O
Esplendor do Barroco em Torres Vedras
Joana Santos Coelho
Joaquim Moedas Duarte
Em 16 de Outubro passado
acompanhámos cerca de 25 pessoas num passeio cultural na cidade de Torres
Vedras, integrado no ciclo “Passos em Volta”, iniciativa do sector de Cultura
da Câmara Municipal. O tema foi “O esplendor do Barroco”. O texto desta página
é o complemento dessa visita.
ESTILO
ARTÍSTICO
O
Barroco foi um estilo artístico que primou pelo esplendor, luxo, dinamismo,
drama e exuberância, e foi transversal a diversas áreas como a arquitectura, a
pintura, a escultura, a literatura, a música ou o teatro. Surgiu em Itália no
final do século XVI e esteve em vigor aproximadamente até meados do século
XVIII. Três circunstâncias impeliram o florescimento deste novo estilo: o
surgimento de novas potências europeias (devido às novas rotas comerciais com o
Novo Mundo), os regimes absolutistas (cujo poder estava concentrado na figura
do rei) e sobretudo a Contrarreforma da Igreja Católica, que ganhou forma
através do Concílio de Trento (1545-1563). Esta reforma foi uma reacção ao
Protestantismo, que veio criar uma cisão na Igreja Cristã, e que foi um
manifesto contra o luxo e a corrupção da mesma. Em contrapartida, a Igreja
Católica apela à renovação da vivência religiosa, a partir da sistematização
doutrinária realizada naquele Concílio. É neste contexto que nasce o Barroco,
expressão artística da veemência religiosa e da opulência material.
O
termo significa “pérola irregular” e, segundo Wolffin, este estilo “é a
primazia da cor e da mancha sobre a linha, da profundidade sobre o plano, das
formas abertas sobre as fechadas, da imprecisão sobre a clareza, e da unidade
sobre a multiplicidade”. Está esteticamente associado ao ornamento complexo e
imperfeições naturais, diagonais e assimetrias, curvas e espirais, liberdade e
emoção, drama e movimento. As construções barrocas integram várias linguagens
artísticas, têm tendência para a planta centralizada e são caracterizadas pela
grandiosidade, opulência e exuberância.
A
Escultura, que pode ser um mediador entre o Homem e Deus, passou a ser
identitária da Igreja Católica, enquanto o Protestantismo avançava com
movimentos iconoclastas (abominação de imagens religiosas). No período barroco
ganharam destaque as composições grupais e as imagens de roca.
Na
Pintura destacou-se a Escola Tenebrista que se caracterizava sobretudo pelos
fortes contrastes claro-escuro e pelo aspeto teatral. Neste período surge
também o trompe l’oeil, que era uma
técnica de pintar tetos com truques de perspetiva, criando ilusão de ótica de
que as formas 2D possuem 3 dimensões. E para a burguesia protestante, passam a
ser pintadas mais cenas do quotidiano e de natureza-morta.
No
caso português, o Barroco esteve em voga entre 1580 e 1756, mas ganhou maior
expressão no reinado de D. João V (1705-1750). No governo filipino Portugal
esteve de certa forma isolado do que se passava no resto da Europa, nos
reinados de D. João IV, D. Afonso VI e D. Pedro II houve tribulações dada a
guerra da independência e a crise de sucessão, e finalmente no reinado de D.
João V atravessou-se um período de paz e prosperidade. D. João V foi um rei
amante das Artes. Para além do contexto político, beneficiou também das
remessas de ouro vindas do Brasil. Revestiu o seu país com talha e azulejo e
foi no seu tempo que foram realizados alguns excelentes exemplos do Barroco que
também podemos ver nas igrejas de Torres Vedras.
