05 dezembro 2022

VISITA GUIADA – 3 DEZEMBRO 2022 - LOURINHÃ HISTÓRICA E SANTUÁRIOS MARIANOS DE TORRES VEDRAS

 

Um grupo de 50 pessoas, que gosta de conhecer o Património cultural, entrou em contacto com a Associação do Património de Torres Vedras para que organizasse uma visita guiada. Em Abril de 2022 já tinham vindo a Torres Vedras, onde fizemos uma jornada patrimonial muito interessante e que teve grande aceitação. Desta vez alargámos o âmbito geográfico.


LOURINHÃ: Centro de Interpretação da Batalha do Vimeiro (Séc. XIX) e

Igreja Matriz (Séc. XIV)

TORRES VEDRAS: Santuários marianos (Séc. XVIII): Nª Srª da Purificação (aldeia do Sirol – Dois Portos) e Nª Srª dos Milagres (Dois Portos)

Concepção do percurso e acompanhamento: Joaquim Moedas Duarte

moedasduarte@gmail.com / 962435928

(ASSOCIAÇÃO PARA A DEFESA E DIVULGAÇÃO DO PATRIMÓNIO CULTURAL DE TORRES VEDRAS)

em parceria com "Organização:- Ana Homem de Almeida anafhomem@gmail.com"


ITINERÁRIO

  8H00 – Partida de Lisboa

                 Horas previstas de chegadas:

  9H10 –Torres Vedras: café no centro da cidade

10H00 –Vimeiro (Lourinhã): Visita ao Centro de Interpretação da Batalha do 

               Vimeiro, com guia local

11H30 – Lourinhã: Visita à Igreja Matriz, acompanhada pela profª Teresa Faria, da Associação

                do Património da Lourinhã

13H00 – Restaurante O TEIMOSO,  Casal do Forno (Entre Lourinhã a T. Vedras):

               Almoço (Menu: entradas / Sopa de legumes / Bacalhau à Teimoso / Lombo de porco

               com ananás/Sobremesa: profiteroles c/ bola de gelado/ Bebidas: vinho banco e tinto,

               minis, sangria, refrigerantes, água mineral / Cafés

15H30 – Sirol (Dois Portos): Ermida de Nª Srª da Purificação

16H30 – Dois Portos: Santuário de Nª Srª dos Milagres

18H00 – Torres Vedras (saída do guia), regresso a Lisboa.







 

« O Centro de Interpretação​ da Batalha do Vimeiro (travada a 21 de agosto de 1808) foi construído no campo da batalha, e possui uma coleção constituída por armamento, fardamento, documentação da época e peças arqueológicas únicas, que retratam as Guerras Peninsulares e as Invasões Francesas. 

O Centro é composto por duas salas de exposição permanente no piso 1 e uma sala de exposições temporárias, uma biblioteca e o auditório no piso – 1. Tem uma área envolvente de grandes dimensões (que inclui o campo de batalha) e um espaço de estacionamento».

In: http://business.turismodeportugal.pt/pt/crescer/Historias_Sucesso/Paginas/centro-interpretativo-da-batalha-do-vimeiro.aspx


Igreja do Castelo / Igreja Paroquial da Lourinhã / Igreja de Nossa Senhora da Assunção






«Arquitectura religiosa, gótica. Igreja paroquial de influência mendicante: de 3 naves, a central, com clerestório, mais alta e separada das colaterais por arcadas de pilares finos e alçado interior de 2 andares, sendo apenas abobadada a capela-mor. A rosácea assemelha-se à do topo do transepto da Sé de Évora e o interior é pouco iluminado. As arquivoltas do portal axial são de tipo arcaico, mas bem modeladas. As representações dos capitéis (tais como os do portal lateral) são ingénuas e grosseiras, mas têm dramatismo. Os capitéis do interior, ainda que repitam elementos surgidos noutros monumentos, aqui atingem a fase de maior naturalismo e perfeição do gótico português».

 http://www.monumentos.gov.pt/Site/APP_PagesUser/SIPA.aspx?id=6326

O templo que hoje se visita resulta do restauro da DGEMN, entre 1931 e 35, que procurou restituir ao velho edifício, muito alterado, a feição mais próxima do seu traço original.



Ermida de Nª Srª da Purificação, Sirol




(Fotos JMD)

«Pequena e de aspeto modesto, a Capela de Nossa Senhora da Purificação encerra no seu interior um conjunto surpreendente de estuques da segunda metade do século XVIII, que revestem completamente paredes e abóbada. De um lado e de outro, quatro grandes pai­néis de estuque, representando os Evangelistas, e, ladeando o arco triunfal, S. Sebastião e Santa Bárbara. Alguns motivos decorativos, de excelente desenho, reve­lam modelos eruditos e são característicos da época.

