Página PATRIMÓNIOS no BADALADAS - 25 MARÇO 2022
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Importância e degradação dos Centros Históricos
O caso de Torres Vedras
Joana Santos Coelho
Museóloga
A 28 de Março celebra-se o Dia
Nacional dos Centros Históricos. Esta data é assinalada desde 1993 e tem como
objetivo principal chamar a atenção para a preservação e valorização dos
mesmos. Foi esta a data escolhida por ser o dia do nascimento de Alexandre
Herculano (1810-1877), que foi um grande defensor do património cultural
português.
Independentemente do seu estado
de conservação, o centro histórico é, por excelência, o lugar da história e da
memória coletiva das cidades. A sua carga simbólica está na génese da
identidade das cidades, representando valores históricos, imagéticos e também
afetivos. Um centro histórico não é apenas uma zona antiga da cidade. Para ser
classificado como tal, tem de apresentar as seguintes características:
antiguidade secular de edifícios singulares; homogeneidade urbanística e
arquitetónica; simbolismo cultural. O património material, e também o
imaterial, são a representação máxima da memória do lugar. Portanto, os centros
históricos consistem numa herança insubstituível que importa preservar através,
por exemplo, da sua salvaguarda e integração na vida coletiva dos cidadãos.
O Centro Histórico de Torres
Vedras abrange cerca de 18,9 hectares, o que corresponde aproximadamente ao
território que outrora fora rodeado (talvez na totalidade) por uma muralha. Foi
ocupado sucessivamente desde a Idade do Ferro até aos dias de hoje, com
oscilação na sua densidade populacional. Ao contrário de muitas cidades, Torres
Vedras não cresceu de forma radial (um círculo a partir do ponto mais antigo).
Foi aquando da ocupação romana da cidade que foram traçadas 2 importantes vias
reguladoras (cardus [N-S] e decumanos [E-O]), a partir das quais
a urbe torriense se desenvolveu. Atualmente o decumano corresponde à ligação
entre a Rua Cândido dos Reis até à Rua de Santo António, e o cardo à Rua da
Espora Dourada. A malha urbana da cidade consolidou-se durante a Idade Média,
verificando-se uma construção orgânica e desorganizada apenas na encosta do
castelo. Em destaque no tecido urbano da cidade, encontram-se vários exemplares
notáveis de Património edificado, alguns classificados como Monumentos
Nacionais(MN) ou Monumentos de Interesse Público (MIP): Chafariz dos Canos
(MN), Igreja de S. Pedro (MN), Portais românicos da Igreja de Santa Maria do
Castelo (MN), Igreja de Santiago (MIP), Igreja da Misericórdia (em processo de
classificação) e os quatro Passos Processionais (de interesse concelhio mas
ainda não classificados). Para além do seu valor estético, todo o conjunto
importa também e sobretudo pelo testemunho das vivências da cidade ao longo dos
tempos. Porém, a essência do centro histórico não são só os monumentos
históricos. Também dela fazem parte a habitação, o comércio e os espaços
públicos como os jardins e as praças. Todo o conjunto representa a identidade
do lugar e por esse motivo importa preservar. No entanto, a degradação dos
centros históricos é um cenário infelizmente comum. Muitos dos núcleos antigos
encontram-se decadentes e despovoados devido à sua estagnação.
A partir da segunda metade do
século XX, no seguimento das transformações do pós-guerra, surgiram novas
centralidades nas cidades, movendo os cidadãos para as suas periferias.
Tratou-se de uma mudança na organização económica e social, logo também nos
modos de produção e apropriação do território. O aumento de população e a
massificação do automóvel, assim como o progresso da tecnologia dos transportes
e comunicações, proporcionaram a reestruturação das cidades. Este afastamento
orgânico da população do centro da cidade para originou consequentemente o
enfraquecimento do comercio local. O processo de decadência do centro histórico
começa portanto com a destruição dos seus principais usos: a habitação e o
comércio. A rua, os largos, a loja, a mercearia, ou o cinema, são substituídos
pelas grandes superfícies comerciais, e a sociedade de proximidade é
substituída pela sociedade de consumo. Para além dos motivos já apontados,
também a falta de planeamento urbano contribuiu para a degradação dos centros
históricos.