O BARROCO EM TORRES VEDRAS
Se
pensarmos nas manifestações esplendorosas do barroco espalhadas pelo nosso país,
–o Convento de Mafra, por exemplo, ou os interiores de igrejas “forradas a
ouro” como S. Francisco no Porto ou St. António em Lagos – temos de convir que
no nosso concelho os exemplos de arte barroca são mais discretos. Ainda assim,
o que temos é de valor e relevância indiscutíveis, com realce para as artes
decorativas dos interiores das igrejas. Se no aspecto arquitectónico os alçados
exteriores são geralmente austeros, nos interiores encontramos soluções
expressivas do barroco que integram, de modo harmonioso, a talha dourada dos
retábulos de altar, a azulejaria, a pintura e a escultura sacras, e os
embrechados de mármore – uma gramática decorativa a que alguns historiadores de
Arte chamam “arte total” ou “totalidade decorativa”. Os exemplos multiplicam-se
por todo o território concelhio: as capelas-mores das igrejas da Carvoeira, de
A-dos-Cunhados, de Dois Portos, de Runa, de Matacães, da Ponte do Rol, de S.
Pedro da Cadeira; as capelas do Sirol, da Srª dos Milagres, da Madre de Deus,
da Ribaldeira.
Na cidade, destacam-se as Igrejas da Graça – com o claustro conventual, a
portaria, a antessacristia e sacristia, onde avultam notabilíssimos conjuntos de painéis de
azulejos figurativos –; S. Pedro,
Santiago, Misericórdia e a capela de Nª Srª do Amial.
O
Convento do Varatojo merece menção especial. À entrada, encontramos a pequena capela
de Nª Srª do Sobreiro, com a talha do altar dialogando com as coberturas
parietais de azulejo e o estuque marmoreado, numa surpreendente unidade de
estilo, sublinhada pela coerência formal da concepção arquitectónica.
A capela- mor da igreja do convento é um exemplo brilhante da “arte total”
barroca do séc. XVIII. O retábulo é de talha a branco e ouro, em que as quatro
colunas salomónicas enquadram um trono eucarístico, por vezes velado por uma
tela de Bacarelli. Na parte inferior do retábulo, há belos exemplares de
embrechados de mármore e mármores embutidos. As paredes são forradas de
silhares de azulejos figurativos, com cenas da vida de Santo António,
sobrepujadas por quatro telas dos finais do séc. XVI, com cenas do Natal
cristão atribuídas por Vitor Serrão ao pintor Gaspar Dias. A enquadrarem o
altar, dois jarrões em mármore preto.
No
corpo da igreja, do lado da epístola, sobressai a capela de Nª Srª das Dores, já
dos finais do séc. XVIII, em que também se conjugam o retábulo, os silhares de
azulejos figurativos e as telas, todos de temática mariana – novo exemplo do
conceito “arte total”.
No
périplo urbano destes “passos em volta”, foi proporcionado aos passeantes um
olhar mais atento e informado sobre o esplendor do barroco. No Convento da
Graça, as capelas com seus retábulos e os núcleos azulejares atribuídos a um
dos grandes criativos do ciclo joanino, o Mestre PMP – que também deixou obra
nas igrejas e capelas de Santiago, Matacães, Mugideira, convento do Barro e
Serra da Vila; os azulejos de Nicolau de Freitas e a talha dos três altares na
Misericórdia; as telas tenebristas de Santiago e de S. Pedro…
É bem verdade que, de tanto serem familiares, muitas
vezes nos passa despercebida a riqueza artística destes espaços.
Referências
Serrão,
Vítor (2003) O Barroco. História da
Arte em Portugal. Editorial Presença: Lisboa
Janson,
H. W. (2005) História da Arte.
Fundação Calouste Gulbenkian: Lisboa
Toman,
Rolf (dir.) (2004) O Barroco.
Konemann: Koningswinter, Alemanha
Pereia,
José Fernandes e Silva, Nuno Vassallo (2007) Da Estética Barroca ao Fim do Classicismo, Vol VII da História da
Arte Portuguesa (dir. Paulo Pereira)
Créditos
fotográficos: Vitor Oliveira (capela-mor do Varatojo); Joaquim Moedas Duarte
(altares da Misericórdia de Torres Vedras)
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