O Órgão
Histórico da Igreja da Misericórdia Celebra 250 Anos
(Segunda parte)
Daniel Oliveira
Organista titular, professor de Órgão no Conservatório Nacional de Lisboa
e no Conservatório de Música de Torres Vedras.
Na primeira parte deste trabalho (Jornal BADALADAS de 26 de Maio),
contámos a história deste instrumento secular. Hoje concluímos com as
referências ao seu uso contemporâneo, forma de o manter cada vez mais vivo.
A criação de uma escola de Órgão
“Respeitar o passado para compreender e servir o presente”
foi o lema utilizado pelo saudoso Sr. Vasco Fernandes, antigo Provedor da Santa
Casa da Misericórdia de Torres Vedras que sempre sonhou com o restauro do
instrumento. De facto, este lema foi colocado em prática logo após o concerto
inaugural do mesmo, em 2008, pelo organista João Vaz e a soprano Ana Ferraz.
Após um restauro é fundamental dar uma “nova vida” ao
instrumento e que o mesmo dialogue com o meio onde se insere. Sendo este, ainda
hoje, o único órgão de tubos ativo no concelho de Torres Vedras, houve desde
logo a necessidade de criação de público e, consequentemente, a necessidade de
criar uma escola que formasse jovens organistas e sensibilizasse a comunidade
para este instrumento, valorizando-o e dando a conhecer compositores e obras
musicais dedicadas ao mesmo. Em 2009, numa feliz parceria entre a Santa Casa da
Misericórdia e o Conservatório de Música da Física de Torres Vedras, foi
possível a abertura do curso oficial de Órgão no concelho. Desde então, as
aulas e as audições dos alunos contribuíram para uma descoberta maior do
instrumento, passando já por esta classe de órgão umas boas dezenas de alunos.
Actualmente, e graças a este cativante instrumento, a classe de órgão do
Conservatório de Música da Física, é composta por cerca de 25 alunos, contando
com dois docentes do instrumento.
O Ciclo de Órgão de Torres Vedras e a Sua Presença na
Comunidade
Com a criação de uma classe de órgão, surge também a
necessidade de criação de momentos de fruição artística, onde o órgão histórico
interagisse de uma forma mais direta com a comunidade.
Começou-se então a dar os primeiros passos neste campo. Em
2010 surgem os primeiros concertos de órgão que tinham como principal objectivo
ancorar o instrumento na comunidade e dar a conhecer práticas musicais,
compositores e géneros certamente nunca ouvidos neste espaço geográfico, mas
mantendo sempre o foco na historicidade do instrumento, divulgando a música e
compositores do tempo da construção do mesmo.
Embora estes concertos surgissem num contexto muito informal
e simples, começou a ser notório o carinho que a população torreense nutria
pelo espaço e pela música que ali se fazia, convidando sempre o público a uma
autêntica viagem pela História, pela nossa história.
Mais tarde, em 2015, surge o Ciclo de Órgão de Torres Vedras
na sua primeira edição, contando com a organização da Câmara Municipal de
Torres Vedras e da Santa Casa da Misericórdia. Um Ciclo onde o órgão histórico
Bento Fontanes era o digno anfitrião. Até hoje este Ciclo tem trazido
organistas de renome internacional, ajudando jovens organistas a afirmarem-se
no panorama artístico regional e nacional, bem como a colocar este instrumento
na rota dos Órgãos Históricos da Europa, sobretudo através da transmissão
online dos recitais, levando Torres Vedras e este autêntico documento histórico
vivo a todo o mundo.
Celebrando a V edição deste ciclo, foi lançado um CD que
documentou música portuguesa e italiana dos séculos XVIII e XIX neste mesmo
instrumento. Foram intérpretes Daniel Oliveira ao órgão, Marcos Lázaro no
violino barroco e foi editado pela editora francesa FSB.
CD lançado em 2020 que regista discograficamente o
Órgão da Igreja da Misericórdia
Um instrumento ou um documento histórico
O órgão de tubos é, sem dúvida, o instrumento de tecla mais
antigo que se conhece. Os mais antigos terão cerca de 600 anos de existência.
Ao contrário de outros instrumentos históricos, que ficam em
exposição em museus sendo possível fazer cópias dos mesmos mas não serem usados
regularmente, os órgão históricos presentes nas igrejas são, por um lado,
instrumentos originais que transportam consigo um legado ou herança cultural,
religiosa e musical de vários séculos, catalogando-se como peças de museu, mas
por outro lado, são objectos vivos, que soam e que conseguem reproduzir
autenticamente as sonoridades de uma determinada época naquele mesmo espaço.
Assim, o Órgão da Igreja da Misericórdia de Torres Vedras é, simultaneamente,
um instrumento musical e um autêntico documento do século XVIII.
Uma pérola do nosso património que interage de forma
multidisciplinar. Na educação através do ensino da música aos mais jovens, na
sociedade através da criação de uma nova oferta cultural, na religião ajudando
os crentes na oração, e na revitalização do centro histórico da cidade. São 250
anos bem celebrados e que merecem o nosso aplauso, com os votos de boa saúde,
com muita atividade em prol dos torreenses.
A classe de Órgão surge em prol do instrumento histórico da
Igreja da Misericórdia que, através das suas sonoridades envolventes e
motivantes, tem cativado inúmeros alunos ao longo destes anos.
De referir que os alunos participam ativamente em concertos
neste mesmo instrumento, bem como a realização de Masterclasses por organistas
nacionais e estrangeiros tem sido uma constante, proporcionando uma forte
interação entre o órgão histórico da Santa Casa da Misericórdia e os alunos
torreenses, que estudam no Conservatório de Música da Física, que neste momento
se encontra com as suas inscrições abertas, convidando toda a comunidade a
conhecer e estudar este instrumento maravilhoso.
Testemunhos
" O Órgão da
Igreja da Misericórdia foi marcante para a minha formação. Ali aprendi a voar
pela história da música e dos sons. Hoje, sou licenciada em relações
internacionais, mas as aulas na Misericórdia marcaram-me para sempre"
Bárbara Pereira, antiga aluna de Órgão da Física de Torres Vedras
"Quando ouvi pela
primeira vez o órgão histórico da Misericórdia, senti que era algo diferente de
qualquer outro instrumento. Foi numa demonstração de instrumentos e, desde
logo, senti que queria tocar este instrumento."
Bernardo Picoto, Antigo aluno da classe de Órgão do Conservatório de
Música da Física.
Concerto com a
participação do coro masculino da Escola de Música da Física
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