No caso de Torres Vedras aconteceu
de forma gradual a partir dos anos 80 do século passado. Em 1979 passa de vila
a cidade, em 1985 Portugal adere à CEE, e neste período o poder de compra dos
portugueses aumentou de forma geral. Consequentemente aumentou também a
construção de habitações, nas periferias, e depois o comércio. Em 2007 é dado
ainda um duro golpe na vitalidade do centro histórico de Torres: a abertura do
Arena Shopping. Não ignorando estes acontecimentos, importa referir que a
câmara municipal, à semelhança de outras no país, também tomou medidas para
combater o abandono do centro histórico. Uma delas foi, por exemplo, o programa
“Torres ao Centro” implementado a partir de 2009, baseado em políticas de
reabilitação integradas, seguindo princípios culturais e socioeconómicos. A par
da reabilitação de alguns edifícios (púbico e privados), surgiram também novas
iniciativas que procuraram promover a qualidade do centro histórico enquanto
espaço público: zona pedonais, esplanadas, concertos ao ar livre, ciclovias, parques
de estacionamento, a instalação de equipamentos municipais (como por exemplo a
biblioteca, a Porta 5, o LabCenter ou a Galeria Municipal), a Feira Rural, a
Rota dos Petiscos, a Moda em Movimento, etc. Apesar dos esforços, será que tem
sido feito o suficiente?
É certo que os centro histórico
não devem ser conservados como se de museus ao ar livre se tratasse, no
entanto, devem perpetuar o sentido de agregação da população. Importa serem
integrados na cidade como elementos geradores de vida coletiva, apropriados
pela sociedade. Os centros históricos são um autêntico património social e
cultural deixado pelos nossos antepassados e, portanto, é da responsabilidade
das gerações contemporâneas assegurar a sua transição e proteger a sua
identidade.
Convite ao embelezamento da
cidade
Um dos sinais evidentes do abandono dos centros históricos são os graffiti espontâneos e tags. Estes, apesar de não danificarem a estrutura dos edifícios, interferem na sua estética e no lugar em que se inserem. São o reflexo do ambiente social envolvente, em degradação, e infelizmente muito comuns nos centros históricos, tal como no centro torriense. A resolução desta problemática urbana passa pela remoção dos graffiti mas também pela sensibilização da população. É neste sentido que a Associação do Património Cultural de Torres Vedras, em conjunto com a Câmara Municipal e a Associação dos Amigos de Torres, está a planear uma atividade: durante uma manhã (em data brevemente a definir) os torrienses serão convidados a devolver o brilho a algumas ruas do seu centro histórico. A atividade consiste numa ação de voluntariado em que se procura preservar o património, aprender mais sobre o mesmo, e também envolver a comunidade desenvolvendo nela o sentimento de pertença e de respeito pelo espaço comum. Nos canais próprios das instituições envolvidas será divulgada em breve a data da atividade, que visa assinalar o Dia Nacional dos Centros Históricos, assim como outras informações úteis.
Bibliografia:
SILVA, C. G. (2008). Torres
Vedras, Antiga e Medieval. Lisboa: Edições Colibri / Câmara Municipal de
Torres Vedras.
BAPTISTA, André (2013). O
lugar como simbiose – Centro Histórico de Torres Vedras (Dissertação de
Mestrado Integrado em Arquitetura). Lisboa: Universidade Lusófona.
ROCHA, Manuel (Eds.) (2011).
Actas do Seminário Centros Históricos: passado e presente. Porto: Departamento
de Ciências e Técnicas do Património, FLUP
FERRÃO, J., SALGUEIRO, Teresa
Barata (2005) Geografia de Portugal Vol. 2 – Sociedade, Paisagens e Cidades.
Lisboa: Círculo de Leitores.
Rua 9 de Abril, Torres Vedras, em 1920.
(Imagem
do arquivo de Adão de Carvalho)
(Imagem de www.torresvedrasweb.pt)
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