Bons os silhares de azulejos, do final do séc. XVIII.

Na capela-mor é possível apreciar ainda melhor a qualidade dos estuques, por estarem menos engrossados por caiações posteriores, e bem assim o verdadeiro azul que servia de fundo, que no corpo da capela é menos fino. Ao centro do altar, uma notável imagem de Nossa Senhora com o Menino.

Na fachada, uma inscrição diz ter sido benta a capela a 26 de Julho de 1749.»


(in: Monumentos e edifícios notáveis do distrito de Lisboa – Torres Vedras, Lourinhã, Sobral de Monte Agraço, Junta Distrital de Lisboa, 1963)



Capela de Nª Srª dos Milagres



(Foto JMD)

Perto do lugar da Folgorosa, Dois Portos (Torres Vedras), no cimo de uma das características colinas do Oeste, com ampla panorâmica paisagística, situa-se a capela de Nª Srª dos Milagres. Precedida de galilé, a nave única é revestida de azulejos de tapete do séc. XVII, com tecto de masseira de largos caixotões decorados com ornatos do séc. XVIII. A capela mor, com pinturas no arco triunfal, apresenta painéis figurados, séc. XVIII, com cenas alusivas ao nascimento de Cristo.

Esta capela está associada à lenda de um milagre, ligada  a  uma fonte do séc. XVIII,  construída ali perto. Foi destino de romarias antigas, vindas de longe  e mantém-se ainda como lugar de devoção das povoações vizinhas – Alfeiria e Maceira – que a preservam com grande zelo.




20 setembro 2022

THOLOS DO BARRO - ESCAVAÇÕES ARQUEOLÓGICAS 2021/2022 - Jornal BADALADAS, 26 AGOSTO 2022

 

Escavações arqueológicas no Tholos do Barro, 2021/2022

 

 Ana Catarina Sousa 

UNIARQ, Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa

Isabel Luna  

Museu Municipal Leonel Trindade, Município de Torres Vedras


Concluiu-se em Junho passado a campanha de escavação arqueológica do Tholos do Barro (Torres Vedras) iniciada em 2021, mais de um século depois da descoberta, escavação e classificação, como Monumento Nacional, deste sepulcro pré-histórico. Os trabalhos, coordenados pelo Centro de Arqueologia da Universidade de Lisboa (UNIARQ) e pelo Museu Municipal Leonel Trindade, resultaram de um protocolo de colaboração firmado entre o Município de Torres Vedras e a Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa que, simultaneamente, permitiu uma formação prática, em contexto de campo, a alunos de licenciatura, mestrado e doutoramento em Arqueologia. A investigação do monumento foi determinada pela Direcção Geral do Património Cultural, como medida de diagnóstico e registo prévio, indispensável à intervenção de melhoria das condições de segurança, acessibilidade e fruição pública, que o município pretende desenvolver naquele sítio arqueológico, a exemplo do que já foi feito no Castro do Zambujal.

Correspondendo ao convite da Associação de Defesa do Património de Torres Vedras – que tem acompanhando este projecto com entusiástico interesse –, recorremos a este espaço de divulgação patrimonial, para partilhar, em linhas muito gerais, as primeiras notas desta campanha arqueológica.

As novas escavações realizadas no tholos – designação atribuída a sepulcros megalíticos de câmara funerária circular e cobertura em falsa cúpula – tiveram como objectivo reunir o máximo de informação sobre a arquitectura e os usos funerários e simbólicos deste singular monumento arqueológico, que sustentem uma intervenção de valorização do sítio e forneçam os conteúdos necessários à musealização do imóvel. Não é possível divulgar aquilo que não se conhece!

Situado no cimo do Monte da Pena, o tholos apresenta uma implantação muito pouco frequente neste tipo de monumentos. Com efeito, no território português apenas se conhece um outro sepulcro de falsa cúpula situado no topo de uma elevação: o tholos do Monge, na serra de Sintra.


A estrutura arquitectónica do tholos do Barro corresponde aos cânones dos tholoi do sul da Península Ibérica, apresentando um aparelho construtivo muito robusto, quase ciclópico, onde se destaca uma câmara funerária de dimensões extraordinárias: com 6,20 m de diâmetro, é a maior até agora encontrada na Península Ibérica. O corredor que dá acesso à câmara está orientado no sentido norte-sul, com a abertura voltada a sul, característica também pouco frequente, pois, por norma, os tholoi e as antas costumam estar voltados a nascente.

