No dia 20 de Outubro, pelas 14H30, iniciaremos uma visita guiada às Termas dos Cucos, em que seremos acompanhados por um dos seus proprietários, Paulo Neiva Vieira e por Ramiro Fernandes que lá trabalha há 61 anos.
As fotos do lugar e o artigo muito interessante publicado há 20 anos pelo semanário torriense BADALADAS servem aqui de motivação para mais esta jornada de divulgação do nosso património
Fotos (C) J. Moedas Duarte - Nov 2011
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TERMAS DOS CUCOS – HOJE COMO DANTES
J. Paulino Pereira
BADALADAS ( Semanário de Torres Vedras),
11 / Dezembro / 1991
Há mais de dois séculos que as águas mineromedicinais dos Cucos
têm sido notícia e tema de conversa.
Já em 1646, o Dr. Moniz de Carvalho, médico do partido municipal
de Torres Vedras, descobria o seu valor terapêutico, muito embora a população as
usasse, empiricamente, tempos antes para alívio dos diversos males.
Desde então multiplicaram-se os estudos e as publicações médicas,
iniciadas em 1810 pelo Dr. Francisco Tavares, da Universidade de Coimbra, até ao
consagrado hidrologista, Professor Armando Narciso, de Lisboa, que sublinhou no
seu último trabalho sobre as termas dos. Cucos, a sua essencial vocação para
reumáticos e gotosos.
Será, todavia, em 1815, a partir da arrematação em hasta pública
da Quinta da Macheia e o Sítio dos Cucos, por João Goncalves Dias Neiva, que as
Termas conhecem um período de grande desenvolvimento. Através dos tempos, esta
propriedade tem-se mantido una e indivisa, transmítindo-se como um vínculo, de
tios a sobrinhos e de pais a filhos. Para sua valorização realizaram-se
melhoramentos das instalações balneares, protegendo-as das arremetidas do
Sizandro, então pujante e despoluído no seu curso.
Durou 17anos a administração do seu primeiro concessionário, que,
antes da sua morte, na Quinta da Macheia, em 20-Fev-1868, vítima de acidente
vascular cerebral, fizera seu herdeiro o sobrinho, José Gonçalves Dias Neiva,
que ficaria recordado na toponímia torriense.
Vivia-se então uma época em que os doentes procuravam nas Termas o
que a Farmacopeia não lhes dava. A falência do tratamento medicamentoso e a
propaganda comercial gerada à volta das águas faziam destas a melhor panaceia
para todos os males. Os concessionários, por todo o País, esforçavam-se por
dotar as suas termas de centros de tratamento e de diversão.
Nos Cucos, o seu proprietário, alicerçado numa sólida e abastada
fortuna, chegou mesmo à utopia de pretender criar uma povoação com o nome de
"Vila Neiva dos Cucos", com um projecto megalómano, onde se incluía,
entre outras inovações, um Hotel com 300 quartos e um Hospital Termal. As obras
de custo incalculável, ficaram longe do fim e terminaram numa desgastante demanda
judicial com o Engº António Jorge Freire, autor do projecto.
Apesar desta enorme contrariedade, a inauguração faz-se, oficialmente,
em 15 de Maio de 1893, muito embora, já em 11 de Julho de 1892, as termas
tivessem sido abertas ao público.
A festa da inauguração foi assinalada por um arraial de cariz popular,
onde estiveram presentes as filarmónicas Torrienses e da Ermegeira. A partir de
então e já com a chegada do primeiro comboio a Torres Vedras, em 30-Dez-1886,
os Cucos conheceram um surto de grande progresso e desenvolvimento, chegando a
sua fama a todo o País, Brasil e África.
A hipotética "Vila Neiva dos
Cucos" deixou, além das 2.400 árvores trazidas dos viveiros do Buçaco,
algumas construções, como o Estabelecimento Termal, o "chalet" D.
Feliciana, construído em 1895 e o de D. Maria, no ano seguinte. O Casino,
cujas obras se concluíram neste mesmo ano de 1896, ficou reservado para
refeições e recreio. Há ainda quem recorde alguns bailes, onde estiveram presentes
a arte de dançar de Manuel Firmino da Silva, conhecido entre os rapazes do seu
tempo pelo Manuel Pazada e também a graça fácil e o bom humor de Edmundo Carnide.
As realizações referidas foram aproveitadas pelo concessionário das Termas para
serem profusamente divulgadas através da objectiva do Senhor Pozal,
conceituado fotógrafo em Torres Vedras, que transformou as suas fotos em
"ex-libris" dos Cucos.
