25 setembro 2021

VALORIZAÇÃO DO MONUMENTO MEGALÍTICO DO BARRO

 

VALORIZAÇÃO DO MONUMENTO MEGALÍTICO DO BARRO

Joaquim Moedas Duarte (Texto e fotos)

 (Publicado na página PATRIMÓNIOS, semanário BADALADAS, Torres Vedras, 30 de Julho de 2021)

 


ARQUEOLOGIA, SINAIS DO PASSADO

Imaginemos que o leitor tem um terreno agrícola na área rural ou um prédio numa zona histórica. Um dia, na plantação de bacelos ou numa obra de restauro, encontra vestígios de grande antiguidade: pontas de seta, fragmentos de cerâmica enegrecidos pelo tempo, um alinhamento inesperado de pedras sugerindo construção de outros tempos. Que faz o leitor? Pega numa picareta e começa a esburacar, na esperança de encontrar algum tesouro? Tapa tudo para evitar incómodos? Ou sinaliza o sítio e vai falar com alguém que perceba do assunto, o Museu Municipal, por exemplo?

Qualquer uma destas situações já ocorreu perto de nós, em tempos recentes. Há uns anos, um Monumento Nacional pré-histórico foi vandalizado e praticamente destruído por curiosos, à procura de tesouros “dos Mouros”. Vestígios de construções medievais foram encobertos para se evitarem pesquisas que atrasariam a obra. Mas a terceira hipótese foi, frequentemente, a escolhida por pessoas esclarecidas, que deram conhecimento de achados importantes. Foi assim que se descobriu o Castro do Zambujal, nos anos 30 do século passado, quando Leonel Trindade – o grande arqueólogo torriense -  foi alertado e se deslocou até lá. Como este, muitos outros casos, cujo estudo e publicação de resultados mostram exuberantemente que o espaço concelhio de Torres Vedras é habitado desde há milhares de anos.  

A Arqueologia ocupa-se da procura e estudo de vestígios materiais do passado humano. Mas não é desporto ou ocupação de tempos livres, que possa ser feito por qualquer pessoa, por mais gosto que tenha pelas coisas antigas. É Ciência: aplicação de técnicas específicas de registo e recolha metódica, estudo e comparação de dados, recurso a análises laboratoriais complexas. Exige formação académica e experiência, com abordagens multidisciplinares das ciências humanas, das ciências biológicas, das ciências da terra, e até das ciências exatas. E deve respeitar legislação específica, que regulamenta a sua prática. Uma exploração feita por amadores é sempre catastrófica, pois os objectos são retirados do contexto histórico, o único que permite a sua datação e interpretação, destruindo irreparavelmente o que o passado nos legou.

 

CAMPANHA ARQUEOLÓGICA

Esta introdução vem a propósito da mais recente campanha arqueológica realizada no nosso concelho, que incidiu sobre um arqueossítio já conhecido e investigado há muitos anos. Trata-se do sepulcro megalítico de falsa cúpula (conhecido como “tholos”), situado no alto do Monte da Pena.  Foi o arqueólogo e pré-historiador Padre Paul Bouvier-Lapierre quem identificou aquela estrutura em 1909, depois de, no ano anterior, ali terem sido encontrados e recolhidos outros vestígios pré-históricos, quando se fazia a construção da plataforma para colocação de uma imagem da Virgem Maria.

O local foi escavado e estudado pouco depois da descoberta. A sua dimensão e características de construção, bem como o espólio votivo nele encontrado, levaram à sua classificação como Monumento Nacional, logo em 1910. Mas o tempo passou – mais de cem anos! – e nunca mais ali se fizeram investigações, para além do registo, em 1971, de um corte resultante da exploração de uma antiga pedreira.

A Câmara Municipal de Torres Vedras promoveu agora uma nova campanha de trabalhos arqueológicos, que decorreu entre 14 de Junho e 2 de Julho passado. No comunicado que temos presente, informa-se que o objectivo foi “a caracterização arquitectónica, estratigráfica e cronométrica deste monumento com as mais recentes metodologias científicas”, bem como “uma avaliação patrimonial rigorosa do monumento, para futuras acções de vedação e valorização”.

É de sublinhar que os princípios de actuação que acima enumerámos, como exigíveis para os trabalhos arqueológicos, foram rigorosamente seguidos. Começando, desde logo, com o “Pedido de Autorização de Trabalhos Arqueológicos” apresentado à Direcção Geral do Património Cultural, sem o qual nada poderia ser feito. Depois, com a constituição de uma vasta equipa especializada. Na Direcção científica: Ana Catarina de Sousa, arqueóloga, professora da Faculdade de Letras de Lisboa e investigadora da UNIARQ (Centro de Arqueologia da Universidade de Lisboa); Isabel Luna, arqueóloga, Conservadora do Museu Municipal Leonel Trindade, de Torres Vedras; Ana Maria Silva, antropóloga, professora da Universidade de Coimbra. Como Consultores: Victor Gonçalves, professor catedrático jubilado, investigador da UNIARQ; Michael Kunst, arqueólogo jubilado do Instituto Arqueológico Alemão, de Madrid; Rui Parreira, arqueólogo, da Direcção Regional de Cultura do Algarve.

Outros elementos se juntaram a esta equipa, nomeadamente o geólogo torriense, João C. Duarte, investigador e professor da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa, André Texugo, investigador da UNIARQ, encarregado da fotogrametria e drones e Cátia Delicado, da UNIARQ, além de alunos mestrandos e doutorandos, de universidades portuguesas e espanholas.

Este trabalho foi acompanhado, apoiado e financiado pelo Pelouro da Cultura da Câmara Municipal de Torres Vedras. A Associação para Defesa e Divulgação do Património Cultural de Torres Vedras esteve presente, apoiando dentro das suas possibilidades.

 





PERSPECTIVAS DE FUTURO

A estreita colaboração agora iniciada entre a academia – sob a coordenação da Faculdade de Letras de Lisboa – e o município – Câmara Municipal e Junta de Freguesia – abre perspectivas para a prossecução e desenvolvimento, com carácter regular, da investigação e da valorização do património arqueológico torriense.

 Há condições excelentes para isso: por um lado, o concelho de Torres Vedras é rico em jazidas arqueológicas de todos os períodos, com expressão mais notável ao nível do Calcolítico, com várias dezenas de arqueossítios identificados, de que o mais emblemático é o Castro do Zambujal; por outro lado, a proximidade de centros de investigação da Universidade de Lisboa, e a centralidade geográfica de Torres Vedras em relação a outras universidades do país, constituem factores de atracção para os currículos de estudo que encontram aqui um terreno fértil para a formação académica prática.

A disponibilidade do Pelouro da Cultura foi um factor determinante para o êxito desta campanha arqueológica, que teve como sustentação institucional um protocolo de colaboração celebrado em 2019, entre o município e a Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa.

Registe-se a preocupação de sensibilizar a comunidade local para estes trabalhos, através da organização de um “dia aberto”, inserido nas Jornadas Europeias da Arqueologia, no dia 20 de Junho.

 Os trabalhos terão continuidade nos próximos meses, com o processamento e a análise dos dados recolhidos, prevendo-se a sua apresentação e publicação em data oportuna.





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