VALORIZAÇÃO DO MONUMENTO MEGALÍTICO
DO BARRO
Joaquim
Moedas Duarte (Texto e fotos)
ARQUEOLOGIA, SINAIS DO PASSADO
Imaginemos que o leitor tem um
terreno agrícola na área rural ou um prédio numa zona histórica. Um dia, na
plantação de bacelos ou numa obra de restauro, encontra vestígios de grande
antiguidade: pontas de seta, fragmentos de cerâmica enegrecidos pelo tempo, um
alinhamento inesperado de pedras sugerindo construção de outros tempos. Que faz
o leitor? Pega numa picareta e começa a esburacar, na esperança de encontrar algum
tesouro? Tapa tudo para evitar incómodos? Ou sinaliza o sítio e vai falar com
alguém que perceba do assunto, o Museu Municipal, por exemplo?
Qualquer uma destas situações já
ocorreu perto de nós, em tempos recentes. Há uns anos, um Monumento Nacional
pré-histórico foi vandalizado e praticamente destruído por curiosos, à procura
de tesouros “dos Mouros”. Vestígios de construções medievais foram encobertos
para se evitarem pesquisas que atrasariam a obra. Mas a terceira hipótese foi,
frequentemente, a escolhida por pessoas esclarecidas, que deram conhecimento de
achados importantes. Foi assim que se descobriu o Castro do Zambujal, nos anos
30 do século passado, quando Leonel Trindade – o grande arqueólogo torriense
- foi alertado e se deslocou até lá. Como
este, muitos outros casos, cujo estudo e publicação de resultados mostram
exuberantemente que o espaço concelhio de Torres Vedras é habitado desde há milhares
de anos.
A Arqueologia ocupa-se da procura e
estudo de vestígios materiais do passado humano. Mas não é desporto ou ocupação
de tempos livres, que possa ser feito por qualquer pessoa, por mais gosto que
tenha pelas coisas antigas. É Ciência: aplicação de técnicas específicas de
registo e recolha metódica, estudo e comparação de dados, recurso a análises
laboratoriais complexas. Exige formação académica e experiência, com abordagens
multidisciplinares das ciências humanas, das ciências biológicas, das ciências
da terra, e até das ciências exatas. E deve respeitar legislação específica,
que regulamenta a sua prática. Uma exploração feita por amadores é sempre
catastrófica, pois os objectos são retirados do contexto histórico, o único que
permite a sua datação e interpretação, destruindo irreparavelmente o que o
passado nos legou.
CAMPANHA ARQUEOLÓGICA
Esta introdução vem a propósito da
mais recente campanha arqueológica realizada no nosso concelho, que incidiu
sobre um arqueossítio já conhecido e investigado há muitos anos. Trata-se do
sepulcro megalítico de falsa cúpula (conhecido como “tholos”), situado no alto do Monte da Pena. Foi o arqueólogo e pré-historiador Padre Paul
Bouvier-Lapierre quem identificou aquela estrutura em 1909, depois de, no ano
anterior, ali terem sido encontrados e recolhidos outros vestígios
pré-históricos, quando se fazia a construção da plataforma para colocação de
uma imagem da Virgem Maria.
O local foi escavado e estudado
pouco depois da descoberta. A sua dimensão e características de construção, bem
como o espólio votivo nele encontrado, levaram à sua classificação como
Monumento Nacional, logo em 1910. Mas o tempo passou – mais de cem anos! – e
nunca mais ali se fizeram investigações, para além do registo, em 1971, de um
corte resultante da exploração de uma antiga pedreira.
A Câmara Municipal de Torres Vedras
promoveu agora uma nova campanha de trabalhos arqueológicos, que decorreu entre
14 de Junho e 2 de Julho passado. No comunicado que temos presente, informa-se que
o objectivo foi “a caracterização arquitectónica, estratigráfica e cronométrica
deste monumento com as mais recentes metodologias científicas”, bem como “uma
avaliação patrimonial rigorosa do monumento, para futuras acções de vedação e
valorização”.
É de sublinhar que os princípios de
actuação que acima enumerámos, como exigíveis para os trabalhos arqueológicos,
foram rigorosamente seguidos. Começando, desde logo, com o “Pedido de Autorização de Trabalhos
Arqueológicos” apresentado à Direcção Geral do Património Cultural, sem o
qual nada poderia ser feito. Depois, com a constituição de uma vasta equipa
especializada. Na Direcção científica: Ana Catarina de Sousa, arqueóloga,
professora da Faculdade de Letras de Lisboa e investigadora da UNIARQ (Centro
de Arqueologia da Universidade de Lisboa); Isabel Luna, arqueóloga,
Conservadora do Museu Municipal Leonel Trindade, de Torres Vedras; Ana Maria
Silva, antropóloga, professora da Universidade de Coimbra. Como Consultores:
Victor Gonçalves, professor catedrático jubilado, investigador da UNIARQ;
Michael Kunst, arqueólogo jubilado do Instituto Arqueológico Alemão, de Madrid;
Rui Parreira, arqueólogo, da Direcção Regional de Cultura do Algarve.
Outros elementos se juntaram a esta
equipa, nomeadamente o geólogo torriense, João C. Duarte, investigador e
professor da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa, André Texugo,
investigador da UNIARQ, encarregado da fotogrametria e drones e Cátia Delicado,
da UNIARQ, além de alunos mestrandos e doutorandos, de universidades
portuguesas e espanholas.
Este trabalho foi acompanhado, apoiado
e financiado pelo Pelouro da Cultura da Câmara Municipal de Torres Vedras. A Associação
para Defesa e Divulgação do Património Cultural de Torres Vedras esteve
presente, apoiando dentro das suas possibilidades.
PERSPECTIVAS DE FUTURO
A estreita colaboração agora
iniciada entre a academia – sob a coordenação da Faculdade de Letras de Lisboa
– e o município – Câmara Municipal e Junta de Freguesia – abre perspectivas
para a prossecução e desenvolvimento, com carácter regular, da investigação e
da valorização do património arqueológico torriense.
Há condições excelentes para isso: por um
lado, o concelho de Torres Vedras é rico em jazidas arqueológicas de todos os
períodos, com expressão mais notável ao nível do Calcolítico, com várias
dezenas de arqueossítios identificados, de que o mais emblemático é o Castro do
Zambujal; por outro lado, a proximidade de centros de investigação da
Universidade de Lisboa, e a centralidade geográfica de Torres Vedras em relação
a outras universidades do país, constituem factores de atracção para os
currículos de estudo que encontram aqui um terreno fértil para a formação
académica prática.
A disponibilidade do Pelouro da
Cultura foi um factor determinante para o êxito desta campanha arqueológica,
que teve como sustentação institucional um protocolo de colaboração celebrado
em 2019, entre o município e a Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa.
Registe-se a preocupação de
sensibilizar a comunidade local para estes trabalhos, através da organização de
um “dia aberto”, inserido nas Jornadas Europeias da Arqueologia, no dia 20 de
Junho.
Os trabalhos terão continuidade nos próximos
meses, com o processamento e a análise dos dados recolhidos, prevendo-se a sua
apresentação e publicação em data oportuna.
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