28 novembro 2023

SOBRE SÃO GONÇALO | Jornal BADALADAS 24 NOVEMBRO 2023

 

SOBRE SÃO GONÇALO

SOBRE NÓS COM ELE

       Manuel Clemente, Patriarca Emérito de Lisboa          

 

Estas linhas resumem o que disse na apresentação do belo livro de José Pedro Sobreiro (ilustração) e Luís Filipe Rodrigues (texto), São Gonçalo de Lagos a Torres Vedras, no passado dia 21 de outubro.

Em tempo de comemorações gonçalinas, foi um excelente contributo para a divulgação duma figura que bem merece ser recordada, do passado para o futuro.

Da época em que viveu entre nós, até 1422 ou mesmo 1445, o que nos resta em Torres Vedras? Antes de mais nós mesmos, os que ainda descendemos de quem cá vivia então, ou dos muitos que chegaram depois. Ouvimos histórias familiares ou mais largas, ganhámos hábitos locais, reconhecemo-nos em monumentos e sítios.

Dessa altura, “falam-nos” as igrejas – ainda que todas restauradas depois - as muralhas do castelo, o Chafariz dos Canos, alguma nomenclatura… Referências paroquiais, militares e civis do que era a vida de então.

Será bom conhecer a terra a partir daqui, do que resta do que foi. Ir a cada uma das igrejas e perceber que era nelas e ao seu redor que a vida social começava e terminava, do batistério à sepultura. Não esquecer a ida à igreja de Nossa Senhora do Amial, ao Choupal, onde provavelmente se reuniam os cristãos no período árabe e em que no tempo de São Gonçalo persistia o culto.

Na antiga Rua dos Mercadores, passar onde era o seu desaparecido convento. Subir depois ao castelo e alargar a vista, como ele o fez certamente. Descer ao Chafariz dos Canos e admirar, como ele também admiraria, uma obra civil que juntava beleza e utilidade.

Depois, com tempo e atenção, visitar a antiga portaria do convento novo, na igreja da Graça, onde magníficos painéis de azulejos nos “falam” da vida e dos milagres de São Gonçalo. Admire-se o excelente desenho, mas leiam-se com atenção as legendas, para compreender bem a figuração. Obra de setecentos, apresenta o que a tradição gonçalina foi somando, do século XV em diante, de episódios e milagres, como é próprio das memórias vivas.

Tradição que nos apresenta São Gonçalo como homem de Culto, Caridade e Cultura. De Culto, “em espírito e verdade”, como o jovem Gonçalo o encontrou e celebrou entre os Eremitas de Santo Agostinho – em Lisboa, São Lourenço dos Francos, Santarém e Torres Vedras. De Caridade, partilhando o muito que sabia com os trabalhadores que voltavam do campo e com as crianças que brincavam nas praças; e o pouco de que dispunha, com quem o procurasse ou ele mesmo buscasse. E de Cultura, pois cultivava a palavra e copiava livros de coro, para que o louvor divino se entoasse com verdade e beleza. Uma pintura quinhentista ou de pouco depois retrata-nos S. Gonçalo orlado com notas musicais, aludindo a este seu ofício.





Assim ficou Gonçalo na memória do povo. Sepultado no chão do convento, logo começou a romagem dos que pediam a sua ajuda celestial. Tocavam a terra onde jazera, mesmo quando os seus confrades lhe puseram os ossos num cofre mais resguardado. A terra foi depois conservada num sepulcro de pedra.

Sumariemos as trasladações: A primeira essa mesma, em 1492, no convento velho, quando as ossadas foram guardadas num cofre; em 1518 fez-se o referido sepulcro de pedra, com a sua imagem, guardando terra do primeiro sepultamento, que se podia tocar por uma abertura.

É neste sepulcro que encontraremos a mais sólida comprovação da memória certa que logo deixou. Se faleceu em meados do século XV, não passou muito tempo para lhe reconhecerem a santidade, assim gravada em pedra: «Esta sepultura é do bem-aventurado frei gº de lagos feita no mês de Janº de 1518». Entretanto, já em 1495 a Câmara de Torres Vedras o tomara por como padroeiro da vila e termo.

Em 1559 começou a demolição do convento velho, repetidamente alagado pelas cheias. O cofre com os ossos veio para a gafaria de Santo André, para onde os frades se transferiram e onde começou a construção do convento novo. Depois veio também o sepulcro de pedra.

Em 1580 já se puderam colocar o cofre das ossadas e o sepulcro de pedra na nova igreja da Graça, num nicho mandado fazer pela Câmara, ao lado do altar do Crucifixo. Uma inscrição em tábua referia «o corpo do Beato Gonçalo de Lagos por muitos conhecido de grandes milagres».

Em 1640 o cofre e ao sepulcro foram transferidos para outro nicho, na capela-mor, com a legenda em azulejos que continuamos a ver: S. DO SANTO PADRE FREI GONÇALO DE LAGOS PRIOR QUE FOI DESTE CONVENTO Q[UE] EM VIDA FLORECEO EM VIRTUDES E NA MORTE RESPLANDECE EM MILAGRES.

Finalmente, em 1784, as ossadas, colocadas em novo cofre, são mudadas para o altar de São Gonçalo, ficando o sepulcro de pedra no local anterior.

É neste que podemos encontrar a mais certa imagem do que ele foi e da memória da sua figura, mesmo que toscamente esculpida. Dali sobressai um frade agostinho, com o seu próprio hábito e correia à cintura, com um capuz que já é uma auréola, com tonsura e barba, olhos expressivos e boca a falar, mãos que lhe acompanham pregação e um livro ao de cima, de Evangelho anunciado. 

Guardemos-lhe esta imagem, tão verosímil que é. Não temos outra de alguém desse tempo, convivente aqui. Traz-nos o melhor de então, para o sermos hoje.

