Lojas com História
Pedro Fiéis⁕
Professor de História
Os monumentos são naturalmente o espelho maior da história de uma cidade, no entanto, atualmente o Património embrenha-se por outras vertentes que o tornam mais abrangente. Não é meramente manter vivo o passado, ou sequer agarrarmo-nos à ideia do antigamente, é sim projetar uma identidade para o futuro, recolher memórias daquilo que fomos, para que gerações futuras conheçam de onde vêm. A necessidade de uma identidade própria advêm de um mundo global em que vivemos e de uma economia demasiado alicerçada no turismo, tendo a sua massificação alterado de vez a face dos Centros Históricos. O espaço urbano transforma-se fruto das necessidades contemporâneas e novas centralidades são criadas, mas, simultaneamente, não se pode pretender ter o velho casario apenas como cenário teatral, é necessário devolver-lhe vida, ou assistir impávidos à sua ruína.
Assim,
o projeto “Lojas com História” surgiu em Lisboa, em fevereiro de 2015, dada a premente
necessidade de salvaguardar esse símbolo urbano irrepetível e de o dinamizar
face à concorrência e fatores de atração das grandes superfícies. Tratava-se de
proteger todo esse importante tecido económico da especulação imobiliária e, ao
mesmo tempo, divulgar o extenso património, com uma história igualmente única,
de atividades artesanais que dificilmente ressurgem num panorama de marcas internacionais
e de produtos descartáveis.
Uma
estagnação em décadas recentes levou ao lento declínio de muitos, uns fruto de
uma obsolescência da qual não souberam sair, outros porque a concorrência das
tais marcas internacionais era demasiado forte para lhe poderem resistir,
perdendo-se desta forma toda uma importantíssima herança e, principalmente, uma
memória afetiva que intrinsecamente nos ligava a tais locais. A muitos surgirá
de imediato a lembrança de um local, seja pelo que lá se vendia, seja pelos
cheiros ou até pelo peculiar mobiliário.
Vivemos,
repito, num planeta em profunda transformação, daí o programa anunciar no
preâmbulo a necessidade de “preservar e salvaguardar os estabelecimentos e o
seu património material, histórico e cultural” e por outro lado, “dinamizar e
reativar a atividade comercial, essencial para a sua existência”, ou seja, não
é somente manter artificialmente uma loja, é dar-lhe uma perspetiva de futuro
assente no seu passado.
Um
passo fundamental foi a Lei n.º 42/2017, de 14 de junho. Pegando naquilo que já
era o trabalho de base feito em Lisboa, ficou consagrada, por exemplo, a
proteção no arrendamento por um período transitório de dez anos, a isenção de
IMI para os proprietários ou a dedução em sede de IRS de despesas com obras de
conservação, acrescidas de 10% do valor gasto.
Por
ser uma das entidades reconhecidas por esta lei como podendo iniciar o processo
de classificação, desde há algum tempo que a Associação Defesa do Património vem
a realizar um levantamento deste comércio de rua, ícone daquilo que outrora foi
uma das grandes atividades económicas da urbe, marca da ruralidade do
território, miscelânea de repositórios, onde tudo se vendia, onde para tudo
havia um conselho amigo, sabedoria que se transmitia a cada cliente.
Muito
já se perdeu, outro tanto corre o perigo de desaparecer, esse pouco que resta é
crucial defender. Numa parceria com a OesteCim e a Câmara Municipal, foram
selecionados três espaços que cumprem largamente os pressupostos contidos na
lei, como linha de frente para futuras adesões, nomeadamente terem mais de 25
anos de existência, o significado para a história comercial da cidade, ou a
salvaguarda e divulgação de acervo e espólio próprio.
Esta
é uma corrida contra o tempo, assim estamos cientes, ao mesmo tempo
esperançosos, pois se for cumprido o prometido apoio de modernização
administrativa, ao nível de obras e uma boa divulgação, com roteiros somente
ligados a este tipo de comércio, acreditamos que poderão ter futuro, quer
relacionado com as novas gerações, quer com o dito turista, continuando com a
venda de produtos únicos, de uso atual, marcas que cumprem as regras da
produção local e da sustentabilidade, todo um novo paradigma que nos tem de
nortear.
Será
este, assim se espera, um primeiro passo que motive outros proprietários a
aderirem. Brevemente também as Juntas de Freguesia, bem como outras Associações
locais com um importante papel nas aldeias, serão igualmente chamadas a
motivarem novas candidaturas, com a ressalva de – o que não funciona,
dificilmente encontrar neste programa uma boia de salvação.
Pode-se
consultar online a página: https://www.comerciocomhistoria.gov.pt/,
com informações variadas, incluindo a legislação, faltando ainda a criação de
um dos grandes pressupostos do programa, o Inventário Nacional Comércio com
História, mais uma importante ferramenta na sua divulgação. Não abandonemos
este Património relevante.
⁕ Presidente da Direcção
da Associação para a Defesa e
Divulgação
do Património Cultural de Torres
Vedras
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