericórdia de Torres Vedras)

 

 


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