 






FANZINE TORRIENSE IMPULSO | Jornal BADALADAS - 27 OUTUBRO 2023

 

Os 50 anos do Fanzine Torriense IMPULSO

Venerando Aspra de Matos

     

O conceito “patrimónios” inclui actualmente um conjunto diversificado de manifestações culturais que, com o passar do Tempo, se incrustaram na memória colectiva das comunidades humanas. É o caso da publicação Impulso, um exemplo de acção cultural pioneira, que deixou marcas indeléveis na vida cultural torriense | JMD

 

A designação de “Fanzine” é uma referência a publicações amadoras, impressas de forma rudimentar, que se expandiram muito nas décadas de 60 e 70 do século XX graças ao aparecimento de novas técnicas da impressão, como o stencil electrónico, permitindo edições baratas e rápidas. O termo fanzine é uma combinação de “fã” (ou “fanático”) com “magazine” (publicação em “revista”).

Os “fanzines” dedicam-se à divulgação de textos e obras de “Fãs” da cultura alternativa, a banda desenhada, a ficção científica, o policial ou a música popular, e muitas vezes o interdito, como o erotismo.

Na Europa o movimento dos “fanzines” está muito ligado à afirmação da Banda Desenhada como arte, combatendo preconceitos sobre a 9ª arte e permitindo divulgar novos autores à margem do circuito comercial, dominado pelas grandes editoras e revistas tradicionais. Foi o que aconteceu com a aparecimento de Giff-Wiff em França, em 1962, ligado ao “Le Club de Bande Dessinée”, criado nesse ano, para defender as qualidades artísticas dessa arte, tendo publicado vários números até 1967. Giff-Wiff é considerado o primeiro “fanzine” de BD, pelo menos no espaço “franco-belga”.

Deve-se à  revista Tintin, cuja edição portuguesa se iniciou em 1968, a divulgação, em Portugal, do movimento de fanzines de Banda Desenhada. Vasco Granja foi um dos responsáveis pela divulgação dessas edições de tipo “underground”, quer na secção de notícias daquela revista, quer na sua colaboração com colunas de informação sobre BD, que começavam a surgir regularmente em páginas da imprensa nacional, com destaque para o jornal A Capital e o seu suplemento Quadradinhos.

Foi assim que muitos entusiastas pela Banda Desenhada, muitos deles jovens à procura de um espaço para divulgarem os seus trabalhos e outros interessados em escrever textos de divulgação sobre o seu passatempo preferido, a leitura de Banda Desenhada, se decidiram a começar a editar os primeiros fanzines portugueses. Um conjunto de factores que se cruzaram nesse período facilitaram o nascimento dos primeiros fanzines em Portugal, o que aconteceu em 1972. Para além do já referido efeito da edição portuguesa da revista TinTin, esse foi o período da chamada “Primavera marcelista”, que levou a algum abrandamento da censura, o da massificação das escolas secundárias, os antigos Liceus, que tiveram de aumentar os seus recursos tipográficos, para a feitura dos testes e de materiais de apoio, incluindo as “modernas” máquinas de impressão a stencil, principalmente o chamado stencil electrónico, que tornavam muito mais fácil produzir matrizes com ilustrações.

Embora alguns apontem como  primeiro “fanzine” português a edição de  O Melro em 1944, da autoria de José Garcês, um único exemplar que o autor alugava a quem o quisesse ler, o primeiro fanzine português, integrado nos novos tempos dos anos 70,  foi o Argon, editado em Janeiro de 1972 por alunos do liceu Gil Vicente, em Lisboa, com a publicação de BD original.

 

Em Torres Vedras




Um dos fanzines editado em Portugal por essa altura e o primeiro de 1973, publicado no dia 6 de Janeiro, foi o Impulso, “fabricado” no Liceu de Torres Vedras, com originais da autoria de jovens autores, textos informativos e teóricos. A qualidade da impressão a stencil não era muito famosa. O grupo que esteve na origem da edição do Impulso tinha em comum, para além da amizade pessoal, escolar e de vizinhança, de longa data entre alguns deles, o gosto pela leitura de Banda Desenhada e o desejo de editar aquilo que, de forma por vezes muito naif, cada um ia fazendo.

A edição do Impulso contou com o apoio do então reitor do liceu, o Dr. Semedo Touco, homem liberal e compreensivo, e que nos garantiu, não só o suporte técnico, mas também o suporte financeiro para a edição desse fanzine, sem nunca ter intervindo nos conteúdos deste.

O fanzine tinha uma tiragem média de 150 exemplares e um custo de cerca de mil escudos (cinco euros) por edição, dois terços dos quais eram suportados pela escola e o restante pelas vendas. Inicialmente o Impulso vendia-se ao preço unitário de dois escudos e meio (pouco mais de …um cêntimo), mas o seu preço foi subindo ao longo do ano.

Fizeram parte da equipa do Impulso o Vaam (Venerando), o seu irmão Mário Luís, o Carlos Ferreira, o João Nogueira (Janeca), o Mário Rui Hipólito, o Manuel Vilhena, o Calisto, o José Eduardo Miranda Santos (Zico), este exterior à escola mas amigo dos restantes, e que possuia uma das mais variadas e extensas colecções de álbuns  e revistas de BD que todos liam avidamente. Ao grupo de vizinhos e amigos de longa data, juntaram-se dois prometedores autores de BD, o Joaquim Esteves e o Antero Valério, sem dúvida os que, de todos nós, possuíam melhores qualidade artísticas. Mais tarde juntaram-se à equipa o Jorge Barata e o António Trindade. O Carlos Caetano, o Primor e o Carillho também andaram com o grupo, mas não integraram o grupo de colaboradores na edição do Impulso.Em Janeiro de 1973, o mais velho do grupo tinha 16 anos e os mais novos tinham cerca de 11 anos. Foram editados cinco números ao longo de 1973, feitos com a revolucionária tecnologia de então, o stencil electrónico, existente no liceu para a feitura dos testes escolares, contando então com a preciosa colaboração do Emílio Gomes que dominava essa tecnologia e ensinou a todos o seu uso.