Datado do 3.º milénio a. C. (período Calcolítico), o monumento do Barro apresenta, também, abundantes vestígios materiais da Idade do Bronze. O registo deste espólio, recolhido maioritariamente no início do século XX e repartido entre o Museu Nacional de Arqueologia e o Museu Municipal Leonel Trindade, é muito deficitário, não apresentando informações concretas sobre o contexto arqueológico e o local específico de recolha, o que nos impede de compreender adequadamente as dinâmicas de utilização do sítio.

Desde a primeira escavação, realizada em 1909, o monumento foi sucessivamente citado e revisitado. Contudo, muito pouco se conhecia da sua estrutura e da sua história: não existia um levantamento arquitectónico fiável e actualizado, não possuía qualquer datação de radiocarbono que balizasse a sua cronologia e, sobretudo, não se compreendia a sucessão de utilizações, entre a Idade do Cobre e a Idade do Bronze.

Em 2021 foi possível, pela primeira vez, obter uma leitura integral das estruturas arquitectónicas e identificar a presença de vestígios de deposições funerárias na câmara e no corredor do monumento.

A campanha de 2022 teve como principal objectivo a escavação do átrio, junto à fachada do monumento, e dos vestígios de deposições funerárias mais tardias, feitas no corredor, aparentemente já após a selagem da câmara. Os trabalhos permitiram identificar uma intensa actividade simbólica e funerária na parte exterior do monumento, incluindo a construção de um murete, que delimita parcialmente a zona da entrada. Esta estrutura poderá estar associada à presença de um monólito, cuja origem é extrínseca ao local. Os materiais recolhidos (cerâmicas e materiais metálicos) parecem indicar uma cronologia da Idade do Bronze, sustentada por uma datação absoluta da primeira metade do 2.º milénio a. C. (Bronze Antigo e Pleno). Foi ainda confirmada a presença, na envolvente do monumento, de zonas de concentração de materiais do final da Idade do Bronze, sem qualquer material osteológico associado, indicando uma prática de visitações ao local, já não de natureza funerária, numa época mais recente.

O trabalho de pesquisa, contudo, não se limita à campanha de campo. Em curso está o estudo integral do espólio depositado em museus, bem como uma aturada pesquisa arquivística. O cruzamento da informação documental conservada em museus e arquivos, com os resultados das escavações arqueológicas, permitirá uma melhor aproximação à história do monumento, sendo ainda necessário aguardar pelos diversos estudos analíticos da informação recolhida: antropologia física (patologias, dietas alimentares, mobilidade, ancestralidade), geologia (estudo geológico do sítio, do material de construção e do espólio), cronologia absoluta (datações de radiocarbono) e estudo dos contextos arqueológicos preservados, para se poder enquadrar o espólio previamente recolhido.

A equipa integra vários especialistas que se associaram ao projecto, nomeadamente João C. Duarte (Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa) e Ana Maria Silva (Universidade de Coimbra), contando ainda com a consultoria do Prof. Victor S. Gonçalves (UNIARQ - FLUL).

Mais de um século após a sua descoberta, o tholos do Barro guarda ainda muita informação, que continuaremos a investigar, em prol do conhecimento e da divulgação deste importante património colectivo.

 

 

 





 [ Fotos: equipa da UNIARQ, Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa]




 


UM CURSO NOCTURNO EM S. PEDRO DA CADEIRA - JORNAL BADALADAS, 29 JULHO 2022

 

Memória de uma escola nocturna, em 1872-1873,

na freguesia de S. Pedro da Cadeira

Manuela Catarino

 

Ao longo do século XIX, as mudanças políticas propiciadoras do advento do liberalismo acabaram também por contribuir para algumas alterações no ensino. Numa fase primeira desse século, o mestre das primeiras letras foi sendo olhado como alguém que devia ser formado em instituições próprias a fim de obter os conhecimentos e as técnicas da profissão a desempenhar. Data desse período a sucessiva discussão e desenvolvimento dos três métodos de ensino – de ensino mútuo, de leitura repentina e a cartilha maternal – que pretendiam ser a solução para os problemas educacionais[1].

