CASTELO
DE TORRES – RECONSTRUIR OU CONSERVAR?
(2ª
parte)
José Pedro Sobreiro | Joaquim Moedas Duarte
Na primeira parte, publicada em 5 de Novembro corrente, fez-se uma brevíssima resenha da História do Castelo de Torres Vedras e a referência a um projecto de construção de uma Pousada. Nesta segunda parte, recordamos as mais recentes intervenções naquele espaço.
O Castelo
sempre esteve no centro das preocupações da Associação do Património. A
primeira acção de alerta, no ano da fundação, 1979, consistiu em solicitar a
intervenção urgente da Direcção Geral dos Edifícios e Monumentos Nacionais na
reparação do troço do lado nascente da muralha, que tinha desabado no inverno
desse ano, e foi prontamente reconstruída.
Por esta altura, e por iniciativa do Pe J Manuel da Silva, primeiro presidente da Associação, a Igreja de Santa Maria foi reaberta ao culto, numa tentativa de reanimação social do bairro do castelo.
Campanha arqueológica
A partir
de 1984, implementámos uma campanha arqueológica no recinto da muralha sul,
inicialmente por conta própria, mas com a supervisão e aconselhamento do Sr
Leonel Trindade que indicou a área a investigar e que ia acompanhando os
trabalhos, apesar da sua avançada idade. No ano seguinte os trabalhos
prosseguiram, dirigidos pelo arqueólogo Clementino Amaro, sob tutela do Instituto
Português do Património Cultural e continuaram até 1990, tendo a Associação do
Património de Torres Vedras o encargo de toda a logística com a colaboração
activa do sector de Cultura e Turismo da Câmara Municipal. Destaque para o
papel crucial do Carlos Cunha – grande patrimonialista, um dos fundadores da nossa
Associação, falecido em 2018.
Nesses trabalhos encontraram-se algumas estruturas de casas, e muitas sepulturas com os respectivos esqueletos, os quais foram enviados para o Instituto de Antropologia de Coimbra, para estudo. Também foram encontradas mais algumas estelas discoides, medievais, que vieram a engrossar o já apreciável número de exemplares da colecção de cabeceiras de sepultura de Torres Vedras.
Castelo de Música
No
seguimento dos trabalhos do Plano de Salvaguarda do Centro Histórico, a cargo
do então criado Gabinete Técnico Local (GTL), a Câmara Municipal lançou em 1988
o Castelo de Música, evento que
procurava dinamizar o espaço monumental como polo de atracção cultural através
de espectáculos musicais de carácter popular. Foi construído um palco, em
tijolo, no interior do recinto do paço – que considerámos uma intrusão
desaconselhável, mas justificada pela intenção de dar vida àquele espaço. Durante três ou quatro anos, no mês de Junho, realizaram-se
festivais de música, de teatro e de dança, mas dificuldades de logística dos
serviços e contrariedades climatéricas levaram à sua interrupção. A ingrata
topografia do lugar – desníveis severos de terreno, estreiteza de acessos,
falta de infraestruturas de apoio – dificultava em extremo os trabalhos de
produção e afastava os espectadores, pouco dispostos a escalarem a colina do Castelo.
No ano
inicial, foi realizada pelo GTL no interior do torreão, então restaurado, uma
exposição com a colaboração da Associação em que se divulgava o Plano de
Salvaguarda e, a nosso cargo, se apresentavam materiais das escavações e alguns
tópicos sobre a história do castelo. Apesar de ser entendido como uma
iniciativa louvável, no sentido de integrar o velho monumento na vida
sociocultural da cidade, a realização do Castelo
de Música alertou-nos também para a desadequação destas práticas para a
preservação do monumento, com as inevitáveis agressões provocadas quer pela
instalação de equipamentos e materiais não compatíveis, quer pela pressão de
grande número de público sobre as estruturas frágeis do Paço.
Uma
iniciativa positiva foi a instalação de iluminação monumental do Castelo,
levada a cabo pela EDP, que veio sublinhar o valor referencial deste monumento
nas noites de Torres Vedras. A Associação do Património interveio nesta acção,
com a sugestão dos pontos fortes a iluminar.
Nos
anos 90, todo o recinto foi objecto de diversos projectos de melhoramento. Alguns
ignoravam as reais condições de acesso que as tornaram impraticáveis, outros
concretizaram-se, contribuindo para melhor fruição daquele lugar de memória: placas
informativas, protecções junto às escadinhas do torreão e em redor das
cisternas romanas, espaços mais cuidados e limpos.
Simultaneamente,
o programa ISA – Património, criado
pela Câmara Municipal há 16 anos, passou a permitir que a Igreja de Santa Maria
do Castelo esteja aberta ao público todos os dias, de manhã e de tarde, excepto
à Segunda-feira. Note-se, ainda, que desde há uns anos, celebram-se, nesta
igreja, cerimónias do rito católico ortodoxo, muito frequentadas por imigrantes
do Leste europeu, abertas a quem desejar participar.
Muita gente desconhece que o Castelo de Torres Vedras é o monumento mais visitado na cidade. A criação, em 2013, do Centro Interpretativo no torreão, disponibilizou um oportuno espaço de acolhimento e informação, com espólio arqueológico e um pequeno filme que elucidam os visitantes sobre o lugar onde estão. Pode dizer-se que o Castelo de Torres Vedras tem hoje condições de visita como nunca conheceu antes.
Alertas
Apesar do que foi dito, o Castelo precisa de atenção
constante. Trata-se de uma ruína, frágil por natureza, pois as pedras e as
argamassas vão-se desgastando com o tempo. Uma ruína que nos é cara pois que
sintetiza como nenhum outro monumento a própria história da cidade. Por isso há
que conservá-lo como elemento essencial da nossa identidade.
A Associação do Património tem manifestado com frequência a sua preocupação relativamente a alguns sinais de degradação do monumento, de que o memorando apresentado à Câmara Municipal em Junho de 2018 é um exemplo. Talvez tenhamos contribuído, de algum modo, para a constituição de uma equipa municipal de monitorização que tem visitado aquele monumento com o intuito de proceder às intervenções necessárias. Nesta linha, aplaudimos a constituição do grupo de trabalho Horizonte 26, criado no âmbito da Rede Cultura que abrange 26 municípios parceiros da candidatura de Leiria a Capital Europeia de Cultura. A sua actuação será orientada pelos conceitos de identidade, cuidar e horizonte e o objectivo principal é olhar pelo património edificado ligado à defesa dos territórios e à sinalização da costa marítima. O nosso Castelo deve constar da lista, necessariamente. Ele precisa de cuidados urgentes, como podemos observar na porta do Paço dos Alcaides e na do torreão. A falta de blocos de pedra ou a deterioração das existentes põe em risco toda a estrutura. Extensas faltas de argamassas levam à fragilização dos muros devido às infiltrações da água das chuvas e à queda frequente de blocos.
O Castelo de Torres Vedras é a imagem histórica que
tantas gerações se habituaram a olhar – a velha igreja de duas torres encostada
às ruínas do palácio e ao torreão manuelino – poderoso ícone simbólico da
identidade torriense. Há que preservá-lo como ele está, sem acrescentos nem
atavios despropositados, cuidando da sua saúde para que, tal como nós, as
gerações futuras o continuem a admirar e a venerar.
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