Foi nas suas páginas que surgiu a primeira entrevista conhecida com Vasco Granja, feita pelo “Zico”, e que gerou alguma polémica com o fanzine Aleph. Como todos se envolveram na vida associativa e política em 1974 e 1975, só voltaram, e pela última vez, a editar o Impulso em Abril de 1976, agora financiado pelo Cine-clube de Torres Vedras.

Para esta edição juntou-se o núcleo duro da 1ª série, número que reflecte muito do ambiente politico ainda vivido e imbuído dos mitos revolucionários dos dois anos anteriores, propondo-nos “desmascarar a rede comercial montada pelos agentes editoriais com um fim unicamente lucrativo” e “desmistificar a BD alienante e reaccionária que se publica na quase totalidade dos jornais e revistas” (do editorial).

Ainda houve fôlego para realizar uma exposição de Banda Desenhada no “Grémio”, entre 17 de Outubro e 20 de Novembro de 1976, integrada nas comemorações do 20º aniversário do Cineclube de Torres Vedras, exposição que foi depois emprestada para ser mostrada em Coimbra e Espinho. Para integrar essa exposição publicou-se um último número do Impulso, em formato reduzido, um “fora-de-série”, que funcionou como uma espécie de catálogo da exposição.

Mais tarde alguns dos fundadores do Impulso, com outros amigos, editaram um novo fanzine, o BêDêZine, editado pela Cooperativa de Comunicação e Cultura em Novembro de 1985, na sequência da realização do primeiro, e também único, Salão de Banda Desenhada de Torres Vedras. A capa desse número zero foi da autoria do consagrado autor nacional Arlindo Fagundes e contou ainda com a colaboração de um histórico da BD nacional, o José Ruy, este com um texto sobre a condição de autor de BD em Portugal e um desenho original do capitão Batávias, personagem da sua obra Porto Bomvento.

Alguns dos autores do Impulso e do BêDêzine voltaram-se a encontrar na revista humorística O Barrete, publicada por ocasião do Carnaval de Torres de 1996 e que durou até 2017, editada pela Associação de Defesa do Património e pelo Espeleo Clube de Torres Vedras e financiada pela RadioOeste.

Exposição comemorativa

Para comemorar o cinquentenário desse projecto pioneiro, foi inaugurada, no passado dia 14 de Outubro, na Biblioteca Municipal de Torres Vedras, uma EXPOSIÇÃO COMEMORATIVA DOS 50 ANOS DA FANZINE IMPULSO, que pode ser visitada até 30 de Novembro, e onde se documenta a história que aqui contámos. Na mesma ocasião foi editado um número especial comemorativo do fanzine Impulso, com o apoio da Câmara Municipal de Torres Vedras.

Espera-se, com esta iniciativa, que vai tentar correr as escolas do concelho, fazer renascer, em termos locais, o espirito do movimento dos fanzines, contribuindo, quem sabe, para a revelação de novos talentos na Banda Desenhada.

 

    


PRAÇA MACHADO DOS SANTOS | Jornal BADALADAS 29 SETEMBRO 2023

 

Praça Machado Santos

COMPREENDER, REABILITAR E FRUIR

 

José Pedro Sobreiro

Pedro Fiéis

 

Aspecto da Praça, anos 80

Vulgarmente conhecemo-la como a Praça da Batata, nome que lhe ficou dos anos 50, quando se enchia de gente dos campos que vinha à vila vender esse produto tão essencial na dieta popular. Era feira mensal e decorria às segundas-feiras.                                                              

Atualmente passamos sem nos determos grandemente, sequer refletindo nas potencialidades daquele que é um dos espaços mais interessantes da urbe por ser, no Centro Histórico (CH), um lugar ameno a pedir aposta na convivência.                                                                                                                                            

Sabia-se que aquele espaço tivera uma ocupação diferente em tempos idos, tendo em conta a observação da Planta do Campo Militar de Torres Vedras, um dos mais antigos mapas conhecidos da vila, desenhado por alturas das guerras liberais em 1846. Esse documento mostra-nos alguns arruamentos que convergem para esse local, com uma orientação diferente da atual - designadamente a partir da Rua das Olarias (atual Paiva de Andrade). Assim, parece que a Travessa do Furtado teria continuidade para a praça e desta partiria um arruamento para o largo do Terreirinho, por detrás da igreja. Independentemente do rigor de tal registo, torna-se claro que foi zona muito alterada. Isso terá acontecido em finais do séc. XIX, ou talvez no início do séc. XX.

UM SÍTIO COM VIDA

Naturalmente com o tempo, o uso da praça foi acompanhando as mudanças sociais. Ali se chegou a ver cinema, projetado nas paredes da igreja. Nas décadas de 50 e 60 o local tinha uma vitalidade social intensa, não apenas pelo burburinho nos dias de mercado, mas igualmente no dia a dia, pelos que o habitavam e os muitos que ali trabalhavam – na Moagem Clemente, na Serração do Pio, e, sobretudo, na Fábrica A da Casa Hipólito, com a movimentação de centenas de operários, às horas de entrada e saída.          