Em 1929, José António Vieira
herda a fortuna do tio e passa a gerir as termas dos Cucos. Não tem, porém,
oportunidade de fazer grandes melhoramentos, pois, em 3 de Março de 1932, é
surpreendido por um processo judicial. A acção vem de Fragoso, concelho de
Barcelos e da freguesia de Alvarães, em Viana do Castelo. A sua tia, Maria do
Carmo Neiva e alguns primos invocam a falsidade do testamento cerrado feito por
José Gonçalves Dias Neiva, em 10-Março-1928, que aponta como único herdeiro o
seu sobrinho José António Vieira. Os litigantes insurgem-se ainda contra a escritura
pública, de 20-Março-1928, respeitante à venda da Quinta da Macheia e ainda
contra segundo testamento cerrado, de 20-Abril-1928. Tanto a escritura
pública, como os dois testamentos contemplam o sobrinho José António Vieira. Os
reclamantes afirmam que o tio José Gonçalves Dias Neiva tinha sido acometido
por um acidente vascular cerebral em 4 de Novembro de 1925. Após este acidente
apoplético, havia ficado com uma hemiplegia à direita que impedia de escrever
e de raciocinar. Tinha então ultrapassado a idade de 80 anos. Em 17 de Março de
1928, surgiu um novo acidente vascular, que, segundo eles, forçou o doente a
uma vida vegetativa e a uma dependência absoluta.
É curioso notar que à volta da
situação clínica do doente se pronunciaram os mais famosos Mestres da Medicina
portuguesa. Tudo se resumia a esclarecer se a hemiplegia era à direita ou à
esquerda. Votaram os Professores pela lesão do hemisfério cerebral direito, que
determinou a hemiplegia esquerda, contrariando a tese dos reclamantes, que
afirmaram ser a hemiplegia à direita.
Começou então um pleito judicial
longo, em que se digladiaram os Advogados Joaquim Gualberto de Sá Carneiro, do
Porto e José Gonçalves Dias, de Torres Vedras e em que figuraram, como testemunhas
de defesa de José António Vieira, prestigiados nomes da Igreja e da Medicina,
entre outros, D. José Alves Correia da Silva, Bispo de Leiria, Dr. Galamba de
Oliveira, Professor do Seminário de Leiria e Professor Doutor Francisco Pulido
Valente, Catedrático da Faculdade de Medicina de Lisboa.
Até os familiares desavindos
chegarem a um acordo, José António Vieira gastou uma boa parte da sua fortuna,
numa acção que rondou os dois mil contos. Foi, naturalmente, obrigado a fazer
uma pausa na modernização dos Cucos. Para que os prejuízos se atenuassem
instalou ali um Colégio, no ano de 1932, que funcionou fora dos quatro meses de
actividades das Termas. Foi um fracasso e não voltou a repetir-se.
Com a morte deste proprietário,
em 7-Agosto-1962, após 33 anos de actividade, sucede o seu filho Dr. José
António Neiva Vieira, na gestão e Direcção Clinica.
É a altura em que os corticosteroides,
prescritos para atenuarem as dores da artrite reumatóide e debelarem os
edemas, tomam grande incremento. Os doentes afastam-se dos Cucos, mas irão
voltar, pois a Medicina, sempre que possível, prefere os banhos aos medicamentos
daquele tipo, que não são inócuos.
O Dr. José António Neiva Vieira
foi um dos mais brilhantes hidrologistas do nosso País, mas não conseguiu
avançar com um projecto de remodelação para as Termas, que não tém,
nitidamente, acompanhado os legítimos interesses de quem as procura. Faleceu,
vítima de brutal acidente, em 1987, após 25 anos de exercício médico naquele
estabelecimento termal.
Mantendo-se a estagnação de
décadas, corre-se o risco de vermos as Termas transformadas em museu,
guardando um espólio histórico notável. Lá se encontrariam as memórias dos
três grandes pleitos judiciais, o primeiro dos quais data de 1782 e durou 48
anos, por ter atravessado um longo período revolucionário no País. Poderíamos
ainda manusear os estudos médicos do Dr. Justino Xavier da Silva Freire, seu
primeiro Director Clínico, que até 1925, exaltou o valor das águas e lamas
naturais, comparativamente com Baden-Baden e Niederbronn. Figurariam também os
não menos valiosos trabalhos do Dr. Boaventura Dias Sarreira, seu segundo
Director Clinico, durante 32 anos, sobre a "Royai Portuguesa", ao
informar a acção das águas sobre a hipertensão arterial.
Se folheássemos o registo dos
doentes desde 1893, encontraríamos nomes ilustres como o do antigo Presidente
da República, Dr. António José de Almeida e o do Prof. Doutor Egas Moniz,
antigo Prémio Nobel da Medicina.
O Turismo, desde 1989, investiu
nas Termas do País 4 milhões de contos, numa aposta forte no termalismo de
qualidade. Este ano, três Termas construíram novas unidades hoteleiras.
Havendo, actualmente, em
Portugal, cerca de 1 milhão de reumáticos que custam ao erário público 100
milhões de contos por ano, porque se espera para modernizar os Cucos?
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