20 setembro 2022

COLEÇÃO DE GARRAFAS NO RAMALHAL -- JORNAL BADALADAS - 24 JUNHO 2022

 

COLEÇÃO DE GARRAFAS NO RAMALHAL

UM CONTRIBUTO PARA O ESTUDO DO PATRIMÓNIO INDUSTRIAL

Sérgio Rosa e António Rosa




O primeiro contacto com esta coleção foi de fascínio imediato. Muito mais do que colecionar garrafas, esta é uma forma superior de preservar materiais que nos informam sobre aspetos importantes do nosso Património Industrial. À nossa curiosidade, pai e filho Rosa responderam com um texto que nos elucida sobre esta fabulosa coleção.

Aqui fica o reconhecimento ao António Rosa, (72 anos, natural de Torres Vedras, Professor de História, aposentado) e ao Sérgio Rosa, (43 anos, natural de Torres Vedras, Gestor de Projetos de Sistemas Inteligentes de Transportes). | Joaquim Moedas Duarte



COLECIONISMO COMO DISCIPLINA AUXILIAR DA HISTÓRIA

Objeto da coleção: Garrafas de vidro em alto-relevo ou pirogravadas (rótulos gravados a fogo) destinadas ao envase e comercialização de refrigerantes, águas, cervejas e leite com produção de origem portuguesa.

Cronologia: Finais do século XIX e XX.

Espaço geográfico: Portugal continental e ilhas.

O colecionismo deste tipo de objectos começa, certamente, pelo gosto estético do objeto em si, pela sua singularidade e exclusividade. Porém, ao contrário de outros tipos de coleção, como por exemplo a filatelia ou a numismática, que estão relativamente bem documentados e padronizados, esta coleção apresenta outros desafios, pois é uma temática pouco estudada e, como tal, a informação disponível é escassa, faltam metodologias de inventariação padronizadas e a comunidade de entusiastas é relativamente diminuta.

Na sua essência, segue os mesmos princípios do colecionismo em geral que, genericamente, consiste em reunir, organizar, valorizar e preservar um determinado tipo de objeto. Tais princípios garantem o seu reconhecimento como instrumento auxiliar do conhecimento histórico.

Reunir

Todas as coleções têm um ponto de partida e neste caso é necessário recuar à década de 50 do século XX, altura em que um armazém de Torres Vedras, agente distribuidor dos refrigerantes AUÁ e SUMOL, era responsável pela receção das taras e depósito de vasilhame. Os funcionários tinham de fazer a seleção de todo o vasilhame recebido, pois a fábrica apenas recebia as taras originais. Assim sendo, e ao longo dos anos, foram acumulando garrafas, que embora semelhantes às dos refrigerantes mencionados não eram da marca original. Esta “fraude” permitiu preservar muitas destas garrafas salvando-as do vidrão.

Este conjunto de garrafas foram assim os primeiros exemplares adquiridos e consequentemente o ponto de partida da coleção. Como em todas as coleções, se por um lado, no início, reunir e adquirir novos objetos é relativamente fácil, através de compras em feiras de velharias ou sítios de internet de comércio eletrónico, com o crescimento da coleção esta tarefa vai ficando cada vez mais difícil, resumindo-se em última instância a trocas diretas com outros colecionadores. 

De salientar que nos dias correntes, devido ao desconhecimento do potencial valor destas garrafas, muitos exemplares são muito provavelmente depositados nos vidrões para reciclagem e consequentemente muitas garrafas foram irremediavelmente perdidas não sendo conhecidos exemplares em coleções.

Atualmente a coleção conta aproximadamente com 1200 exemplares de 260 marcas diferentes. 

Organizar

Tendo como objetivo principal a ordenação da coleção e tendo em conta a inexistência de metodologias de inventariação padronizadas, várias linhas de investigação são estudadas e devidamente documentadas, para estabelecer, da forma o mais precisa possível, alguns parâmetros que permitem colocar a garrafa no seu contexto: unidade fabril, cronologia de fabrico e circulação e geografia de distribuição. Este processo é feito através da consulta de:

·       - Publicidade em jornais locais;

·       - Informação disponível em arquivos distritais e municipais relativa a emissão de alvarás de laboração;

·  - Análise dos rótulos através da identificação de algumas características que permitam datar aproximadamente a ano de fabrico, tais como alguns dados que apenas passaram a constar após 1959 – ano em que a indústria dos refrigerantes é devidamente regulamentada – ou o número de dígitos do contacto de telefone, entre outros;

·       - Características morfológicas do vasilhame e respetivas fábricas vidreiras que permitem a datação dos períodos de produção de cada tipo de garrafa;

·       - Troca de informação com outros colecionadores. 

Valorizar e preservar

O colecionismo de garrafas de refrigerantes portugueses leva indubitavelmente a que o colecionador se torne num investigador dos mais variados domínios que lhe estão associados, de modo a enriquecer a história de cada um dos objetos.

Partindo do princípio que cada garrafa é um objeto único, importa estudar as suas características morfológicas, assim como a análise gráfica dos rótulos, quer estes sejam pirogravados ou em papel.     

Podemos afirmar que, no seu todo, esta coleção permite ajudar a traçar o percurso evolutivo da indústria de refrigerantes nacional.

Em súmula, esta é uma coleção motivada pelo valor artístico, quer das garrafas e respetivos rótulos quer pela função e valor social que desempenhou ao longo de tantos anos e pretende partilhar alguns fragmentos da história industrial e social portuguesa que importa registar e salvaguardar para memória futura.



                    



.......................................


Curiosidades

·       Até à década de 50 a indústria de refrigerantes portuguesa tinha uma laboração  muitas vezes sazonal, com maior incidência nos meses de verão, com fábricas de cariz familiar em que a área de distribuição era geralmente circunscrita ao próprio concelho.

·       A indústria dos refrigerantes é devidamente regulamentada através do Decreto-Lei nº 42159, de 25 de fevereiro de 1959 que, entre outras medidas, veio impor o fim da garrafa de pirolito devido ao seu sistema de selagem.

·       Haverá, pelo menos, uma ou duas dezenas de colecionadores, uns com maior espólio, outros com algumas raridades.

·       Ao certo, só temos conhecimento de dois trabalhos publicados, um no jornal “Cultura Sul”, do professor de História e colecionador Joaquim Parra, mas que se restringe ás marcas de refrigerantes e respetivos produtores do Algarve; e outro, “Garrafas de refrigerante: Formas, imagens e a sua circulação na indústria portuguesa entre 1870 e 1980”,  dissertação de mestrado de História na Faculdade de Letras da Universidade do Porto, de autoria de João Luís de Castro Martins Borges.

·       Muitos dos colecionadores são quem preserva exemplares que são elementos de arqueologia industrial sujeitos a desaparecer.

·       Não existe compilada uma inventariação da Indústria de Refrigerantes e da associada Indústria de Vasilhame a nível nacional.  

.....................................................................................................






Sem comentários:

Enviar um comentário