E não esquecendo o pequeno comércio, como a loja do Ti Gregório, que vendia de tudo ou as inúmeras tabernas que pontuavam a rua que vinha da Porta da Várzea até ao Terreirinho. O que nos leva a 1954, ano em que o centro do terreiro foi ocupado por um Posto de Transformação de alta tensão para abastecimento da contundente (e intrusiva) unidade fabril da Hipólito, deixando o espaço em redor para o estacionamento dos automóveis, que a pouco e pouco iam ocupando o espaço público.  

O POÇO

Quando em setembro de 1996, ano em que a EDP resolve demolir o posto de transformação (PT) que servira a já extinta fábrica, um facto surpreendente veio revelar-se aos olhos de todos – mesmo no centro da praça, sob o chão do PT encontrava-se um poço!

 Esta Associação, alertada para o facto e atendendo às circunstâncias, iniciou escavações de emergência no local, que vieram a revelar a existência de um poço de razoáveis dimensões (indiciando o seu caráter público) de planta circular e de cúpula. E em torno dele uma série de estruturas de construções antigas, sobretudo para o lado sul, comprovando-se como seria diferente a ocupação daquele espaço, denominado, em séculos anteriores, como Largo de São Thiago. Alguns cidadãos mais idosos revelaram, de resto, a memória desse poço de abastecimento público, com bomba hidráulica, e o mesmo vem referido num registo de 1907.

No entanto, perante a urgência da Câmara em renovar o piso, prosseguindo o revestimento em calçada portuguesa que havia iniciado em algumas ruas do CH, a escavação foi liminarmente suspensa ao fim de poucos dias, não sem grande relutância da nossa parte, sempre desejosos de aumentar o conhecimento sobre o passado da urbe. Foi, então, o poço atulhado e realizada a repavimentação projetada. Dos breves trabalhos realizados foram elaborados relatórios, quer pela ADDPCTV, quer por técnicos do museu municipal.

A intervenção então levada a cabo consistiu apenas no nivelamento e renovação do piso, com supressão da placa central alteada. Assim, nos anos seguintes, o espaço ficou reservado ao estacionamento automóvel. Permaneceram as velhas árvores, envolvidas que foram por inestéticos bancos circulares em cimento (depois pintadas de vermelho!) pistas de dança para os foliões, únicos fruidores daquele espaço. Até que, talvez por desgosto, foram definhando e depois abatidas. Com o desaparecimento do PT criava-se a oportunidade única para repensar o futuro daquele espaço.

Sempre questionamos diversos executivos sobre uma requalificação, aposta consecutivamente adiada, somente com a certeza da tal ocupação pontual, chegando-se a 2023 com uma praça feiosa, triste, desinteressante, um autêntico deserto urbano.

ENTÃO, E A ARQUEOLOGIA?

Em 2019 propôs a Câmara, finalmente, uma nova intervenção para requalificar o espaço, obra que decorre neste momento. Recordemos então que, na conclusão dos trabalhos de 1996, ficou expresso de forma liminar o propósito de, em ocasião futura, se tal fosse proporcionado, os trabalhos arqueológicos seriam concluídos com tempo e método, incluindo uma prospeção mais rigorosa do fundo do poço, sabendo como são sítios passíveis de conter objetos de valor arqueológico                                                       

Ora, a ocasião seria esta! A praça e a sua envolvente permanecem expectantes, desocupadas de funções que impeçam ou dificultem o seu encerramento ao público, abrindo uma janela de oportunidade rara. E, estando agora as obras a decorrer, eis que nas escavações feitas para remodelar infraestruturas (saneamento e energia) apareceu uma cabeceira de sepultura medieval, assim como ossadas de enterramentos junto à igreja.

Também foi posta a descoberto um troço de calçada no interior de uma das casas - pressupondo a anterior existência de via pública. Com efeito, estes achados deveriam reforçar a pertinência de se proceder a um plano de escavações mais profundo, incluindo a exploração do interior do poço, e não o simples  “acompanhamento de obra”, tal como é preconizado pela tutela da DGPC. Mas para tal seria necessário um maior empenhamento da edilidade na investigação da história urbana da vila de Torres Vedras.

UM NOVO ESPAÇO

Apesar disso há um novo projeto, valha-nos isso!  Um projeto muito suave, pouco intrusivo, que visa requalificar antigas infraestruturas e devolver o espaço à população, sem grandes intromissões. Com ele concordámos nas suas linhas gerais, cujos principais tópicos relembramos: 

A não inclusão de qualquer estrutura fixa de mobiliário urbano, que condicione a utilização diversificada do espaço, sendo imperativo retirar os bancos circulares;                                            

 A valorização da imagem degradada da banda sul, reabilitando ou reconstruindo os edifícios, dentro de uma tipologia tradicional;     

A vocação para aceitar esplanadas (em vez de as situar nos arruamentos, como hoje se pode ver nas suas imediações);                                                                                                                                     

A rearborização, fundamental para a valorização daquele espaço, tornando-o aprazível e convidativo para o lazer.                                                                                                                

Este ponto é aquele que nos parece menos conseguido, atendendo à sua importância no quadro das atuais alterações climáticas, com as altas temperaturas que tornam insuportável a estadia em locais revestidos de pedra.

Concluindo, a Praça Machado dos Santos é um dos espaços mais interessantes do CH, aberto e ao mesmo tempo recatado, um lugar ameno a pedir aposta na convivência. E essa é uma palavra crucial – a convivência. Afinal o que pretendemos que seja o nosso CH? Um espaço de continuidade intergeracional, onde a memória é preservada (nem que seja só pelo registo e pelo estudo) e não apenas uma relíquia do passado, sim um local com vida. Importava por isso conhecer bem para explorar toda a sua potencialidade.           



