Praça Machado Santos
COMPREENDER, REABILITAR E FRUIR
José Pedro Sobreiro
Pedro Fiéis
Vulgarmente
conhecemo-la como a Praça da Batata, nome que lhe ficou dos anos 50, quando se
enchia de gente dos campos que vinha à vila vender esse produto tão essencial
na dieta popular. Era feira mensal e decorria às segundas-feiras.
Atualmente passamos sem nos determos grandemente, sequer refletindo nas potencialidades daquele que é um dos espaços mais interessantes da urbe por ser, no Centro Histórico (CH), um lugar ameno a pedir aposta na convivência.
Sabia-se que aquele espaço tivera uma ocupação diferente em tempos idos, tendo em conta a observação da Planta do Campo Militar de Torres Vedras, um dos mais antigos mapas conhecidos da vila, desenhado por alturas das guerras liberais em 1846. Esse documento mostra-nos alguns arruamentos que convergem para esse local, com uma orientação diferente da atual - designadamente a partir da Rua das Olarias (atual Paiva de Andrade). Assim, parece que a Travessa do Furtado teria continuidade para a praça e desta partiria um arruamento para o largo do Terreirinho, por detrás da igreja. Independentemente do rigor de tal registo, torna-se claro que foi zona muito alterada. Isso terá acontecido em finais do séc. XIX, ou talvez no início do séc. XX.
UM
SÍTIO COM VIDA
Naturalmente
com o tempo, o uso da praça foi acompanhando as mudanças sociais. Ali se chegou
a ver cinema, projetado nas paredes da igreja. Nas décadas de 50 e 60 o local
tinha uma vitalidade social intensa, não apenas pelo burburinho nos dias de
mercado, mas igualmente no dia a dia, pelos que o habitavam e os muitos que ali
trabalhavam – na Moagem Clemente, na Serração do Pio, e, sobretudo, na Fábrica
A da Casa Hipólito, com a movimentação de centenas de operários, às horas de
entrada e saída.
E
não esquecendo o pequeno comércio, como a loja do Ti Gregório, que vendia de
tudo ou as inúmeras tabernas que pontuavam a rua que vinha da Porta da Várzea
até ao Terreirinho. O que nos leva a 1954, ano em que o centro do terreiro foi
ocupado por um Posto de Transformação de alta tensão para abastecimento da
contundente (e intrusiva) unidade fabril da Hipólito, deixando o espaço em
redor para o estacionamento dos automóveis, que a pouco e pouco iam ocupando o
espaço público.
O
POÇO
Quando
em setembro de 1996, ano em que a EDP resolve demolir o posto de transformação
(PT) que servira a já extinta fábrica, um facto surpreendente veio revelar-se
aos olhos de todos – mesmo no centro da praça, sob o chão do PT encontrava-se
um poço!
Esta Associação, alertada para o facto e
atendendo às circunstâncias, iniciou escavações de emergência no local, que
vieram a revelar a existência de um poço de razoáveis dimensões (indiciando o
seu caráter público) de planta circular e de cúpula. E em torno dele uma série
de estruturas de construções antigas, sobretudo para o lado sul, comprovando-se
como seria diferente a ocupação daquele espaço, denominado, em séculos
anteriores, como Largo de São Thiago. Alguns cidadãos mais idosos revelaram, de
resto, a memória desse poço de abastecimento público, com bomba hidráulica, e o
mesmo vem referido num registo de 1907.
No
entanto, perante a urgência da Câmara em renovar o piso, prosseguindo o
revestimento em calçada portuguesa que havia iniciado em algumas ruas do CH, a
escavação foi liminarmente suspensa ao fim de poucos dias, não sem grande
relutância da nossa parte, sempre desejosos de aumentar o conhecimento sobre o
passado da urbe. Foi, então, o poço atulhado e realizada a repavimentação
projetada. Dos breves trabalhos realizados foram elaborados relatórios, quer
pela ADDPCTV, quer por técnicos do museu municipal.
