03 janeiro 2021

O BAIRRO NOVO - TORRES VEDRAS

 

PÁGINA "PATRIMÓNIOS" NO JORNAL "BADALADAS" | 25 DEZEMBRO 2020  


O BAIRRO NOVO

 José Pedro Sobreiro  

Pedro Fiéis




A EXPANSÃO URBANA

O crescimento populacional em Portugal teve um forte incremento na segunda metade do século XIX, sentindo-se os seus efeitos logo nos primórdios da centúria seguinte, assistindo-se igualmente a uma mudança de regime (1910) que levou a uma nova classe social ao poder mas sobretudo a um repensar das velhas cidades, numa tentativa de modernização e expansão das suas estruturas por forma a acomodarem mais pessoas sem os problemas de outrora, nomeadamente, falta de saneamento básico, construções precárias e edificação desenfreada sem critério e sem planeamento.                                                                                              

A vila de Torres Vedras manteve-se até finais do século XIX praticamente dentro do perímetro das antigas muralhas, excepção feita a alguns segmentos de expansão nas margens da estrada nacional – a norte, na zona dos Pelomes, e a Sul, a via que levava à Fonte Nova.        Mas foi a chegada do comboio que constituiu o factor fundamental nesse incremento da população, criando-se então a necessidade urgente de dar habitação condigna aos novos habitantes. Esta expansão do perímetro urbano está patente nas novas avenidas - 5 de Outubro e Ten. Valadim - rasgadas para servirem a Estação do Caminho de Ferro, inaugurada em 1886.

 

OS PLANOS DE URBANIZAÇÃO

Dentro desta filosofia, em todo o país surgiram os Planos de Urbanização, entre os quais o de Torres Vedras, no qual Miguel Jacobetty foi encarregado de expandir o núcleo urbano, plano onde abundavam as zonas de moradias.                                                                          

A política de Duarte Pacheco, à época ministro das Obras Públicas, era impedir o crescimento desordenado das cidades e vilas, bem como uma arquitetura de má qualidade visual e construtiva, contemplando igualmente áreas de fruição coletiva, sendo exemplo entre nós os casos da criação do Jardim da Graça e a construção de equipamentos públicos. como os CTT, o Hospital e a Junta Nacional do Vinho.                                                                            

Plano este que não esquecia o já edificado , onde se fariam apenas as demolições necessárias aos novos eixos viários e ao “arejamento” das ruas, e se apontavam as linhas de expansão futuras, particularmente através da fixação dos grandes eixos viários – Avenida General Humberto Delgado e Rua Teresa de Jesus Pereira que fariam a ligação entre a Várzea e a Estação de Caminho de Ferro, criando uma cintura interna, que nos anos 70 se apresentava já insuficiente para conter a expansão para sul (Bairro Borges de Castro).                             

Inspirado nas ideias de Etienne de Gröer, um francês, que defendia o repensar de velhas urbes, instituindo a ideia da Cidade-Jardim e a limitação das demolições em zonas históricas ao estritamente necessário para o embelezamento das artérias e consolidação do edificado, o Bairro Novo apresentava-se como elemento de continuação e não de rutura.

 

O “ VELHO” BAIRRO NOVO 



O chamado Bairro Novo, projectado nos anos 40, desenvolveu-se a partir do Convento da Graça, para sul, delimitado pelas ruas Rua António Batalha Reis, Santos Bernardes, Teresa de Jesus Pereira e Maria Barreto Bastos. Foi criado como zona residencial, destinada a uma classe média emergente de comerciantes, funcionários administrativos e pequenos proprietários. Ruas rectilíneas, definindo grandes quarteirões, num arranjo racional do espaço, permitindo alguma liberdade de construção.  A sua tipologia, inicialmente de moradias unifamiliares, foi variando ao longo das décadas, acompanhando a tendência para o prédio de habitação (dito de rendimento) de vários inquilinos, mas mantendo uma certa harmonia na escala dos edifícios. Harmonia sobretudo nalgumas das primeiras habitações, onde se verifica uma tipologia do tipo “arte deco”, com animação das fachadas, através da modelação das superfícies, na marcação de pilastras, molduras e frisos, etc.                

São, na sua simplicidade, fachadas com desenho! Correspondem a uma atitude já modernista, mas que não consegue ainda dispensar o elemento decorativo, como traço identitário, longe do total despojamento formal/funcional da era seguinte.                                                              

Ao mesmo tempo, criaram-se quintais, ora para usufruto como jardins, ora para aproveitamento como hortas, sabendo-se esta uma vila rural, cujo plano de urbanismo reflete isso mesmo, no seu todo.                                                              

 O legado recebido foi, portanto, um edificado onde é possível observar exemplos da arquitectura portuguesa de meados do século XX, desde o estilo “arte deco”, rumo ao modernismo - já com o uso do betão como material de construção - passando pela arquitetura do Estado Novo, conhecida de forma crítica como Estilo Português Suave, constituindo-se como o símbolo de uma época.                                                                                                     

 Esta zona puramente habitacional representa uma etapa importante da renovação urbanística entre nós e conserva ainda uma certa homogeneidade, apesar da adulteração de alguns dos seus troços. Por isso, é um capítulo do discurso histórico que uma cidade (também) deve ser. Desde logo pelo seu carácter vincadamente residencial, como zona tranquila, alternativa a outros movimentos do viver citadino. Veja-se como, ​nestes tempos de pandemia, o facto de se ter acesso a um pequeno espaço privado de ar livre pode constituir uma mais valia.

A aparente retoma das actividades de construção civil, com algumas intervenções a decorrer, vem recolocar questões que não são consensuais – conservar versus renovar. Afinal a cidade reinventa-se sobre si mesma. Será que o contemporâneo pode coexistir com o antigo? Pode, claramente, mas há que definir regras claras.                                                             

Esquecer a vocação do Bairro Novo, zona com forte identidade no discurso da cidade moderna, constitui uma perda cultural, pela desvalorização dos seus valores originais e consequente densificação. Destrói-se uma harmonia conseguida e as memórias que transportam.                        Agora que a CMTV se dedica à definição de Áreas de Regeneração Urbana fica o nosso apelo para que o Bairro Novo possa merecer a atenção dos urbanistas a fim de preservar o seu contributo para o equilíbrio urbano, na inequívoca singularidade das suas características e na sua memória.






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