Evolução negativa






Projecto da Câmara Municipal de Torres Vedras para a reabilitação da Praça Machado dos Santos:

https://www.cm-tvedras.pt/artigos/detalhes/camara-municipal-aprovou-projeto-de-requalificacao-da-praca-machado-dos-santos 


26 agosto 2023

OBJECTOS COM HISTÓRIA - O CONTADOR DE VIDAS | Página PATRIMÓNIOS NO BADALADAS DE 25 AGOSTO 2023

 

OBJECTOS COM HISTÓRIA: O CONTADOR DE VIDAS

Christiane Schickert

 


No conceito de Patrimónios cabem realidades diferenciadas que têm em comum o carácter de testemunhos históricos. É o caso deste contador, evocativo de tempos e gentes que fazem parte da nossa memória colectiva. Gratos à autora, cidadã alemã a viver em Portugal há muitos anos, agora radicada em Torres Vedras. | JMD

Há dias, chegou-me às mãos a imagem dum objecto hoje perfeitamente obsoleto, mas que me traz à memória um rol de histórias. É um instrumento rudimentar para efectuar contagens, de “tecnologia” básica: cada pressão no botão regista uma unidade. De fabrico alemão, terá sido produzido há cerca de 100 anos. Pertenceu ao meu irmão mais velho, já falecido, e durante os anos em que trabalhámos juntos, numa grande agência de viagens de Lisboa, muitas vezes o vi na sua mão. Sabemos que, nos inícios da actividade turística em Lisboa, antes da primeira Guerra Mundial, aquela geringonça teria servido, por exemplo, para contar os turistas alemães que se aventuravam a descobrir as belezas da Serra de Arrábida, a partir de Azeitão, montados em ... burros!

 

ANOS 60, PORTUGAL

Mas agora estávamos nos anos sessenta, altura em que, empurrados pelas difíceis condições de vida, centenas de milhares de portugueses enveredaram pelos caminhos da emigração, rumo à Europa central: França, Alemanha, Bélgica, Luxemburgo, entre outros países. Não poucos optaram pela via clandestina, passando a fronteira a salto ou partindo sem rumo definido nem perspectiva concreta de trabalho. Mas a grande maioria, oficialmente requisitada pelas autoridades dos países de destino como mão de obra de que urgentemente careciam, era agrupada em transportes semanais de caminho de ferro, com transbordo em Hendaya. Estando a agência em que trabalhávamos encarregada da organização desses transportes, tive ensejo de viver muito de perto este verdadeiro drama humano que é a emigração.

Local: Lisboa, Estação de Santa Apolónia. Hora: 07.00 da manhã. São centenas de homens e (poucas) mulheres, de roupa escura e semblante carregado que se acotovelam no topo das linhas. Chegam a ser mais de 500, numa viagem. Os destinos são Paris, Colónia e Estugarda. Na cancela de acesso ao cais, as presenças são registadas com um “clique” no tal contador. Cada clique confirmava que mais uma pessoa tinha recebido a sua passagem de comboio (uma minúscula contramarca de cartão, do tamanho dos bilhetes de eléctrico da altura, e muito fácil de se perder...), bem como o respectivo farnel. Preparados por uma empresa de catering, os farnéis continham: um frango assado, várias “sandes” de chouriço e ovos mexidos, bolachas, algumas peças de fruta, água e uma pequena garrafa de vinho. Comida para uma viagem de dois dias e meio! À medida que se aproxima a hora de partida, mais lancinantes se tornam as cenas de despedida dos muitos familiares que não se pouparam à longa viagem desde a “terra”, de táxi ou de camioneta, para dar um último abraço aos pais, filhos, irmãos ou amigos. Gente de aspecto humilde e acabrunhado, os homens de boné, as mulheres de xaile, com crianças pequenas nos braços. Lágrimas, gritos, desmaios e olhares como que empedernidos dos que partem. Nessa altura, de Lisboa viajavam essencialmente pessoas oriundas do sul do país: Algarve, Alentejo, Ribatejo e Estremadura, enquanto os nortenhos eram encaminhados a partir do Porto. Nunca esquecerei as enormes listagens, verdadeiros “lençóis”, onde era preciso dar baixa dos já presentes. Cuba, Vidigueira, Mourão, Aljustrel, Reguengos, Gavião, nomes de tantas e tantas localidades que se foram esvaziando dos seus homens, deixando para trás as mulheres, as crianças e os idosos.  Uma pequena nota de humor eram os maravilhosos apelidos que surgiam, sobretudo dos alentejanos. Por entre os vulgares Camelo, Cação e Cabaço, dois deles, por impagáveis, ficaram gravados na minha memória: Maria Jesuína Xarope Pé-Leve; e Manuel António Catrapoula Espingarda!

Numa manhã escura e chuvosa, faltaram à chamada quatro homens. Havendo quem os tivesse visto na viagem da terra até Lisboa, pusemo-nos à procura em todas dependências e átrios da estação. Já quase sobre a hora de partida, fui dar com eles ... instalados, com toda a sua parafernália de bagagens, nos bancos do carro eléctrico amarelo, estacionado frente à gare! Foi um episódio que me entristeceu profundamente: como iriam aqueles seres, que nem na sua própria terra se sabiam orientar, enfrentar um mundo totalmente diferente do seu, em que nem a língua era a mesma?! Aliás, o “dia de Santa Apolónia” era sempre um dia emocionalmente pesado, para todos nós. Ficava um travo amargo e uma enorme compaixão por estas vidas desviadas da sua rota por um destino ingrato.

Felizmente, hoje em dia, vivendo numa zona de forte emigração, sobretudo para a Alemanha, falo com muitas pessoas que por lá singraram, foram felizes, criaram os filhos e, entretanto regressados para gozar a merecida reforma, trouxeram boas recordações. É grande o poder do Homem de forjar o seu destino.

