28 novembro 2023

PRAÇA MACHADO DOS SANTOS | Jornal BADALADAS 29 SETEMBRO 2023

 

Praça Machado Santos

COMPREENDER, REABILITAR E FRUIR

 

José Pedro Sobreiro

Pedro Fiéis

 

Aspecto da Praça, anos 80

Vulgarmente conhecemo-la como a Praça da Batata, nome que lhe ficou dos anos 50, quando se enchia de gente dos campos que vinha à vila vender esse produto tão essencial na dieta popular. Era feira mensal e decorria às segundas-feiras.                                                              

Atualmente passamos sem nos determos grandemente, sequer refletindo nas potencialidades daquele que é um dos espaços mais interessantes da urbe por ser, no Centro Histórico (CH), um lugar ameno a pedir aposta na convivência.                                                                                                                                            

Sabia-se que aquele espaço tivera uma ocupação diferente em tempos idos, tendo em conta a observação da Planta do Campo Militar de Torres Vedras, um dos mais antigos mapas conhecidos da vila, desenhado por alturas das guerras liberais em 1846. Esse documento mostra-nos alguns arruamentos que convergem para esse local, com uma orientação diferente da atual - designadamente a partir da Rua das Olarias (atual Paiva de Andrade). Assim, parece que a Travessa do Furtado teria continuidade para a praça e desta partiria um arruamento para o largo do Terreirinho, por detrás da igreja. Independentemente do rigor de tal registo, torna-se claro que foi zona muito alterada. Isso terá acontecido em finais do séc. XIX, ou talvez no início do séc. XX.

UM SÍTIO COM VIDA

Naturalmente com o tempo, o uso da praça foi acompanhando as mudanças sociais. Ali se chegou a ver cinema, projetado nas paredes da igreja. Nas décadas de 50 e 60 o local tinha uma vitalidade social intensa, não apenas pelo burburinho nos dias de mercado, mas igualmente no dia a dia, pelos que o habitavam e os muitos que ali trabalhavam – na Moagem Clemente, na Serração do Pio, e, sobretudo, na Fábrica A da Casa Hipólito, com a movimentação de centenas de operários, às horas de entrada e saída.          

E não esquecendo o pequeno comércio, como a loja do Ti Gregório, que vendia de tudo ou as inúmeras tabernas que pontuavam a rua que vinha da Porta da Várzea até ao Terreirinho. O que nos leva a 1954, ano em que o centro do terreiro foi ocupado por um Posto de Transformação de alta tensão para abastecimento da contundente (e intrusiva) unidade fabril da Hipólito, deixando o espaço em redor para o estacionamento dos automóveis, que a pouco e pouco iam ocupando o espaço público.  

O POÇO

Quando em setembro de 1996, ano em que a EDP resolve demolir o posto de transformação (PT) que servira a já extinta fábrica, um facto surpreendente veio revelar-se aos olhos de todos – mesmo no centro da praça, sob o chão do PT encontrava-se um poço!

 Esta Associação, alertada para o facto e atendendo às circunstâncias, iniciou escavações de emergência no local, que vieram a revelar a existência de um poço de razoáveis dimensões (indiciando o seu caráter público) de planta circular e de cúpula. E em torno dele uma série de estruturas de construções antigas, sobretudo para o lado sul, comprovando-se como seria diferente a ocupação daquele espaço, denominado, em séculos anteriores, como Largo de São Thiago. Alguns cidadãos mais idosos revelaram, de resto, a memória desse poço de abastecimento público, com bomba hidráulica, e o mesmo vem referido num registo de 1907.

No entanto, perante a urgência da Câmara em renovar o piso, prosseguindo o revestimento em calçada portuguesa que havia iniciado em algumas ruas do CH, a escavação foi liminarmente suspensa ao fim de poucos dias, não sem grande relutância da nossa parte, sempre desejosos de aumentar o conhecimento sobre o passado da urbe. Foi, então, o poço atulhado e realizada a repavimentação projetada. Dos breves trabalhos realizados foram elaborados relatórios, quer pela ADDPCTV, quer por técnicos do museu municipal.

