04 novembro 2010

TORRES VEDRAS: CENTRO HISTÓRICO?

 Um caso a merecer reflexão:


Foto 1 - Prédio na Rua Dias Neiva, 2007/8 (onde era a butique Caverna)



Foto 2 - O novo prédio, em 2010, a imitar o antigo...

Dois ou três equívocos sobre requalificação urbana:

1- Deixa-se degradar o edifício antigo até parecer que não tem qualquer viabilidade de reconstrução.

2- Arranja-se um projecto que dê ares de respeitar o centro histórico. Um ou duas chaminés "à antiga" sempre ajudam...

3- Pinta-se de uma cor que faça lembrar o prédio antigo e... já está!

Fica a interrogação:

Que é feito do Plano de Pormenor de Reabilitação do Centro Histórico de Torres Vedras?
Este edifício não fazia parte dos que deviam ser conservados?

No site da Câmara Municipal lê-se o seguinte:


«A nova versão do Plano de Pormenor de Reabilitação do Centro Histórico de Torres Vedras já está em vigor.


A revisão deste documento deveu-se a vários factores como a realização de uma avaliação crítica ao mesmo, a evolução de Torres Vedras e do contexto urbano envolvente ao seu centro histórico, a necessidade de adaptação do plano a novos meios de gestão de informação e de representação gráfica e a actualização dos princípios, objectivos e métodos de actuação em centros históricos.


A nova versão daquele documento apresenta quatro princípios e objectivos estratégicos para o centro histórico de Torres Vedras: a promoção da reabilitação urbanística e ambiental; a reabilitação da estrutura sócio-económica; a recuperação do papel simbólico e estruturante no contexto do sistema urbano de Torres Vedras; e a reformulação da estrutura viária.


Para se atingir estas metas a nova versão do Plano de Pormenor de Reabilitação do Centro Histórico de Torres Vedras estipula um conjunto de medidas e acções.»

O prédio em questão está referenciado AQUI

Perguntamos: como foi analisado este caso? Quem avaliou e decidiu?

Julgamos que é o próprio conceito de Centro Histórico que está em causa. Ele pressupõe:

- respeito pelo edificado, que faz parte de um conjunto onde se deteta uma certa unidade.
- unidade conferida pelos materiais tradicionais usados na construção, a escala dos edifícios, as relações entre espaços abertos e fechados, o perfil dos telhados e a volumetria dos edifícios.
- regras bem definidas na requalificação dos edifícios identificados e caracterizados no Plano de Pormenor.

Deitar abaixo para substituir por coisas vagamente parecidas não é requalificar o Centro Histórico, é continuar a política do "Centro de Réplicas", já seguida noutros casos.

Voltaremos ao assunto, que merece uma reflexão mais profunda e sustentada.

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Publicámos no semanário torriense BADALADAS, em 19 de novembro de 2010 o seguinte artigo, integrado na rubrica PATRIMÓNIOS:


Brincar às casinhas
É o que nos sugere esta recente e infeliz reconstrução no Centro Histó­rico, a qual põe em questão a orientação programática do Plano de Reabilitação do Centro Histórico, assim como a sua aplicação prática, pouco tempo após a sua revisão.
Apesar da sua evidente degradação geral, o edifício existente (Foto 1) confi­gurava uma casa típica dos finais de oitocentos, com sua janela de gui­lhotina, beirado duplo e uma característica "trapeira" ou água-furtada, que na simplicidade das suas características formais contribuía para a identidade daquela zona. Na terminologia adoptada pelo plano estava classificada como edifício "de acompanhamento ", categoria que se defi­ne como "... edifícios sem valor intrínseco específico, salvo o que resulta da sua contribuição ao acompanhamento de outros edifícios, constituindo assim unidades ou conjuntos que fazem o cenário urbano".
Gostaríamos de acreditar no regulamento, quando defende que..." a salvaguarda e valorização do património existente deve ser entendida como respeito pela morfologia e tipologia existentes e também peia pre­servação do carácter e dos elementos notáveis que constituem e refor­çam o valor cultural da sua imagem".
Mas neste caso a opção foi pela alteração e reconstrução, ao invés da conservação, reabilitação, ou restauro, que constituem outras varian­tes possíveis de intervenção para este tipo de edifícios.