 

Foto de Gerald Bloncourt


TURISTAS POLACOS

Mudamos de cenário: Ano: 1965 ou por aí. Local: Cais de Alcântara, 07,30 h duma fria manhã de Outono. A nossa agência é responsável por organizar as excursões em terra de um barco de cruzeiro polaco, uma raridade nos tempos da Cortina de Ferro. Lá está o meu irmão com o indispensável contador, para confirmar o número de passageiros em cada um dos muitos autocarros alinhados no cais. Vindos duma Polónia hermeticamente fechada ao ocidente, os passageiros, embora bem vestidos (recordo que as senhoras usavam belos casacos de peles) não dispunham, no entanto, de um único centavo de divisas portuguesas! Nem um café poderiam beber, durante a breve estadia em solo português. Recordo-me que, ao verem que alguém no autocarro trazia na mão um atraente folheto publicitário do Restaurante Solmar, as pessoas tornavam a sair, para também pedirem algo ... que era distribuído gratuitamente, coisa impensável na terra deles. A páginas tantas, sou abordada por um pequeno grupo de turistas polacos que, num inglês algo incipiente, me pedem um enorme favor: são católicos crentes e inscreveram-se neste cruzeiro sobretudo na enorme esperança de poderem conhecer Fátima. Um desejo impossível de confessar à direcção dum cruzeiro vindo dum país oficialmente ateu e que era acompanhado por agentes da polícia política. Disseram-me: “Juntámo-nos todos na mesma camioneta, e prescindimos de ir visitar a Batalha ou Alcobaça, se em vez disso pudermos dizer uma oração em Fátima”.  O problema era que o percurso, por mais longo, se tornaria mais caro, e eles não tinham dinheiro para pagar. Que fazer? Apesar da hora, 7 da manhã, resolvi ligar ao dono da nossa agência de viagens, o Senhor Arno Harting, homem crente que há muitos anos dirigia o Conselho de Paróquia da Igreja Evangélica Alemã de Lisboa, em Palhavã. E, tal como esperava, obtive o consentimento dele: ele próprio assumiria o pagamento da diferença. Um belo gesto de ecumenismo. No final do dia, regressaram felizes e gratos; convidaram-me a tomar uma bebida a bordo e ofereceram-me uns pequenos bonecos de artesanato polaco, em madeira. Separámo-nos com um abraço fraterno de cristãos.

Que mais histórias nos poderia relatar o velho contador de metal? Não sei, mas gosto de as imaginar, coloridas, variadas e ... sempre humanas.

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A página no BADALADAS




10 agosto 2023

PASSEIO DOS POETAS EM SANTA CRUZ

 Foi no passado Domingo, 6 de Agosto 2023.

28 pessoas aderiram ao percurso proposto por Joaquim Moedas Duarte, da Direcção da ADDPCTV e evocaram os três poetas que deixaram marcas da sua passagem pela praia de Santa Cruz - Torres Vedras: Antero de Quental, com seu amigo Jaime Batalha Reis, nos Verões de 1868 a 71; João de Barros, nos anos 50 do séc. XX; e Kazuo Dan em 1971/72.

No final, o actor, músico e cantor Weber Carvalho interpretou cinco sonetos de Antero de Quental, que musicou para este dia. Foi um belíssimo final, na Capela de Santa Helena.

Algumas imagens, para memória futura:


O grupo, junto ao memorial de João de Barros


Junto ao monumento ao escritor japonês Kazuo Dan


Junto da estátua de Antero de Quental





No memorial a João de Barros

No final, Ângela Vitória, do Sector de Turismo  da Câmara Municipal de Torres Vedras, responsável pela organização, e Weber Carvalho, com seu violão


09 agosto 2023

PASSOS EM VOLTA - FIGURAS ILUSTRES DE TORRES VEDRAS | 25 JUNHO 2023

 



O Sector do Turismo da Câmara Municipal de Torres Vedras, através da Ângela Vitória, convidou a Associação do Património de Torres Vedras a participar em mais um percurso cultural da série PASSOS EM VOLTA. O tema era "figuras ilustres de Torres Vedras", perpetuadas em estátua, busto ou outro tipo de monumento.

Coube a Joaquim Moedas Duarte, membro da Direcção da ADDPCTV, organizar o percurso e fazer as explicações informativas junto de cada figura.
A foto foi tirada no final do itinerário, junto do busto do Dr. José Maria Antunes.





LISTA DE FIGURAS

 

Dr. Afonso Vilela

Dr. José Maria Antunes

P. Joaquim Maria de Sousa

Henriques Nogueira

Luís António Maldonado Rodrigues

 Bispo de Limira (Bispo Joaquim Rafael da Assunção)

Ana Maria Bastos

Homem Rural (Monumento)




Descobrir outros Patrimónios | Jornal BADALADAS 28 JULHO 2023

 

Descobrir outros Patrimónios - Torres Vedras e Marvila

Pedro Fiéis

Professor e Presidente da Direção da ADDPCTV

 

Tem sempre sido apanágio da Associação para Defesa e Divulgação do Património Cultural de Torres Vedras ( ADDPCTV) colaborar ativamente com as escolas, afinal é nos jovens que começamos a incutir a importância da preservação do Património, material e imaterial, da paisagem natural, da identidade que nos torna singulares num mundo global. Por isso, mas não só, aceitou esta direção desde o primeiro momento o desafio colocado por professoras do Agrupamento de Escolas Madeira Torres (AEMT), de colaboração no seu projeto do Plano Nacional das Artes (PNA).

Tal como descrito em texto anterior, o PNA utiliza as artes como forma de “indisciplinar” a escola, ou seja, é proposto aos participantes que saiam da norma habitual, que é a sua disciplina e sala de aula, que seja alargado o campo de ensaio do jovem, quer através da partilha de experiências interdisciplinares, quer convivendo diretamente com obras de arte e seus executores, por forma a poder construir-se “a nossa identidade em diálogo com esse depósito de humanidade que está no património e nas obras de arte”.

