No mesmo dia em que a arquitecta Teresa Adresen escrevia o artigo destacado na última entrada, o Jornal Público trazia na secção cultura uma entrevista com Simon Thurley, presidente do English Heritage (homólogo do nosso IPPAR) . A entrevista não contém nada de surpreendentemente inovador, mas a forma simples como um alto responsável pelo património britânico coloca as coisas merece ficar em memória no vistas. Mais não seja porque nesta, como em tantas outras matérias, o esquecimento é um dos nossos principais dramas.
Aqui fica então o excerto que mais gostei de ler (a entrevista na integra, fica em copia no corpo da entrada):
(...)
Público: Qual é o vosso principal objectivo?
Simon Thurley: Garantir que o "ambiente histórico" é passado às gerações futuras tal como chegou até nós ou melhor. Passamos muito tempo a identificar os bens que queremos salvar e as soluções para a sua conservação.
Público: O que é que quer dizer exactamente com "ambiente histórico"?
Simon Thurley: Preferimos usar "ambiente histórico" porque abarca tudo: paisagens,
jardins, parques, sítios arqueológicos, edifícios medievais, palácios
do século XVIII, arranha-céus dos anos 60.
(..)
Público: O que é que define o património?
Simon Thurley: As pessoas. Há dois erros comuns no que diz respeito ao património. O primeiro é pensar que é sobre edifícios - é sobre as pessoas e o que elas investem nos tijolos. O segundo é pensar que é sobre o passado -é sobre o futuro, o que ficará depois de nós desaparecermos.
(...)
Por outras palavras, O que é o Património? Aquilo que uma dada geração considera dever ser deixado para o futuro. Nesta formulação, é evidente que as responsabilidades não dizem apenas respeito a entidades publicas. dizem respeito a todos per si, e nesta matéria desconfio que os Portugueses pretendem de facto deixar muito pouco.
PÚBLICO - EDIÇÃO IMPRESSA - CULTURA
Director: José Manuel Fernandes
Directores-adjuntos: Nuno Pacheco e Manuel Carvalho
POL nº 5475
Terça, 22 de Março de 2005
"É a mudança que cria a história"
O presidente do English Heritage, o instituto britânico do património,
esteve em Portugal. Simon Thurley diz que o grande desafio é convencer
as pessoas a não trabalharem contra o desenvolvimento económico.
Para este especialista, "o património são as pessoas". E o futuro.
Por Lucinda Canelas
Simon Thurley, o presidente do English Heritage, o equivalente
britânico ao Instituto Português do Património Arquitectónico (Ippar),
esteve três dias em Portugal a visitar mosteiros e palácios. Ippar e
English Heritage assinaram um protocolo de cooperação porque, segundo
Thurley, têm muito a aprender um com o outro. Não é para menos:
Portugal e o Reino Unido nunca trabalharam juntos nesta área.
Thurley, 42 anos, dirige desde 2002 um dos maiores e mais conceituados
institutos do património do mundo - é responsável por mais de 400
monumentos e sítios, recebe do governo 177 milhões de euros por ano e
tem 11 milhões de visitantes.
Ex-director do Museu de Londres, Thurley diz que os britânicos se
interessam cada vez mais pelo património e que os organismos que o
tutelam se devem preocupar mais em "gerir a mudança" do que em tentar
impedir que ela aconteça. "O património são as pessoas e o que elas
investem nos tijolos."
É autor de livros sobre edifícios históricos e, considerado um
comunicador nato, já fez vários programas de televisão para a BBC
sobre património. Um deles, no ano passado, foi visto por mais de 1,5
milhões de pessoas. Um homem que fala da necessidade de comunicar e
ter lucro sem complexos.
PÚBLICO - O que é que aproxima o English Heritage e o Ippar?
SIMON THURLEY - O English Heritage já trabalhou com todos os países da
Europa dos 15 à excepção de Portugal, o que é muito estranho. Pelo que
pude perceber, são provavelmente mais parecidos que qualquer outras
duas organização de património da Europa: ambos têm de cuidar de
monumentos, classificar edifícios e planear.
Que projectos quer realizar com o Ippar?
Ainda é cedo para adiantar pormenores. A maioria dos sítios do English
Heritage são muito mais comerciais do que os do Ippar. E nós temos
muito a aprender com a forma como o Ippar classifica os edifícios.
Em que medida?
Em Portugal, o processo de classificação é público, o proprietário é
consultado. Em Inglaterra tudo é feito em segredo. Só se sabe que o
edifício foi classificado quando o proprietário recebe uma carta. Não
devia ser assim. O sistema português, que é mais discutido, é melhor,
apesar de mais burocrático.
No Reino Unido quanto tempo demora classificar um edifício?
Uma semana, um mês...
Em Portugal pode levar dez anos...
É um dos custos da consulta pública. Gostávamos de ter um sistema que
não fosse tão lento como o vosso mas igualmente aberto.
Qual é o vosso principal objectivo?
Garantir que o "ambiente histórico" é passado às gerações futuras tal
como chegou até nós ou melhor. Passamos muito tempo a identificar os
bens que queremos salvar e as soluções para a sua conservação.
O que é que quer dizer exactamente com "ambiente histórico"?
Preferimos usar "ambiente histórico" porque abarca tudo: paisagens,
jardins, parques, sítios arqueológicos, edifícios medievais, palácios
do século XVIII, arranha-céus dos anos 60.
Quantos bens têm de gerir?
Temos 420 sítios de gestão directa abertos ao público. Mas temos cerca
de 400 mil edifícios classificados e 30 mil sítios arqueológicos.
Quais são os principais desafios que o património britânico enfrenta?
A Inglaterra está a atravessar um período de profundas transformações
económicas, o que cria uma grande pressão nas infra-estruturas:
estradas, aeroportos. Todos estes equipamentos têm potencial para
afectar o património. O nosso desafio é fazer com que estas
transformações melhorem o "ambiente histórico".
Qual é a chave para conciliar "ambiente histórico" e desenvolvimento económico?
Convencer as pessoas de que é melhor trabalhar com o "ambiente
histórico" do que contra ele.
O financiamento não é um problema?
É um problema enorme. Este ano recebemos do Governo 177 milhões de
euros e tivemos de receitas próprias 72,4 milhões. Mas as
contribuições do Governo estiveram congeladas durante dez anos...
Os trabalhistas apoiam o património?
Não temos sido bem financiados, mas espero que no futuro venhamos a
ser porque o nosso trabalho é reconhecido assim como o papel social do
património.
Qual é o vosso ponto forte?
A mais-valia está na nossa grande experiência comercial. O sistema de
protecção do património costumava ser um dos mais avançados. Hoje não
é. É por isso que é preciso reformá-lo.
Que reforma é essa?
A conservação tinha a ver com preservação - impedir que as coisas
acontecessem. O que queremos agora é mudar a forma como as pessoas
pensam a conservação - ela tem sobretudo a ver com a gestão da
mudança. É ela que cria a história e, por isso, o "ambiente
histórico". Temos de ajudar as pessoas, que se interessam cada vez
mais pelo património, a aceitar a mudança.
Como é que explica esse interesse?
Com a própria mudança. O desenvolvimento económico faz com que as
pessoas olhem para trás à procura do que é permanente.
O que é que define o património?
As pessoas. Há dois erros comuns no que diz respeito ao património. O
primeiro é pensar que é sobre edifícios - é sobre as pessoas e o que
elas investem nos tijolos. O segundo é pensar que é sobre o passado -
é sobre o futuro, o que ficará depois de nós desaparecermos.
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