COLEÇÃO DE GARRAFAS NO
RAMALHAL
UM CONTRIBUTO PARA O ESTUDO DO PATRIMÓNIO INDUSTRIAL
Sérgio Rosa e António Rosa
O primeiro contacto com esta coleção foi de
fascínio imediato. Muito mais do que colecionar garrafas, esta é uma forma
superior de preservar materiais que nos informam sobre aspetos importantes do
nosso Património Industrial. À nossa curiosidade, pai e filho Rosa responderam
com um texto que nos elucida sobre esta fabulosa coleção.
Aqui fica o reconhecimento ao António Rosa,
(72 anos, natural de Torres Vedras, Professor de História, aposentado) e ao
Sérgio Rosa, (43 anos, natural de Torres Vedras, Gestor de Projetos de Sistemas
Inteligentes de Transportes). | Joaquim Moedas Duarte
COLECIONISMO COMO DISCIPLINA AUXILIAR DA HISTÓRIA
Objeto da coleção: Garrafas
de vidro em alto-relevo ou pirogravadas (rótulos gravados a fogo) destinadas ao
envase e comercialização de
refrigerantes, águas, cervejas e leite com produção de origem portuguesa.
Cronologia: Finais do século XIX e XX.
Espaço geográfico: Portugal continental e ilhas.
O
colecionismo deste tipo de objectos começa, certamente, pelo gosto estético do
objeto em si, pela sua singularidade e exclusividade. Porém, ao contrário de
outros tipos de coleção, como por exemplo a filatelia ou a numismática, que
estão relativamente bem documentados e padronizados, esta coleção apresenta
outros desafios, pois é uma temática pouco estudada e, como tal, a informação disponível
é escassa, faltam metodologias de inventariação padronizadas e a comunidade de
entusiastas é relativamente diminuta.
Na sua essência, segue os mesmos princípios do colecionismo em geral que, genericamente, consiste em reunir, organizar, valorizar e preservar um determinado tipo de objeto. Tais princípios garantem o seu reconhecimento como instrumento auxiliar do conhecimento histórico.
Reunir
Todas as coleções têm um ponto de partida e neste caso é necessário
recuar à década de 50 do século XX, altura em que um armazém de Torres Vedras,
agente distribuidor dos refrigerantes AUÁ e SUMOL, era responsável pela receção
das taras e depósito de vasilhame. Os funcionários tinham de fazer a seleção de
todo o vasilhame recebido, pois a fábrica apenas recebia as taras originais.
Assim sendo, e ao longo dos anos, foram acumulando garrafas, que embora
semelhantes às dos refrigerantes mencionados não eram da marca original. Esta
“fraude” permitiu preservar muitas destas garrafas salvando-as do vidrão.
Este conjunto
de garrafas foram assim os primeiros exemplares adquiridos e consequentemente o ponto
de partida da coleção. Como em todas as coleções, se por um lado, no início,
reunir e adquirir novos objetos é relativamente fácil, através de compras em
feiras de velharias ou sítios de internet de comércio eletrónico, com o
crescimento da coleção esta tarefa vai ficando cada vez mais difícil,
resumindo-se em última instância a trocas diretas com outros colecionadores.
De salientar
que nos dias correntes, devido ao desconhecimento do potencial valor destas
garrafas, muitos exemplares são muito provavelmente depositados nos vidrões
para reciclagem e consequentemente muitas garrafas foram irremediavelmente
perdidas não sendo conhecidos exemplares em coleções.
Atualmente a coleção conta aproximadamente com 1200 exemplares de 260 marcas diferentes.
Organizar
Tendo como
objetivo principal a ordenação da coleção e tendo em conta a inexistência de
metodologias de inventariação padronizadas, várias linhas de investigação são estudadas e
devidamente documentadas, para estabelecer, da forma o mais precisa possível,
alguns parâmetros que permitem colocar a garrafa no seu contexto: unidade
fabril, cronologia de fabrico e circulação e geografia de distribuição. Este
processo é feito através da consulta de:
· - Publicidade em jornais locais;
· - Informação disponível em arquivos distritais e municipais
relativa a emissão de alvarás de laboração;
· - Análise dos rótulos através da identificação de algumas
características que permitam datar aproximadamente a ano de fabrico, tais como
alguns dados que apenas passaram a constar após 1959 – ano em que a indústria dos refrigerantes é
devidamente regulamentada – ou o número de dígitos do contacto de telefone,
entre outros;
· - Características morfológicas do vasilhame e respetivas
fábricas vidreiras que permitem a datação dos períodos de produção de cada tipo
de garrafa;
· - Troca de informação com outros colecionadores.
Valorizar e preservar
O colecionismo de garrafas de refrigerantes portugueses leva
indubitavelmente a que o colecionador se torne num investigador dos mais variados domínios
que lhe estão associados, de modo a enriquecer a história de cada um dos objetos.
Partindo do
princípio que cada garrafa é um objeto único, importa estudar as suas
características morfológicas, assim como a análise gráfica dos rótulos,
quer estes sejam pirogravados ou em papel.
Podemos afirmar que, no seu todo, esta coleção permite ajudar a traçar
o percurso evolutivo da indústria de refrigerantes nacional.
Em súmula, esta é uma coleção motivada pelo valor artístico, quer das
garrafas e respetivos rótulos quer pela função e valor social que desempenhou
ao longo de tantos anos e pretende partilhar alguns fragmentos da história
industrial e social portuguesa que importa registar e salvaguardar para memória
futura.
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Curiosidades
·
Até à década de 50 a indústria de refrigerantes portuguesa
tinha uma laboração muitas vezes sazonal, com maior
incidência nos meses de verão, com fábricas de cariz familiar em que a
área de distribuição era geralmente circunscrita ao próprio concelho.
·
A
indústria dos refrigerantes é devidamente regulamentada através do Decreto-Lei
nº 42159, de 25 de fevereiro de 1959 que, entre outras medidas, veio impor o
fim da garrafa de pirolito devido ao seu sistema de selagem.
·
Haverá,
pelo menos, uma ou duas dezenas de colecionadores, uns com maior espólio,
outros com algumas raridades.
·
Ao
certo, só temos conhecimento de dois trabalhos publicados, um no jornal “Cultura
Sul”, do professor de História e colecionador Joaquim Parra, mas que se
restringe ás marcas de refrigerantes e respetivos produtores do Algarve; e
outro, “Garrafas de refrigerante: Formas, imagens e a sua circulação na
indústria portuguesa entre 1870 e 1980”, dissertação de mestrado de História na
Faculdade de Letras da Universidade do Porto, de autoria de João Luís de Castro
Martins Borges.
·
Muitos
dos colecionadores são quem preserva exemplares que são elementos de arqueologia
industrial sujeitos a desaparecer.
· Não existe compilada uma inventariação da Indústria de Refrigerantes e da associada Indústria de Vasilhame a nível nacional.
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