De igual forma, o debate em torno da alfabetização começou a ganhar uma maior proeminência entre os que se preocupavam com o futuro da vida nacional. Justino Pereira de Magalhães apresenta para meados do século do século XIX uma taxa que se situava acima dos 75%, se referenciada a ambos os sexos. Salienta o mesmo autor que a redução dessa taxa só atingiria um valor inferior a 50% em meados do século XX[2]. Se nos circunscrevermos ao concelho de Torres Vedras, encontraremos igualmente em Venerando Matos valores de analfabetismo que, ainda hoje, nos confrangem: 1878 – 86,07%, 1890 – 84,71%, 1900 – 83,31%[3].

Compreender-se-ão, à luz destes, essoutros números que D. Antonio da Costa, em 1870, lançava aos políticos nacionais como chamada de atenção para o que sucedia na Europa do seu tempo:  Em Hespanha ha 1 escola para 600 habitantes, em França, Baviera, Italia, Hollanda e Inglaterra 1 para 500 e 400. Na Suiça 1 para 300. Nos Estados Unidos 1 para 160. Na Prussia 1 para 150. Em Portugal 1 escola para 1:100 habitantes[4].

A irregularidade da frequência e a falta de aproveitamento verificado eram os factores que penalizavam os já de si poucos alunos que frequentavam as escolas em Portugal. Os professores de instrução primária desta segunda metade do século XIX bem tentavam ultrapassar a situação: forneço a muitos d’estes papel, tinta, pennas e livros, e no meio d’estes sacrifícios a frequencia continua muito irregular. Ha alunos que em todo o anno não chegam a frequentar um mez[5].

Todavia não eram apenas os mais novos que mereciam o olhar atento dos pedagogos nacionais. Os adultos analfabetos ou minimamente alfabetizados foram concentrando alguma atenção sobre si. Dessa forma, assiste-se à criação de cursos nocturnos, procurando dar instrução às pessoas que precisavam de trabalhar durante o dia para garantir o sustento diário. O ministro do reino, Martens Ferrão, em 1866, instava junto dos governadores civis para que abrissem cursos nocturnos nas várias localidades, sustentados por meio de gratificações das camaras municipaes e juntas de parochia[6]. O inicio foi prometedor: em 1867, abriam-se no reino português 545 cursos nocturnos. Todavia poucos subsistiram. Em 1870, lamentava-se a extinção da quase totalidade, ficando muitas das gratificações por pagar aos respectivos professores[7].

Uma escola nocturna em Portela de Belmonte

O acompanhamento de meninos na cadeira das primeiras letras, na freguesia de S. Pedro da Cadeira, encontra-se atestado, em sequência, desde 1822, por mestres laicos, de que o reverendo João da Anunciação será, em 1862, a excepção[8]. Os valores da frequência encontram-se de acordo com a realidade nacional que antes referimos.

Em pesquisas no Arquivo Municipal de Torres Vedras encontrámos, porém, uma breve memória referente a um curso nocturno que funcionou no ano lectivo de 1872-1873 no lugar de Portela de Belmonte daquela freguesia. Ter-se-iam inscrito 45 alunos, embora apenas 18 fossem de maior regularidade. As idades variavam entre os 16 e os 30 anos. Desses, um, frequentava em paralelo as aulas diurnas e as nocturnas. Criado em 2 de Dezembro de 1871, funcionou entre os meses de Outubro a Março, do ano seguinte, com um total de 123 lições. Era professor José Francisco d’ Albuquerque auferindo a gratificação da Câmara Municipal de Torres Vedras de 14:400 réis.

Esse esforço de acompanhar jovens adultos a completar, ou a iniciar a sua instrução, afastando-os dos efeitos desastrosos do analfabetismo está aqui bem patente. Sabendo-se como na ruralidade o trabalho diário requer o contributo de todos os braços disponíveis, não se estranha que muitos pais não tivessem como prioridade a instrução dos seus filhos. Era essa a prática então. Caberia, pois, aos poderes públicos, contribuir para a alteração dessa mentalidade, mas e principalmente aos professores, que assim o entendiam, lutar tenazmente pela mudança. Atrevemo-nos a acreditar que seria esse o entendimento de José Francisco d’Albuquerque.

