Em 3 de Dezembro de 2021, o Badaladas publicou uma página com um artigo de opinião, da autoria de João Pedro Canário, que contestava o teor dos artigos sobre o Castelo que a Associação do Património publicara nos dias 6 e 26 de Novembro de 2021:
AINDA O CASTELO
RESPOSTA A UM FAZEDOR DE
OPINIÃO
Na edição do Badaladas de 3
de Dezembro p.p. entendeu o sr. João Pedro Canário Lucas (JPCL) – que a
si mesmo se intitula opinion maker na
sua página pública do facebook – opinar sobre o Castelo de Torres Vedras, em resposta aos dois textos por nós
publicados sobre o mesmo tema, na página “Patrimónios”, em 5 e 26 de Novembro.
É seu direito cívico. Se o sabe usar bem, é o que veremos.
O jovem articulista parece não ter entendido a nossa intenção,
expressa logo no início – em que dizíamos não pretender “contestar, antes
contribuir para uma reflexão mais sustentada e informada acerca do mais visível
monumento torriense” – e assumiu uma atitude de confrontação, acusando-nos de
amordaçar o debate sobre o Castelo e termos como objectivo “silenciar opiniões
diferentes e trancar a sete chaves este assunto para sempre”. Reforça a acusação dizendo que “nos julgamos
donos da verdade” e ocultamos “propositadamente” algo que ele anuncia,
triunfalmente, como a solução irrefutável para a reconstrução do Castelo.
Empolgado, culmina a acusação atribuindo-nos uma mentira – que ele vem
desmascarar em nome da sua verdade.
Repudiamos a insolência com veemência enérgica – mas pedagógica paciência.
Bem sabemos que os verdes anos sempre foram causa de intervenções
impetuosas, marcadas pela luz ofuscante da ilusão. Faz parte do crescimento e,
não raro, trazem para o todo social a generosidade de ideais que os mais
velhos, por vezes, tendem a menosprezar. Tudo isso sabemos e bem gostaríamos de
saudar o jovem João Pedro como alguém que percebeu que os dois artigos escritos
por nós sobre o Castelo não eram um dogma, antes o pontapé de saída para o
necessário debate que ele se abalançava a retomar. Mas não foi isso que fez. O
teor do seu texto mostra que optou por mascarar a incompreensão do que leu com
ataques despropositados. Releia o sr. JPCL o que escreveu e reconheça, com humildade
que se excedeu, foi longe de mais. Tantas certezas opinativas só o
descredibilizam e tornam inútil o que podia ser um contributo culturalmente
válido.
Vejamos mais de perto.
O articulista, após dissertar sobre a notoriedade do monumento e a sua carga identitária para os torrienses – um ex- Libris que não brilha – e de lamentar o estado de ruína e abandono, por falta de visão, lança-se com denodado entusiamo à exortação da ideia da reconstrução do castelo, através de uma requalificação ambiciosa, que assim se constituiria como referência a nível nacional, polo de atracção capaz de abrir Torres Vedras ao mundo (sic). E, para que não se fique no abstrato, adianta que aquele sítio representa um palco único, para eventos, concertos e actividades culturais (feiras medievais, recriações históricas) devolvendo-o à cidade. Cita exemplos de outros castelos requalificados – Leiria e Ourém – revelando completo desconhecimento dos respectivos historiais de conservação e reconstrução – e acenando com o recurso aos fundos europeus para este investimento estratégico. Na sua prosa torrencial proclama que é urgente dar voz aos torrienses, através de inquérito, concurso de ideias, onde o debate não pode continuar amordaçado!
A GRANDE CONFUSÃO
O ponto essencial da discórdia que parece motivar o empolgado texto de
J.P. Canário Lucas, reside na nossa afirmação de que não existem dados
suficientes para se proceder a uma reconstituição credível do nosso castelo. E
baseia a sua crença na visualização de um vídeo produzido para a Câmara
Municipal como parte da exposição didáctica que integra o Centro Interpretativo do Torreão do
Castelo, inaugurado em 2013.