Recordo o intercâmbio entre alunos da Escola Básica Padre Francisco Soares (do AEMT), em Torres Vedras, e do Colégio Cesário Verde, em Marvila, que estabeleceu relações de cultura, promovendo o debate, a conservação, o conhecimento e a valorização do património de ambos os locais. Os itinerários explorados pelos alunos abrangeram uma diversidade de temas, como a arquitetura, as tradições, a gastronomia, lojas com história, todo um conjunto de património artístico e natural que nos une na diferença, mas onde podemos igualmente encontrar pontos em comum, como a firma Abel Pereira da Fonseca e as vivências quotidianas de outros tempos, projetadas na atualidade.

A cooperação entre estas escolas e a ADDPCTV facilitou a construção destes itinerários culturais, expressos em valores materiais e imateriais, conducentes à descoberta e fruição do património local. Pelo caminho foram de mãos dadas com a interdisciplinaridade e transversalidade, proporcionadas pela conjugação de várias formas de arte, promovendo o desenvolvimento de inúmeras competências e aprendizagens essenciais.

Em ambas as escolas, do todo se fez a criação final, no caso do AEMT, culminando na apresentação do espetáculo “Turres Veteras”, no palco do Teatro Cine em Torres Vedras, com uma primeira apresentação interna e uma segunda, a 19 de março de 2023, para as famílias, resultado da residência artística com a Associação MusicÁlareira, cujo repertório foi tocado ao vivo pelos ALBALUNA e as 3 turmas envolvidas.

O projeto, contudo, não se esgotou nesse momento, antes ramificou-se, permitiu explorar outras ideias, como se puxando o primeiro fio, outros surgissem, numa autêntica explosão da imaginação dos jovens, bem enquadrados pelos seus professores, tendo no património um mundo para descobrir e explorar.

Menciono, ainda, como a arte tem o poder de transformar e agregar, assim ao Projeto Cultural da Escola (PCE), o qual integrou o PNA, uniu-se o Plano Nacional de Cinema (PNC), o Plano Nacional de Leitura (PNL) e o Plano Local de Leitura (PLL), do município de Torres Vedras, surgindo o Emocionário Ilustrado I e II, outro trabalho transdisciplinar, com um docu-filme e pinturas e textos expostos na Biblioteca Municipal entre os dias 1 de junho e 14 de julho de 2023.

Alunos do curso de Artes Visuais do Agrupamento de Escolas Henriques Nogueira (AEHN) ilustraram emoções e colegas do AEMT escreveram sobre as mesmas. O que permanece nestes jovens? Uma excelente ferramenta para o autoconhecimento, comunicação, expressão de emoções, auxiliando na gestão de conflitos. Na página do Facebook PCE-AEMT podem ser consultadas notícias e imagens do imenso trabalho desenvolvido por esta equipa excecional.

Equipa à qual deixo um profundo agradecimento: Cristina Coimbra (Coordenadora), Ana Nunes, Elisabete Reis e Niki Paterianaki, com as quais partilhámos esta experiência e as quais terão sempre nesta Associação um parceiro com que podem contar. Bem hajam pela vossa determinação e vontade em construir uma vivência diferente.

Queremos mais, divulgar é palavra primordial nos objetivos da ADDPCTV, é por esse meio que temos dado a conhecer a importância no nosso património coletivo, daí estarmos recetivos a propostas de trabalho, através do email: addpctvedras@gmail.com. A Escola afigura-se como um parceiro imprescindível, veículo de comunicação e cruzamento de saberes entre as várias gerações e de ligação entre o passado e o futuro.

Qual o papel a desempenhar? Precisamente aquele previsto pelo PNA, de mediação, interligando as artes e o património por forma a despertar o olhar, a curiosidade, a criação. Tal como nos é dito, pela junção do tradicional com o contemporâneo, do popular com o erudito, estamos a incutir nas novas gerações a importância do trabalho colaborativo e das artes, sob diversas formas, como sentido para a vida humana, despertando o respeito pelo outro, pela diferença, enfim, construindo uma sociedade mais justa.

É aos jovens a quem escrevo por fim, com 44 anos de existência, esta Associação precisa de todos para continuar a ter razão de existir. Há muito por fazer, projetos para abraçar. Juntem-se a nós com novas ideias, mantendo viva a esperança de ser o Património um elemento primordial na construção futura da nossa sociedade.

Grupo de professores das escolas parceiras com o artista residente em Marvila.


Cartaz exposição Biblioteca Municipal de Torres Vedras

 


Espetáculo Azul – artista residente Alba Luna

 


Espetáculo Azul - Final


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ÓRGÃO HISTÓRICO DA IGREJA DA MISERICÓRDIA DE TORRES VEDRAS Jornal BADALADAS 30 junho 2023

 

O Órgão Histórico da Igreja da Misericórdia Celebra 250 Anos

(Segunda parte)

Daniel Oliveira

Organista titular, professor de Órgão no Conservatório Nacional de Lisboa

e no Conservatório de Música de Torres Vedras.

 

Na primeira parte deste trabalho (Jornal BADALADAS de 26 de Maio), contámos a história deste instrumento secular. Hoje concluímos com as referências ao seu uso contemporâneo, forma de o manter cada vez mais vivo.

 

A criação de uma escola de Órgão

“Respeitar o passado para compreender e servir o presente” foi o lema utilizado pelo saudoso Sr. Vasco Fernandes, antigo Provedor da Santa Casa da Misericórdia de Torres Vedras que sempre sonhou com o restauro do instrumento. De facto, este lema foi colocado em prática logo após o concerto inaugural do mesmo, em 2008, pelo organista João Vaz e a soprano Ana Ferraz.

