28 outubro 2012

Rubrica PATRIMÓNIOS no BADALADAS





A Associação para a Defesa e Divulgação do Património Cultural de Torres Vedras - ADDPCTV - continua a publicar regularmente no semanário BADALADAS de Torres Vedras uma coluna intitulada PATRIMÓNIOS, que temos vindo a transcrever neste blog ( ver na página PATRIMÓNIOS ).

Aqui ficam os dois mais recentes.




Nº 33 - Publicado em 19 de Outubro de 2012:


INTERVENÇÕES CONTEMPORÂNEAS
JOSÉ PEDRO SOBREIRO

Tendo, no artigo anterior, abordado a renovação do Largo de S. Pedro, procurarei apontar, nos limites desta coluna, o que considero aceitável, excessivo, ou injustificado nos restantes espaços recentemente renovados.
Desta abordagem quero exceptuar o importantíssimo restauro efectuado no Chafariz dos Canos, monumento ímpar que tão desprezado foi ao longo de quase um século, e cuja atitude responsável da nossa Câmara Municipal aproveito para louvar.

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Relativamente à ampliação da plataforma em volta do edifício religioso sobre  o Largo Wellington, sou dos que se interrogaram, sobre a sua pertinência. Criou-se um espaço de lazer (?) argumentando-se com uma valorização do monumento, argumento não muito visível, dado que a sua leitura permanece a mesma. Apenas registo a melhoria efectuada no arruamento a norte, com a retirada dos veículos.
Não compreendo a pavimentação (leia-se impermeabilização) de todo o lado sul, com revestimento de pedra.
No novo adro da igreja, demasiado amplo (talvez para servir de palco para umas noites de fados?), utilizam-se materiais polidos, que não asseguram, nem física nem visualmente, uma ideia de segurança e de conforto (veja-se, por exemplo, a falta de guardas nos limites laterais).

Relativamente ao Largo do Chafariz, procedeu-se à retirada de elementos (os canteiros) devolvendo-se o protagonismo à fonte, que se afirma, finalmente desimpedida, como elemento patrimonial notável, como sempre defendi. 
Devo dizer que propus, em 2006, no âmbito da ADDPCTV, a ideia de um espelho de água, com dimensão aproximada ao antigo tanque, como referência em que se conjugassem memória histórica e valorização estética. Mas nunca com a dimensão que lhe foi dada.
Por outro lado, discordo dos restantes elementos que lhe foram colocados:
do enorme banco de mármore branco luzidio; do estranho poste de iluminação (?) de cor negra que se ergue, rígido e frio, ao canto da praça; da árvore isolada, plantada quase em frente da capela dos passos e no enfiamento de um percurso, que me parece desenquadrada daquela zona; do tipo de pedra utilizado no piso (granito?), cuja cor e uniformidade acentuam em demasia a sensação de vazio; da floresta de pinos metálicos que povoam todo aquele troço da rua da Corredoura, pela sensação de violência visual que criam no passante.
E lamento a não inclusão dos dois pilares com golfinhos, que eram parte do tanque setecentista.
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Discordo em suma, deste estilo de intervenção que, a despeito de ser muito contido na utilização de elementos novos (muito minimal), não deixa de se afirmar pelo contraste dos materiais (o liso, o polido, o brilhante) em relação às ambiências históricas pré-existentes, evidenciando uma excessiva vontade de marcar a sua “contemporaneidade”, cedendo a modas, em vez de se apagar perante uma ideia de servir a intemporalidade dos espaços carregados de passado (1).
No plano da política urbana, resulta como evidente uma grande aposta na retirada do trânsito e estacionamento automóvel, mal recebida pelo comércio local, na justa medida em que esta obsessão anti-carro – qual higienismo pedonal – também contribui para a desertificação.
E também se torna evidente uma opção clara de tornar o Centro Histórico numa espécie de “luna parque”, que definha durante o dia mas se “anima” nalgumas noites. Assim o demonstrou a pressa com que se programou, recentemente, um conjunto de espectáculos para exibir a obra feita!