Esse vídeo – tecnicamente bem produzido
por uma empresa torriense (Slingshot) – tem conteúdos cujos autores são pessoas
bem nossas conhecidas: Carlos Cunha (infelizmente falecido recentemente) e
Isabel de Luna – um e outro, associados da ADDPCTV –, com a participação do
arq. Jorge Martins, autor dos desenhos. Esta equipa trabalhou vários anos na
investigação da História do Castelo. Acompanhámos esse percurso, fomos dos
primeiros a ver o documentário e a felicitar os autores sobre o seu estudo e a proposta do que terá sido a configuração do
Paço dos Alcaides, construído no início do século XVI, pelo alcaide da vila. Estudo
esse que se baseou no cruzamento de dados arqueológicos – as ruínas ainda
visíveis no terreno – com alguma, escassa, informação escrita e com as
características de outros edifícios coevos, obras de Francisco Arruda, a saber: o castelo de Évora-Monte e o paço do castelo de Vila Viçosa (não
confundir com o grande Paço Ducal dos Duques de Bragança). Trabalho complexo,
que envolveu muita pesquisa documental, conhecimento das tendências da
arquitectura militar da época e das pedras restantes do castelo. Isto porque o
referido paço foi construído numa fase de transição estilística, na passagem do
século XV para o XVI, conjugando as funções de residência nobre com as
novidades da arquitectura militar oriundas da Itália renascentista.
Mas, não obstante a qualidade desta interpretação, bem sustentada do
ponto de vista histórico, ela não deixa de ser uma proposta, dadas as
dificuldades de leitura do conjunto arruinado, destinada a dar noção aproximada
aos visitantes de como seria o Paço na sua origem,.
Sublinhamos: aquele vídeo de dez minutos constitui uma leitura
plausível das ruínas e dos escassos documentos existentes, baseando-se na
metodologia historiográfica da articulação de "sinais indiciários". Não é um documento histórico.
É uma hipótese de trabalho, uma proposta visual a partir desses sinais. Faz
conjecturas, suposições. As quais, transpostas para o desenho, parecem atestar
uma “verdade” – que ninguém sabe, insofismavelmente, qual seja. Não somos nós
que o dizemos, é a realidade das coisas que o impõe. Muitos aspectos arquitectónicos permanecem por esclarecer. Tudo o que
se refere à parte superior do edifício – a platibanda ameada, a localização de
alguns vãos, a pendente dos telhados, as chaminés, etc.– é completamente desconhecido. E
isto para não falar da própria estrutura do edifício quanto às suas funções de
habitação, com instalação da respectiva criadagem, guarnição militar, etc. E há
que ter em conta que aquilo que restou e se encontra visível corresponderá,
grosso modo, a apenas cerca de uma quarta parte do edificado. O que quer dizer
que teríamos que inventar, e inventar muito, caso houvesse a intenção de
reconstruir. E será que valeria a pena? É uma questão para debates futuros. Cá
estaremos para participar, como sempre.
CONCLUINDO
Sr. João Pedro Canário Lucas: mantemos que não existem elementos
documentais anteriores ao terramoto que possam sustentar, nem de longe, uma
reconstituição historicamente credível do Paço dos Alcaides.
A gravura que ilustra este texto, de meados do séc. XIX, – provavelmente uma das mais antigas que se conhecem –mostra como muitas outras, o castelo arruinado, quase como o vemos hoje. Não são conhecidas plantas nem alçados, nem gravuras, anteriores ao terramoto de 1755 e às Linhas de Torres.
Lamentamos a deserção para Espanha do último alcaide Alarcão, em 1640, deixando o castelo ao abandono. Como temos pena do incêndio no edifício da Câmara, no séc. XVIII, que destruiu parte significativa dos documentos históricos. Deploramos o grande terramoto, assim como as invasões napoleónicas. Lastimamos as lutas civis em meados do século XIX. Reprovamos, mas compreendemos, que alguns dos nossos antepassados tenham roubado pedras do castelo para construir as suas casas. Tudo isso contribuiu, cumulativamente, para a realidade actual do nosso Castelo. Mas, sabe? Faz parte da nossa História.
DEBATES PÚBLICOS?
Debates, “discussão (verdadeiramente) pública”, preconiza JPCL. Andamos há anos a pugnar por isso. Desde 1979 realizamos sessões públicas e exposições sobre o nosso Património, sempre públicas, anunciadas no Badaladas e nas redes sociais. Convidamos todos os anos os torrienses para o Dia Internacional dos Monumentos e Sítios (Abril) e para as Jornadas Europeias do Património (Setembro), incitando-os a participarem em iniciativas organizadas por nós. Fizemos nosso o lema de que “a melhor forma de defender e preservar o Património é conhecê-lo melhor” – como é que alguém se atreve a insinuar que escondemos, amordaçamos, criamos tabus, queremos silenciar opiniões?
Bem
gostaríamos de contar com João Pedro Canário Lucas para renovar esta porfia e
rejuvenescer as linhas deste combate. Porém, pela amostra, temos dúvidas.
Cabe-lhe provar que estamos errados.
José Pedro Sobreiro | Joaquim Moedas Duarte
(Membros da Direcção
da Associação para a Defesa e Duvulgação
do Património Cultural de Torres Vedras)
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