Curiosa a existência desta memória pois, conjugando-a com outros dados, podemos perceber que José Francisco d’Albuquerque era o mestre de primeiras letras que, em 1850, havia sido provido na escola diurna de S. Pedro da Cadeira e aí continuara pelo menos até 1857 quando outro professor assumiu a função. Nascido em Lisboa, na freguesia da Lapa, em 1826, veio a casar, em 1848, com Ludovina da Conceição Reis, natural de Santo Isidoro, concelho de Mafra. Em 1850 nasceria ao casal um filho – Eduardo Sebastião dos Reis Albuquerque. Entre 1883/1889 e 1891/1892 seria ele a assegurar o lugar de professor oficial da escola pública do ensino primário do lugar da Coutada, na mesma freguesia. Posteriormente, caberia à sua filha Laura do Rosário Reis de Albuquerque, em 1913, nessa escola[9], continuar o longo caminho de serviço público de qualidade e profissionalismo iniciado pelo avô.

José Francisco d’ Albuquerque viria a falecer com 69 anos, na Coutada, já viúvo, embora ainda em 1888 tenha percorrido a freguesia de S. Pedro da Cadeira, acompanhando seu filho Eduardo Albuquerque, ambos como agentes recenseadores do inquérito agrícola realizado esse ano. As suas assinaturas são maioritárias face ao muito reduzido número das que os respondentes apuseram nos boletins – evidência gritante do analfabetismo existente.

A instrução pública, nos tempos seguintes, iria continuar a depender do sentido cívico de outros habitantes da freguesia que lutaram para a concretização dos seus sonhos ao serviço da comunidade. Não temos notícia que se tenha, mais alguma vez, retomado este molde do ensino de curso nocturno. Foi este um fugaz episódio, mas que terá constituído verdadeiro desafio para quem nele se envolveu, permanecendo hoje como incentivo e memória patrimonial a não esquecer.

  

 Texto escrito segundo a antiga ortografia

 

Mapa estatístico da escola nocturna de S.Pedro da Cadeira - 1872 a 1873

 

 



[1] António Nóvoa, “Do Mestre-Escola ao professor do ensino primário. Subsídios para a história da profissão docente em Portugal (Séculos XV-XX)”, Análise Psicológica, 3 (V), 1987, pp.413-440.

[2] Justino Pereira de Magalhães, “Ler e escrever no mundo rural do Antigo Regime. Um contributo para a história da alfabetização e da escolarização em Portugal”, Análise Psicológica, 4 (XIV), 1996, pp.438-439.

[3] Venerando Aspra de Matos, “O tempo e o modo na construção de uma vila – Século XIX”, Nova História Local –Torres Vedras, Carlos Guardado da Silva (coord), Edições Colibri, Câmara Municipal de Torres Vedras, Universidade de Lisboa, Faculdade de Letras, Instituto de Estudos Regionais e do Municipalismo Alexandre Herculano, 2018, p.171.

[4] D. Antonio da Costa, Instrucção Nacional, Imprensa Nacional, Lisboa, 1870, p.112.

[5] Ibidem, pp.115-116

[6] Ibidem, p.121.

[7] Ibidem, pp.121-123.

[8] Manuel Agostinho de Madeira Torres, Descrição Económica da Vila e Termo de Torres Vedras, 3ª edição, Edições Colibri/ Câmara Municipal de Torres Vedras, 2020, p.34, Nota dos Editores da 2ª edição.

[9] Manuela Catarino, S. Pedro da Cadeira. História, Memórias e Património de uma freguesia torriense, Junta de Freguesia de S. Pedro da Cadeira, 2021, pp. 124-125.





COLEÇÃO DE GARRAFAS NO RAMALHAL -- JORNAL BADALADAS - 24 JUNHO 2022

 

COLEÇÃO DE GARRAFAS NO RAMALHAL

UM CONTRIBUTO PARA O ESTUDO DO PATRIMÓNIO INDUSTRIAL

Sérgio Rosa e António Rosa




O primeiro contacto com esta coleção foi de fascínio imediato. Muito mais do que colecionar garrafas, esta é uma forma superior de preservar materiais que nos informam sobre aspetos importantes do nosso Património Industrial. À nossa curiosidade, pai e filho Rosa responderam com um texto que nos elucida sobre esta fabulosa coleção.

Aqui fica o reconhecimento ao António Rosa, (72 anos, natural de Torres Vedras, Professor de História, aposentado) e ao Sérgio Rosa, (43 anos, natural de Torres Vedras, Gestor de Projetos de Sistemas Inteligentes de Transportes). | Joaquim Moedas Duarte



COLECIONISMO COMO DISCIPLINA AUXILIAR DA HISTÓRIA

Objeto da coleção: Garrafas de vidro em alto-relevo ou pirogravadas (rótulos gravados a fogo) destinadas ao envase e comercialização de refrigerantes, águas, cervejas e leite com produção de origem portuguesa.