A intervenção então levada a cabo consistiu apenas no nivelamento e renovação do piso, com supressão da placa central alteada. Assim, nos anos seguintes, o espaço ficou reservado ao estacionamento automóvel. Permaneceram as velhas árvores, envolvidas que foram por inestéticos bancos circulares em cimento (depois pintadas de vermelho!) pistas de dança para os foliões, únicos fruidores daquele espaço. Até que, talvez por desgosto, foram definhando e depois abatidas. Com o desaparecimento do PT criava-se a oportunidade única para repensar o futuro daquele espaço.

Sempre questionamos diversos executivos sobre uma requalificação, aposta consecutivamente adiada, somente com a certeza da tal ocupação pontual, chegando-se a 2023 com uma praça feiosa, triste, desinteressante, um autêntico deserto urbano.

ENTÃO, E A ARQUEOLOGIA?

Em 2019 propôs a Câmara, finalmente, uma nova intervenção para requalificar o espaço, obra que decorre neste momento. Recordemos então que, na conclusão dos trabalhos de 1996, ficou expresso de forma liminar o propósito de, em ocasião futura, se tal fosse proporcionado, os trabalhos arqueológicos seriam concluídos com tempo e método, incluindo uma prospeção mais rigorosa do fundo do poço, sabendo como são sítios passíveis de conter objetos de valor arqueológico                                                       

Ora, a ocasião seria esta! A praça e a sua envolvente permanecem expectantes, desocupadas de funções que impeçam ou dificultem o seu encerramento ao público, abrindo uma janela de oportunidade rara. E, estando agora as obras a decorrer, eis que nas escavações feitas para remodelar infraestruturas (saneamento e energia) apareceu uma cabeceira de sepultura medieval, assim como ossadas de enterramentos junto à igreja.

Também foi posta a descoberto um troço de calçada no interior de uma das casas - pressupondo a anterior existência de via pública. Com efeito, estes achados deveriam reforçar a pertinência de se proceder a um plano de escavações mais profundo, incluindo a exploração do interior do poço, e não o simples  “acompanhamento de obra”, tal como é preconizado pela tutela da DGPC. Mas para tal seria necessário um maior empenhamento da edilidade na investigação da história urbana da vila de Torres Vedras.

UM NOVO ESPAÇO

Apesar disso há um novo projeto, valha-nos isso!  Um projeto muito suave, pouco intrusivo, que visa requalificar antigas infraestruturas e devolver o espaço à população, sem grandes intromissões. Com ele concordámos nas suas linhas gerais, cujos principais tópicos relembramos: 

A não inclusão de qualquer estrutura fixa de mobiliário urbano, que condicione a utilização diversificada do espaço, sendo imperativo retirar os bancos circulares;                                            

 A valorização da imagem degradada da banda sul, reabilitando ou reconstruindo os edifícios, dentro de uma tipologia tradicional;     

A vocação para aceitar esplanadas (em vez de as situar nos arruamentos, como hoje se pode ver nas suas imediações);                                                                                                                                     

A rearborização, fundamental para a valorização daquele espaço, tornando-o aprazível e convidativo para o lazer.                                                                                                                

Este ponto é aquele que nos parece menos conseguido, atendendo à sua importância no quadro das atuais alterações climáticas, com as altas temperaturas que tornam insuportável a estadia em locais revestidos de pedra.

Concluindo, a Praça Machado dos Santos é um dos espaços mais interessantes do CH, aberto e ao mesmo tempo recatado, um lugar ameno a pedir aposta na convivência. E essa é uma palavra crucial – a convivência. Afinal o que pretendemos que seja o nosso CH? Um espaço de continuidade intergeracional, onde a memória é preservada (nem que seja só pelo registo e pelo estudo) e não apenas uma relíquia do passado, sim um local com vida. Importava por isso conhecer bem para explorar toda a sua potencialidade.           



Evolução negativa






Projecto da Câmara Municipal de Torres Vedras para a reabilitação da Praça Machado dos Santos:

https://www.cm-tvedras.pt/artigos/detalhes/camara-municipal-aprovou-projeto-de-requalificacao-da-praca-machado-dos-santos 


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