O que resultou é esta imagem híbrida ( Foto 2) onde consta­tamos uma profunda alteração dos elementos arquitectónicos, com au­mento de cércea, modificação da água-furtada existente, culminando com a invenção daquelas "chaminés algarvias"!
Mais grave ainda é sabermos que a maioria dos edifícios do Centro Histórico possui esta categoria, o que quer dizer que cerca de 240 ca­sas podem ter um destino semelhante a este, sempre cumprindo o plano, se tal for o entendimento dos técnicos que aprovam os projectos.
Surge, pois, um problema: a breve trecho ficaremos apenas com o "Centro" mas veremos desaparecer o "Histórico".
Já temos o Torres ao Centro; parece vir aí o 'TORRES A BAIXO"!
J. P. Sobreiro

2 comentários:

  1. Caros amigos,

    Passei pelo V/ blog porque andava a ler um artigo sobre revitalização urbana (http://home.fa.utl.pt/~fs/FCT_2009/URB%20REHABILITATION/PAPER%2004%20_%202006_RevitalizacaoUrbana.pdf).

    Depois vi o no nosso PPRCHTV o caso aqui citado. E vou fazer de advogado de diabo porque não tenho grandes certezas.

    O edifico ( ainda fica na R. 9 de Abril)- Quarteirão 16 (grau de protecção 2)no PPRCHTV (fichas do edificado)está classificado como " de acompanhamento" e estava devoluto, o que no Regulamento do PPRCHTV (art 26) significa «c) Imóveis de acompanhamento — edifícios sem valor intrínseco
    específico, salvo o que resulta da sua contribuição ao acompanhamento
    de outros edifícios, constituindo assim unidades ou conjuntos que fazem
    o cenário urbano;» nos quais se pode fazer «c) Imóveis de acompanhamento: conservação, reabilitação, alteração,
    reconstrução e ampliação;» (art 28)

    Portanto, daqui concluo que a obra esteja coberta legalmente pelo regulamento, o que não significa que seja correcta do ponto de vista da "Reabilitação" que afinal é o verbo usado no PPRCHTV.

    O que aconteceu nesse edifício integra-se mais numa perspectiva de "renovação urbana" onde se dá uma intervenção hard (reconstrução).

    Concordo com a questão da lentidão da intervenção, pois os edifícios devolutos abundam no Centro Histórico há décadas sem que nada fosse feito para travar a decadência...mas no entanto a lei «obriga» os donos a fazerem manutenção e a pagar mais IMI no caso de devolutos...existe fiscalização ?

    Ora, sem estas medidas preventivas, o que vem a seguir é a especulação imobiliária sob a sua forma mais bruta que é reconstrução. O que aliás me parece irá acontecer em mais casos...designadamente no previsto pelo Torres ao Centro.

    Ao nível estético/regulamentar acho que há um problema com o sótão (art 31), não me parece que cumpra com o Regulamento.


    Um Abraço,
    Rui Matoso

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  2. O comentário de Rui Matoso é judicioso e oportuno. O que diz sobre a legalidade desta reconstrução é correcto. Tivemos oportunidade de falar directamente com um dos responsáveis pelo cumprimento do Plano de Pormenor de Reabilitação do Centro Histórico, além da consulta aos Regulamentos em vigor.

    Há constrangimentos muito fortes, vazios de legislação e interesses vários em jogo. Tudo conjugado, joga muitas vezes em desfavor de uma opção política que opte decisivamente pelo respeito quanto ao edificado, quando este mereça sê-lo.

    Aos cidadãos, individualmente ou através de associações como a ADDPCTV, cabe estarem atentos, denunciando, pedindo esclarecimentos, mostrando aos decisores que há quem esteja acordado e preocupado...

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