Cronologia: Finais do século XIX e XX.

Espaço geográfico: Portugal continental e ilhas.

O colecionismo deste tipo de objectos começa, certamente, pelo gosto estético do objeto em si, pela sua singularidade e exclusividade. Porém, ao contrário de outros tipos de coleção, como por exemplo a filatelia ou a numismática, que estão relativamente bem documentados e padronizados, esta coleção apresenta outros desafios, pois é uma temática pouco estudada e, como tal, a informação disponível é escassa, faltam metodologias de inventariação padronizadas e a comunidade de entusiastas é relativamente diminuta.

Na sua essência, segue os mesmos princípios do colecionismo em geral que, genericamente, consiste em reunir, organizar, valorizar e preservar um determinado tipo de objeto. Tais princípios garantem o seu reconhecimento como instrumento auxiliar do conhecimento histórico.

Reunir

Todas as coleções têm um ponto de partida e neste caso é necessário recuar à década de 50 do século XX, altura em que um armazém de Torres Vedras, agente distribuidor dos refrigerantes AUÁ e SUMOL, era responsável pela receção das taras e depósito de vasilhame. Os funcionários tinham de fazer a seleção de todo o vasilhame recebido, pois a fábrica apenas recebia as taras originais. Assim sendo, e ao longo dos anos, foram acumulando garrafas, que embora semelhantes às dos refrigerantes mencionados não eram da marca original. Esta “fraude” permitiu preservar muitas destas garrafas salvando-as do vidrão.

Este conjunto de garrafas foram assim os primeiros exemplares adquiridos e consequentemente o ponto de partida da coleção. Como em todas as coleções, se por um lado, no início, reunir e adquirir novos objetos é relativamente fácil, através de compras em feiras de velharias ou sítios de internet de comércio eletrónico, com o crescimento da coleção esta tarefa vai ficando cada vez mais difícil, resumindo-se em última instância a trocas diretas com outros colecionadores. 

De salientar que nos dias correntes, devido ao desconhecimento do potencial valor destas garrafas, muitos exemplares são muito provavelmente depositados nos vidrões para reciclagem e consequentemente muitas garrafas foram irremediavelmente perdidas não sendo conhecidos exemplares em coleções.

Atualmente a coleção conta aproximadamente com 1200 exemplares de 260 marcas diferentes. 

Organizar

Tendo como objetivo principal a ordenação da coleção e tendo em conta a inexistência de metodologias de inventariação padronizadas, várias linhas de investigação são estudadas e devidamente documentadas, para estabelecer, da forma o mais precisa possível, alguns parâmetros que permitem colocar a garrafa no seu contexto: unidade fabril, cronologia de fabrico e circulação e geografia de distribuição. Este processo é feito através da consulta de:

·       - Publicidade em jornais locais;

·       - Informação disponível em arquivos distritais e municipais relativa a emissão de alvarás de laboração;

·  - Análise dos rótulos através da identificação de algumas características que permitam datar aproximadamente a ano de fabrico, tais como alguns dados que apenas passaram a constar após 1959 – ano em que a indústria dos refrigerantes é devidamente regulamentada – ou o número de dígitos do contacto de telefone, entre outros;

·       - Características morfológicas do vasilhame e respetivas fábricas vidreiras que permitem a datação dos períodos de produção de cada tipo de garrafa;

·       - Troca de informação com outros colecionadores. 

Valorizar e preservar

O colecionismo de garrafas de refrigerantes portugueses leva indubitavelmente a que o colecionador se torne num investigador dos mais variados domínios que lhe estão associados, de modo a enriquecer a história de cada um dos objetos.

Partindo do princípio que cada garrafa é um objeto único, importa estudar as suas características morfológicas, assim como a análise gráfica dos rótulos, quer estes sejam pirogravados ou em papel.     

Podemos afirmar que, no seu todo, esta coleção permite ajudar a traçar o percurso evolutivo da indústria de refrigerantes nacional.

Em súmula, esta é uma coleção motivada pelo valor artístico, quer das garrafas e respetivos rótulos quer pela função e valor social que desempenhou ao longo de tantos anos e pretende partilhar alguns fragmentos da história industrial e social portuguesa que importa registar e salvaguardar para memória futura.



                    



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Curiosidades

·       Até à década de 50 a indústria de refrigerantes portuguesa tinha uma laboração  muitas vezes sazonal, com maior incidência nos meses de verão, com fábricas de cariz familiar em que a área de distribuição era geralmente circunscrita ao próprio concelho.

