Escavações arqueológicas no Tholos do
Barro, 2021/2022
UNIARQ, Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa
Isabel Luna
Museu Municipal Leonel Trindade, Município de Torres Vedras
Concluiu-se em Junho passado a campanha de escavação
arqueológica do Tholos do Barro (Torres Vedras) iniciada em 2021, mais
de um século depois da descoberta, escavação e classificação, como Monumento
Nacional, deste sepulcro pré-histórico. Os trabalhos, coordenados pelo Centro
de Arqueologia da Universidade de Lisboa (UNIARQ) e pelo Museu Municipal Leonel
Trindade, resultaram de um protocolo de colaboração firmado entre o Município
de Torres Vedras e a Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa que,
simultaneamente, permitiu uma formação prática, em contexto de campo, a alunos
de licenciatura, mestrado e doutoramento em Arqueologia. A investigação do
monumento foi determinada pela Direcção Geral do Património Cultural, como
medida de diagnóstico e registo prévio, indispensável à intervenção de melhoria
das condições de segurança, acessibilidade e fruição pública, que o município
pretende desenvolver naquele sítio arqueológico, a exemplo do que já foi feito
no Castro do Zambujal.
Correspondendo ao convite da Associação de Defesa do
Património de Torres Vedras – que tem acompanhando este projecto com
entusiástico interesse –, recorremos a este espaço de divulgação patrimonial, para
partilhar, em linhas muito gerais, as primeiras notas desta campanha
arqueológica.
As novas escavações realizadas no tholos – designação
atribuída a sepulcros megalíticos de câmara funerária circular e cobertura em
falsa cúpula – tiveram como objectivo reunir o máximo de informação sobre a
arquitectura e os usos funerários e simbólicos deste singular monumento
arqueológico, que sustentem uma intervenção de valorização do sítio e forneçam
os conteúdos necessários à musealização do imóvel. Não é possível divulgar
aquilo que não se conhece!
Situado no cimo do Monte da Pena, o tholos apresenta
uma implantação muito pouco frequente neste tipo de monumentos. Com efeito, no
território português apenas se conhece um outro sepulcro de falsa cúpula
situado no topo de uma elevação: o tholos do Monge, na serra de Sintra.
A estrutura arquitectónica do tholos do Barro corresponde
aos cânones dos tholoi do sul da Península Ibérica, apresentando um
aparelho construtivo muito robusto, quase ciclópico, onde se destaca uma câmara
funerária de dimensões extraordinárias: com 6,20 m de diâmetro, é a maior até
agora encontrada na Península Ibérica. O corredor que dá acesso à câmara está
orientado no sentido norte-sul, com a abertura voltada a sul, característica
também pouco frequente, pois, por norma, os tholoi e as antas costumam estar
voltados a nascente.
Datado do 3.º milénio a. C. (período Calcolítico), o
monumento do Barro apresenta, também, abundantes vestígios materiais da Idade
do Bronze. O registo deste espólio, recolhido maioritariamente no início do
século XX e repartido entre o Museu Nacional de Arqueologia e o Museu Municipal
Leonel Trindade, é muito deficitário, não apresentando informações concretas sobre
o contexto arqueológico e o local específico de recolha, o que nos impede de
compreender adequadamente as dinâmicas de utilização do sítio.
Desde a primeira escavação, realizada em 1909, o monumento foi sucessivamente citado e revisitado. Contudo, muito
pouco se conhecia da sua estrutura e da sua história: não existia um
levantamento arquitectónico fiável e actualizado, não possuía qualquer datação de
radiocarbono que balizasse a sua cronologia e, sobretudo, não se compreendia a
sucessão de utilizações, entre a Idade do Cobre e a Idade do Bronze.
Em 2021 foi possível, pela primeira vez, obter uma leitura
integral das estruturas arquitectónicas e identificar a presença de vestígios
de deposições funerárias na câmara e no corredor do monumento.
A campanha de 2022 teve como principal objectivo a escavação do
átrio, junto à fachada do monumento, e dos vestígios de deposições funerárias mais
tardias, feitas no corredor, aparentemente já após a selagem da câmara. Os
trabalhos permitiram identificar uma intensa actividade simbólica e funerária
na parte exterior do monumento, incluindo a construção de um murete, que delimita
parcialmente a zona da entrada. Esta estrutura poderá estar associada à
presença de um monólito, cuja origem é extrínseca ao local. Os materiais
recolhidos (cerâmicas e materiais metálicos) parecem indicar uma cronologia da
Idade do Bronze, sustentada por uma datação absoluta da primeira metade do 2.º
milénio a. C. (Bronze Antigo e Pleno). Foi ainda confirmada a presença, na
envolvente do monumento, de zonas de concentração de materiais do final da
Idade do Bronze, sem qualquer material osteológico associado, indicando uma
prática de visitações ao local, já não de natureza funerária, numa época mais
recente.
O trabalho de pesquisa, contudo, não se limita à campanha de
campo. Em curso está o estudo integral do espólio depositado em museus, bem
como uma aturada pesquisa arquivística. O cruzamento da informação documental
conservada em museus e arquivos, com os resultados das escavações arqueológicas,
permitirá uma melhor aproximação à história do monumento, sendo ainda
necessário aguardar pelos diversos estudos analíticos da informação recolhida:
antropologia física (patologias, dietas alimentares, mobilidade,
ancestralidade), geologia (estudo geológico do sítio, do material de construção
e do espólio), cronologia absoluta (datações de radiocarbono) e estudo dos
contextos arqueológicos preservados, para se poder enquadrar o espólio
previamente recolhido.
A equipa integra vários especialistas que se associaram ao
projecto, nomeadamente João C. Duarte (Faculdade de Ciências da Universidade de
Lisboa) e Ana Maria Silva (Universidade de Coimbra), contando ainda com a
consultoria do Prof. Victor S. Gonçalves (UNIARQ - FLUL).
Mais de um século após a sua descoberta, o tholos do
Barro guarda ainda muita informação, que continuaremos a investigar, em prol do
conhecimento e da divulgação deste importante património colectivo.
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