Após um restauro é fundamental dar uma “nova vida” ao instrumento e que o mesmo dialogue com o meio onde se insere. Sendo este, ainda hoje, o único órgão de tubos ativo no concelho de Torres Vedras, houve desde logo a necessidade de criação de público e, consequentemente, a necessidade de criar uma escola que formasse jovens organistas e sensibilizasse a comunidade para este instrumento, valorizando-o e dando a conhecer compositores e obras musicais dedicadas ao mesmo. Em 2009, numa feliz parceria entre a Santa Casa da Misericórdia e o Conservatório de Música da Física de Torres Vedras, foi possível a abertura do curso oficial de Órgão no concelho. Desde então, as aulas e as audições dos alunos contribuíram para uma descoberta maior do instrumento, passando já por esta classe de órgão umas boas dezenas de alunos. Actualmente, e graças a este cativante instrumento, a classe de órgão do Conservatório de Música da Física, é composta por cerca de 25 alunos, contando com dois docentes do instrumento.

 

O Ciclo de Órgão de Torres Vedras e a Sua Presença na Comunidade

Com a criação de uma classe de órgão, surge também a necessidade de criação de momentos de fruição artística, onde o órgão histórico interagisse de uma forma mais direta com a comunidade.

Começou-se então a dar os primeiros passos neste campo. Em 2010 surgem os primeiros concertos de órgão que tinham como principal objectivo ancorar o instrumento na comunidade e dar a conhecer práticas musicais, compositores e géneros certamente nunca ouvidos neste espaço geográfico, mas mantendo sempre o foco na historicidade do instrumento, divulgando a música e compositores do tempo da construção do mesmo.

Embora estes concertos surgissem num contexto muito informal e simples, começou a ser notório o carinho que a população torreense nutria pelo espaço e pela música que ali se fazia, convidando sempre o público a uma autêntica viagem pela História, pela nossa história.

Mais tarde, em 2015, surge o Ciclo de Órgão de Torres Vedras na sua primeira edição, contando com a organização da Câmara Municipal de Torres Vedras e da Santa Casa da Misericórdia. Um Ciclo onde o órgão histórico Bento Fontanes era o digno anfitrião. Até hoje este Ciclo tem trazido organistas de renome internacional, ajudando jovens organistas a afirmarem-se no panorama artístico regional e nacional, bem como a colocar este instrumento na rota dos Órgãos Históricos da Europa, sobretudo através da transmissão online dos recitais, levando Torres Vedras e este autêntico documento histórico vivo a todo o mundo.

Celebrando a V edição deste ciclo, foi lançado um CD que documentou música portuguesa e italiana dos séculos XVIII e XIX neste mesmo instrumento. Foram intérpretes Daniel Oliveira ao órgão, Marcos Lázaro no violino barroco e foi editado pela editora francesa FSB.

 

CD lançado em 2020 que regista discograficamente o Órgão da Igreja da Misericórdia

 

Um instrumento ou um documento histórico

O órgão de tubos é, sem dúvida, o instrumento de tecla mais antigo que se conhece. Os mais antigos terão cerca de 600 anos de existência.

Ao contrário de outros instrumentos históricos, que ficam em exposição em museus sendo possível fazer cópias dos mesmos mas não serem usados regularmente, os órgão históricos presentes nas igrejas são, por um lado, instrumentos originais que transportam consigo um legado ou herança cultural, religiosa e musical de vários séculos, catalogando-se como peças de museu, mas por outro lado, são objectos vivos, que soam e que conseguem reproduzir autenticamente as sonoridades de uma determinada época naquele mesmo espaço. Assim, o Órgão da Igreja da Misericórdia de Torres Vedras é, simultaneamente, um instrumento musical e um autêntico documento do século XVIII.

Uma pérola do nosso património que interage de forma multidisciplinar. Na educação através do ensino da música aos mais jovens, na sociedade através da criação de uma nova oferta cultural, na religião ajudando os crentes na oração, e na revitalização do centro histórico da cidade. São 250 anos bem celebrados e que merecem o nosso aplauso, com os votos de boa saúde, com muita atividade em prol dos torreenses.

A classe de Órgão surge em prol do instrumento histórico da Igreja da Misericórdia que, através das suas sonoridades envolventes e motivantes, tem cativado inúmeros alunos ao longo destes anos. 

De referir que os alunos participam ativamente em concertos neste mesmo instrumento, bem como a realização de Masterclasses por organistas nacionais e estrangeiros tem sido uma constante, proporcionando uma forte interação entre o órgão histórico da Santa Casa da Misericórdia e os alunos torreenses, que estudam no Conservatório de Música da Física, que neste momento se encontra com as suas inscrições abertas, convidando toda a comunidade a conhecer e estudar este instrumento maravilhoso. 

 

Testemunhos 

" O Órgão da Igreja da Misericórdia foi marcante para a minha formação. Ali aprendi a voar pela história da música e dos sons. Hoje, sou licenciada em relações internacionais, mas as aulas na Misericórdia marcaram-me para sempre"

Bárbara Pereira, antiga aluna de Órgão da Física de Torres Vedras 

 

"Quando ouvi pela primeira vez o órgão histórico da Misericórdia, senti que era algo diferente de qualquer outro instrumento. Foi numa demonstração de instrumentos e, desde logo, senti que queria tocar este instrumento."

Bernardo Picoto, Antigo aluno da classe de Órgão do Conservatório de Música da Física. 

 


Concerto na Igreja da Misericórdia de Torres Vedras, alunos CNL

 

 

Um muito jovem aluno de órgão

 



Concerto com a participação do coro masculino da Escola de Música da Física

 

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Página do jornal BADALADAS