·       A indústria dos refrigerantes é devidamente regulamentada através do Decreto-Lei nº 42159, de 25 de fevereiro de 1959 que, entre outras medidas, veio impor o fim da garrafa de pirolito devido ao seu sistema de selagem.

·       Haverá, pelo menos, uma ou duas dezenas de colecionadores, uns com maior espólio, outros com algumas raridades.

·       Ao certo, só temos conhecimento de dois trabalhos publicados, um no jornal “Cultura Sul”, do professor de História e colecionador Joaquim Parra, mas que se restringe ás marcas de refrigerantes e respetivos produtores do Algarve; e outro, “Garrafas de refrigerante: Formas, imagens e a sua circulação na indústria portuguesa entre 1870 e 1980”,  dissertação de mestrado de História na Faculdade de Letras da Universidade do Porto, de autoria de João Luís de Castro Martins Borges.

·       Muitos dos colecionadores são quem preserva exemplares que são elementos de arqueologia industrial sujeitos a desaparecer.

·       Não existe compilada uma inventariação da Indústria de Refrigerantes e da associada Indústria de Vasilhame a nível nacional.  

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26 maio 2022

TECTOS MUDÉJARES DE TORRES VEDRAS

 Página PATRIMÓNIOS no BADALADAS - 27 MAIO 2022

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OS TECTOS MUDÉJARES DE TORRES VEDRAS 

Joaquim Moedas Duarte 

Professor / investigador de História

 

Nestas semanas mais recentes, depois da paragem de tantos meses, exigida pela pandemia, voltámos a guiar visitas culturais de muitas dezenas de pessoas que vieram até nós para conhecerem o Património edificado torriense. Seja no Centro Histórico, seja noutros locais do concelho, fomos ouvindo apreciações que, de forma espontânea, enalteciam o que se ia observando. “Quantas vezes passei por Torres Vedras e nunca vi esta maravilha!” – referindo os azulejos, a talha dos altares, os embrechados de mármore, as telas pintadas, os vestígios pré-históricos, os claustros. Ou os muito raros tectos mudéjares no Convento do Varatojo e na Igreja de Dois Portos.

Fixemo-nos hoje sobre esta preciosa particularidade do nosso Património

 

A arte mudéjar 

De que estamos a falar? Trata-se de uma herança técnico-cultural da presença muçulmana na Península Ibérica que deixou marcas notabilíssimas em Espanha (Córdova, Granada, Sevilha…) e, em menor escala, em Portugal, onde ganhou maior notoriedade durante o reinado do rei D. Manuel I (1495-1521). “Mudéjares” eram os mouros submetidos ao domínio cristão a partir da guerra da Reconquista. Muitos foram-se deslocando ou fugindo para os territórios ainda sob domínio islâmico, enquanto uma minoria se manteve nos territórios conquistados. Mas, ao contrário do que uma certa visão redutora e simplista da História durante anos propalou, esta convivência teve resultados notáveis e frutuosos. Os Mouros, convertidos ou não ao cristianismo, influenciaram a Ciência Náutica portuguesa, a Geografia e a Cartografia – importantes nos Descobrimentos portugueses – e deixaram marcas indeléveis na criação artística. De tal modo que foi possível aos historiadores de Arte criarem o conceito de “arte mudéjar”, com manifestações mais relevantes na P. Ibérica entre os séculos XII e XVI, nas quais se interpenetram formas de construir e modos decorativos das culturas cristã e muçulmana.

Pedro Dias, na sua tentativa de sistematização sobre este fenómeno, considera que “a arte mudéjar foi uma das mais notáveis criações artísticas peninsulares e um dos nossos grandes contributos à estética europeia”, sublinhando a importância dos contactos pacíficos entre cristãos e muçulmanos durante mais de sete séculos. Tal coabitação tem vindo a ser comprovada no Campo Arqueológico de Mértola, pela equipa dirigida pelo arqueólogo Cláudio Torres. Décadas de investigação mostram que a memória belicista que a historiografia privilegiou – cristãos contra infiéis – é a expressão de uma visão parcelar, veiculada pelo culto da nobreza guerreira e que ignora o quotidiano das populações laboriosas. Este tem sido, também, o magistério incansável do decano dos nossos historiadores, António Borges Coelho.