A
intervenção então levada a cabo consistiu apenas no nivelamento e renovação do
piso, com supressão da placa central alteada. Assim, nos anos seguintes, o
espaço ficou reservado ao estacionamento automóvel. Permaneceram as velhas
árvores, envolvidas que foram por inestéticos bancos circulares em cimento
(depois pintadas de vermelho!) pistas de dança para os foliões, únicos
fruidores daquele espaço. Até que, talvez por desgosto, foram definhando e
depois abatidas. Com o desaparecimento do PT criava-se a oportunidade única
para repensar o futuro daquele espaço.
Sempre
questionamos diversos executivos sobre uma requalificação, aposta
consecutivamente adiada, somente com a certeza da tal ocupação pontual,
chegando-se a 2023 com uma praça feiosa, triste, desinteressante, um autêntico
deserto urbano.
ENTÃO,
E A ARQUEOLOGIA?
Em
2019 propôs a Câmara, finalmente, uma nova intervenção para requalificar o
espaço, obra que decorre neste momento. Recordemos então que, na conclusão dos
trabalhos de 1996, ficou expresso de forma liminar o propósito de, em ocasião
futura, se tal fosse proporcionado, os trabalhos arqueológicos seriam
concluídos com tempo e método, incluindo uma prospeção mais rigorosa do fundo
do poço, sabendo como são sítios passíveis de conter objetos de valor
arqueológico
Ora,
a ocasião seria esta! A praça e a sua envolvente permanecem expectantes,
desocupadas de funções que impeçam ou dificultem o seu encerramento ao público,
abrindo uma janela de oportunidade rara. E, estando agora as obras a decorrer,
eis que nas escavações feitas para remodelar infraestruturas (saneamento e
energia) apareceu uma cabeceira de sepultura medieval, assim como ossadas de
enterramentos junto à igreja.
Também
foi posta a descoberto um troço de calçada no interior de uma das casas -
pressupondo a anterior existência de via pública. Com efeito, estes achados
deveriam reforçar a pertinência de se proceder a um plano de escavações mais
profundo, incluindo a exploração do interior do poço, e não o simples “acompanhamento de obra”, tal como é
preconizado pela tutela da DGPC. Mas para tal seria necessário um maior
empenhamento da edilidade na investigação da história urbana da vila de Torres
Vedras.
UM
NOVO ESPAÇO
Apesar
disso há um novo projeto, valha-nos isso!
Um projeto muito suave, pouco intrusivo, que visa requalificar antigas
infraestruturas e devolver o espaço à população, sem grandes intromissões. Com
ele concordámos nas suas linhas gerais, cujos principais tópicos
relembramos:
A não inclusão de qualquer estrutura fixa de
mobiliário urbano, que condicione a utilização diversificada do espaço, sendo
imperativo retirar os bancos circulares;
A valorização da imagem degradada da banda
sul, reabilitando ou reconstruindo os edifícios, dentro de uma tipologia
tradicional;
A vocação para aceitar esplanadas (em vez de as situar nos arruamentos, como hoje se pode ver nas suas imediações);
A rearborização, fundamental para a valorização daquele espaço,
tornando-o aprazível e convidativo para o lazer.
Este
ponto é aquele que nos parece menos conseguido, atendendo à sua importância no
quadro das atuais alterações climáticas, com as altas temperaturas que tornam
insuportável a estadia em locais revestidos de pedra.
Concluindo,
a Praça Machado dos Santos é um dos espaços mais interessantes do CH, aberto e
ao mesmo tempo recatado, um lugar ameno a pedir aposta na convivência. E essa é
uma palavra crucial – a convivência. Afinal o que pretendemos que seja o nosso
CH? Um espaço de continuidade intergeracional, onde a memória é preservada (nem
que seja só pelo registo e pelo estudo) e não apenas uma relíquia do passado,
sim um local com vida. Importava por isso conhecer bem para explorar toda a sua
potencialidade.
https://www.cm-tvedras.pt/artigos/detalhes/camara-municipal-aprovou-projeto-de-requalificacao-da-praca-machado-dos-santos
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