(1) Este aspecto é extensivo a outras intervenções no Centro Histórico, já realizadas e a realizar.


Texto escrito ao abrigo do antigo acordo ortográfico


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Nº 34 - Publicado em 28 de Setembro de 2012


 LARGO DE S. PEDRO, O LARGO DOS BICOS

J. P. SOBREIRO


O recente arranjo “dito” urbanístico do Largo de S. Pedro enquadra-se num conjunto de intervenções que a Câmara Municipal tem vindo a efectuar, no quadro do plano de reabilitação do Centro Histórico, e mais precisamente do programa “Torres ao Centro”. Neste conjunto de acções recentes integram-se o restauro do Chafariz dos Canos, o arranjo do respectivo largo, a praça Wellington e toda a envolvente da Igreja.
Sobre todos estes projectos haverá algo a dizer, desde a sua pertinência e oportunidade até às opções finais, passando pelo próprio processo.
Saudando o restauro do Chafariz, no que à conservação física do monumento diz respeito, quero, por agora, deter-me nos arranjos da envolvente da igreja e sobretudo do largo.
Desde logo para questionar se aqueles espaços, que balizam o monumento nacional, se encontravam em estado de necessidade de renovação. Com a plataforma ampliada em volta do edifício religioso argumenta-se que este ficará valorizado, sobretudo pela retirada dos veículos, o que se pode aceitar principalmente no arruamento a norte.
Aliás, parece ser esta obsessão contra os automóveis o motor de tanta intervenção.(1) E o aspecto mais agudo desta obstinação residiu na opção de retirar o trânsito do Largo de S. Pedro, vindo da Rua Dias Neiva – como se existisse aí algum conflito – e desviá-lo, pasme-se, para a rua Cândido dos Reis, fazendo uma curva apertada. Reagiram, e muito bem, os pequenos comerciantes, que ainda garantem alguma vida no C.H., obrigando a uma alteração que repôs a circulação de veículos no largo.
E é aqui que assistimos à intervenção mais surreal de todo este processo, quando se opta por sinalizar a faixa de circulação de veículos (dos que se atreverem a “macular” a pureza de tão excelsa contenção) com aqueles separadores de forma triangular, negros, de uma agressividade latente, ao pé dos quais a visão de um carro se torna um bálsamo para a vista.
Como garras afiadas que se desprendem do solo, aqueles objectos em cunha de forma triangular reforçada pela cor negra produzem um tal contraste sobre a superfície esbranquiçada do pavimento, que reclamam imediatamente a nossa atenção, intrometendo-se e comprometendo a harmonia do largo e da igreja quinhentista.
Não apetece passear ali.
Aquilo é para se tornar agradável ao peão? Será para gincana de bicicletas? Ou, mais profundo, para lembrar aos fiéis, frequentadores da matriz paroquial, os espinhos desta vida terrena?
É certo que S. Pedro era pescador! Mas no lago de Genezaré, na Galileia, não consta que houvessem tubarões, rondando a presa com o bico das suas barbatanas negras…!
Existe, nestas intervenções levadas a cabo pela CMTV, alguma ânsia de exibicionismo, uma espécie de marketing projectual, que é denunciado por acções de pura ostentação, como são os eventos para ali programados.
Coerência, bom senso e alguma humildade são condições necessárias para se intervir em espaços históricos, que não devem servir para satisfazer caprichos de autoria ou de afirmação autárquica.
Nas zonas históricas as intervenções devem ser contidas, neutras, silenciosas.
Devem servir e não exibir-se!

(1) Não se infira daqui que sou insensível à presença do automóvel no C.H. Apenas quero lembrar que a sobredosagem do medicamento pode ser prejudicial.

± Texto escrito ao abrigo do antigo acordo ortográfico

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