Os mestres artífices trocavam experiências nos modos de fazer e de construir, que punham ao serviço dos mandantes das obras e dos seus arquitectos. Por isso, tantos testemunhos desta arte mudéjar chegaram até nós. Circunscrevendo-nos ao nosso território concelhio, e antes de falarmos dos tectos, temos exemplos da azulejaria mudéjar – correntemente nomeada de mourisca ou hispano-árabe – em S. Pedro da Cadeira, na Capela da Senhora da Cátela,  e na Capela da Senhora do Amial, na cidade de Torres Vedras.

 

Os tectos de Dois Portos e Varatojo

Comecemos por Dois Portos. Recorrendo à “Base de dados de Património islâmico em Portugal” (em linha), transcrevemos parte da ficha descritiva referente à Igreja de S. Pedro: «(…) o interior conserva a tipologia original, conjugando o gosto classicista, patente nos capitéis, com elementos decorativos mudéjares. Destaque para o tecto em madeira de cedro que cobre dois terços da esteira da nave central, com trabalho de alfarge, constituído por molduras cruzadas em arabescos que formam um entrelaçado de linhas rectas e quebradas, laçaria essa policromada e dourada. Este tecto foi restaurado em 1994. É uma das poucas igrejas do distrito de Lisboa a conservar um tecto de alfarge». A observação das fotos ajuda a esclarecer a descrição.



Igreja de Dois Portos, conc. de Torres Vedras


Quanto ao Convento do Varatojo, o tecto mudéjar é o do vestíbulo onde confluem as entradas para igreja, para o acesso ao claustro e para a capela de Nª Srª do Sobreiro. Sobre ele, diz a referida “Base de dados”: «(…) um tecto de laçaria extraordinariamente simples, plano e com entrelaçado geométrico de ripas finas».

Este tipo de tecto, denominado de “laçaria de madeira”, aparece muitas vezes referido como “de alfarge”, uma designação de origem árabe (al-harj) que significa tecto de madeira lavrada. Trata-se, pois, de um modo decorativo baseado num trabalho fino de carpintaria no qual os artífices muçulmanos eram exímios e cuja arte foi aprendida e adoptada por carpinteiros portugueses.

Refira-se, entretanto, que engenheiros e arquitectos analisam com mais rigor as diversas tipologias de tectos. Chamam “alfarges” aos tectos planos de viga à vista, sem decoração de laço. Quando são recobertos com decoração de laço, usam o termo “Taujeles”. É o caso do “taujel” do Varatojo.



Convento do Varatojo, Torres Vedras


O mais antigo exemplar conhecido de tecto de laçaria é o da capela real do antigo Paço de Sintra, do século XV – enquanto que os de Dois Portos e Varatojo se situam na primeira metade do século XVI. A expressão mais fulgurante destes tectos encontra-se na Sé do Funchal e na igreja matriz de Caminha, também do século XVI. 

Concluindo

Nestas visitas guiadas aos nossos monumentos, consolidamos a ideia de que não basta apreciar as formas artísticas que eles contêm. Se nos limitamos a olhar, não vemos em profundidade, imobilizados numa perspectiva formalista que pode ser esteticamente atractiva mas é limitada e empobrecedora. A verdade é que, por trás das formas há o vasto horizonte da História que nos ajuda a entender melhor o que elas são. A História da Arte não se limita a descrever, ela procura saber as razões e os contextos de cada forma artística. Essa pode ser a lição dos nossos tectos mudéjares.

Nota bibliográfica

MUDÉJAR, Arte – Dicionário de História de Portugal, dir. Joel Serrão, vol. IV, Livraria Figueirinhas, Porto, 1981.

MOREIRA, Maria Irene – Tectos decorativos em madeira em edifícios patrimoniais portugueses. Dissertação de Mestrado, Fac. Engenharia da Universidade do Porto, Julho 2010. ( em linha:  https://repositorioaberto.up.pt/bitstream/10216/59666/1/000143516.pdf acedido em 22 de Maio 2022)

MARTINS, João Carlos S. – Tectos portugueses do séc. XV ao séc. XIX. Dissertação de Mestrado, Instituto Superior Técnico, Lisboa, Setembro 2008 (em linha: https://www.academia.edu/7412056/Tectos_Portugueses_do_Sec_XV_ao_Sec_XIX , acedido em 21 de Maio 2022)

DIAS, Pedro – “Arquitectura Mudéjar Portuguesa: tentaiva de sistematização”. (em linha: http://www.cidehusdigital.uevora.pt/ophir-restaurada/mare-liberum/volume-8/arquitectura-mudejar-portuguesa-tentativa-de-sistematizacao?pag=85 , acedido em 21 de Maio 2022)


(Fotos J. Moedas Duarte)