16 abril 2010

PATRIMÓNIO E CONTEMPORANEIDADE

Arttigo da revista PEDRA & CAL, nº 45, 1º trimestre de 2010:

Património e contemporaneidade

Fala-se muito, nos nossos dias, sobre "Património", "Conservação e Restauro", "Intervenções
com carácter contemporâneo", entre outros temas. Embora seja muito animador verificarmos
um crescente interesse por estes assuntos que finalmente despertam o justo interesse da nossa sociedade, sinal de que estão em plena ordem do dia, importa interrogarmo-nos sobre o que é o nosso património, o que representa, o respeito que deveremos ter por ele e que se reflecte, por exemplo, no tipo de intervenções a que o vamos submeter.

O património representa, em termos gerais, uma herança, um conjunto de bens naturais ou culturais, de importância reconhecida num determinado lugar, região, país ou, até, da humanidade. O caso particular do património arquitectónico engloba todos os monumentos, conjuntos arquitectónicos e sítios. Representa a herança cultural de um povo, com os seus costumes e a sua história. Também se aplica às obras modestas que, com o tempo, adquiriram significado cultural. Conseguimos, as¬sim, identificar imediatamente um monumento ou um sítio nas regiões por onde os nossos antepassados andaram e deixaram memória. É esse o objectivo que se pretende atingir: salvaguardar a herança arquitectónica e cultural de um povo intervindo nela com respeito pelas suas origens, de modo a preservar as partes ou características que transmitem o seu valor histórico, cultural, arquitectónico e simbólico.

É do conhecimento comum o mau estado em que se encontra uma grande parte dos nossos monumentos, conjuntos arquitectónicos e sítios, fruto do abandono, de acidentes, de maus critérios de intervenção, entre outros factores. As razões destes problemas perdem-se no tempo. Poder-se-á referir, por exemplo, o desconhecimento das técnicas tradicionais, postas em causa nos últimos tempos com o desaparecimento da mão-de-obra especializada, e o ritmo cada vez mais elevado exigido à construção nos nossos dias.

No final do século passado, e durante muitos anos, verificou-se um ritmo descontrolado de construção nova, de baixo nível de qualidade, com o abandono e consequente degradação das construções e centros históricos.

Com a construção de novos edifícios para habitação e das grandes superfícies comerciais na periferia dos centros urbanos, os centros históricos ficaram cada vez mais desertificados, não favorecendo a preservação dos valores culturais, ao contrário dos centros históricos de uma grande parte das cidades europeias. Esta situação originou o abandono, delinquência e desmotivação das pessoas que nos visitam, com reflexos em termos económicos e na imagem que é transmitida. Actualmente, verifica-se, paulatinamente, uma revolução na mentalidade dos cidadãos, em parte fruto da crise no investimento na construção nova e, também, de uma nova maneira de olhar para o nosso património e de o entender. São tempos de reflexão, de acerto de estratégia, considerando a reabilitação como a saída natural para a crise criada com a estratégia errada nos finais do século passado.

Com o alargamento da Europa, em termos de unidade europeia, na sequência da Carta de Veneza e de vária produção doutrinária internacional, surgiu, em 2000, a Carta de Cracóvia. Esta vem sublinhar a grande diversidade das múltiplas identidades que constituem a Europa actual e assegurar o respeito e a coexistência de todas as diferentes identidades, de modo a que o projecto de conservação e restauro do património construído reflicta uma evolução dos seus valores sociais e científicos.
Na conservação dos monumentos e edifícios com valor histórico terá de se ter em conta a sua autenticidade e integridade.

As decisões e escolhas a fazer deverão equacionar-se numa perspectiva de fruição futura, acompanhando o alargamento do conceito de património construído, considerando os vários conceitos de manutenção, reparação, restauro, renovação e reabilitação, bem como a sua consideração em cada caso específico de intervenção. Para estes objectivos poderem ser atingidos, de modo a não se cometerem os mesmos erros do passado, deverá ser encorajado o recurso a novas tecnologias e novas práticas, fazendo uso dos critérios de eficácia, compatibilidade, durabilidade, reversibilidade e, também, eficiência, de uma forma responsável e sustentada. A sustentabilidade é, segundo Chrisna du Plessis, "o regime capaz de permitir a existência continuada do ser humano, possibilitando uma vida segura, saudável e produtiva às sucessivas gerações, em harmonia com a natureza e com os valores culturais e espirituais locais".

Por último, mas não menos importante para a salvaguarda do nosso património construído, as intervenções deverá ser sempre executadas por empresas com qualificação específica, devendo o lançamento de concursos de obras de intervenção ser realizado em moldes que assegurem que os concorrentes possuem a necessária qualificação. Este requisito vem, aliás, na sequência das cartas e declarações internacionais, que o nosso país subscreveu e se comprometeu a implementar. Não nos podemos esquecer de que o nosso património é a nossa herança, o que recebemos dos nossos antepassados, mas, também, é o que, por sua vez, iremos deixar aos nossos sucessores. Para isso, deveremos tratá-lo e acarinhá-lo da melhor forma.

Filipe Ferreira, director do GECoRPA ( Grémio das Empresas de Conservação e Restauro do Património Arquitectónico)

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