PÁGINA "PATRIMÓNIOS" NO JORNAL "BADALADAS" | 25 DEZEMBRO 2020
O BAIRRO NOVO
Pedro Fiéis
A EXPANSÃO URBANA
O crescimento populacional em
Portugal teve um forte incremento na segunda metade do século XIX, sentindo-se
os seus efeitos logo nos primórdios da centúria seguinte, assistindo-se
igualmente a uma mudança de regime (1910) que levou a uma nova classe social ao
poder mas sobretudo a um repensar das velhas cidades, numa tentativa de
modernização e expansão das suas estruturas por forma a acomodarem mais pessoas
sem os problemas de outrora, nomeadamente, falta de saneamento básico,
construções precárias e edificação desenfreada sem critério e sem planeamento.
A vila de Torres Vedras
manteve-se até finais do século XIX praticamente dentro do perímetro das
antigas muralhas, excepção feita a alguns segmentos de expansão nas margens da
estrada nacional – a norte, na zona dos Pelomes, e a Sul, a via que levava à
Fonte Nova. Mas foi a chegada do comboio que
constituiu o factor fundamental nesse incremento da população, criando-se então
a necessidade urgente de dar habitação condigna aos novos habitantes. Esta
expansão do perímetro urbano está patente nas novas avenidas - 5 de Outubro e
Ten. Valadim - rasgadas para servirem a Estação do Caminho de Ferro, inaugurada
em 1886.
OS PLANOS DE URBANIZAÇÃO
Dentro desta filosofia, em todo o
país surgiram os Planos de Urbanização, entre os quais o de Torres Vedras, no
qual Miguel Jacobetty foi encarregado de expandir o núcleo urbano, plano onde abundavam
as zonas de moradias.
A política de Duarte Pacheco, à
época ministro das Obras Públicas, era impedir o crescimento desordenado das
cidades e vilas, bem como uma arquitetura de má qualidade visual e construtiva,
contemplando igualmente áreas de fruição coletiva, sendo exemplo entre nós os
casos da criação do Jardim da Graça e a construção de equipamentos públicos.
como os CTT, o Hospital e a Junta Nacional do Vinho.
Plano este que não esquecia o já
edificado , onde se fariam apenas as demolições necessárias aos novos eixos
viários e ao “arejamento” das ruas, e se apontavam as linhas de expansão
futuras, particularmente através da fixação dos grandes eixos viários – Avenida
General Humberto Delgado e Rua Teresa de Jesus Pereira que fariam a ligação
entre a Várzea e a Estação de Caminho de Ferro, criando uma cintura interna,
que nos anos 70 se apresentava já insuficiente para conter a expansão para sul
(Bairro Borges de Castro).
Inspirado nas ideias de Etienne
de Gröer, um francês, que defendia o repensar de velhas urbes, instituindo a
ideia da Cidade-Jardim e a limitação das demolições em zonas históricas ao
estritamente necessário para o embelezamento das artérias e consolidação do
edificado, o Bairro Novo apresentava-se como elemento de continuação e não de
rutura.
O “ VELHO” BAIRRO NOVO
O chamado Bairro Novo, projectado
nos anos 40, desenvolveu-se a partir do Convento da Graça, para sul, delimitado
pelas ruas Rua António Batalha Reis, Santos Bernardes, Teresa de Jesus Pereira
e Maria Barreto Bastos. Foi criado como zona residencial, destinada a uma
classe média emergente de comerciantes, funcionários administrativos e pequenos
proprietários. Ruas rectilíneas, definindo grandes quarteirões, num arranjo racional
do espaço, permitindo alguma liberdade de construção. A sua tipologia, inicialmente de moradias
unifamiliares, foi variando ao longo das décadas, acompanhando a tendência para
o prédio de habitação (dito de rendimento) de vários inquilinos, mas mantendo
uma certa harmonia na escala dos edifícios. Harmonia sobretudo nalgumas das
primeiras habitações, onde se verifica uma tipologia do tipo “arte deco”, com
animação das fachadas, através da modelação das superfícies, na marcação de
pilastras, molduras e frisos, etc.
São, na sua simplicidade,
fachadas com desenho! Correspondem a uma atitude já modernista, mas que não
consegue ainda dispensar o elemento decorativo, como traço identitário, longe
do total despojamento formal/funcional da era seguinte.
Ao mesmo tempo, criaram-se
quintais, ora para usufruto como jardins, ora para aproveitamento como hortas,
sabendo-se esta uma vila rural, cujo plano de urbanismo reflete isso mesmo, no
seu todo.
O legado recebido foi, portanto, um edificado
onde é possível observar exemplos da arquitectura portuguesa de meados do
século XX, desde o estilo “arte deco”, rumo ao modernismo - já com o uso do
betão como material de construção - passando pela arquitetura do Estado Novo,
conhecida de forma crítica como Estilo Português Suave, constituindo-se como o
símbolo de uma época.
Esta zona puramente habitacional representa
uma etapa importante da renovação urbanística entre nós e conserva ainda uma
certa homogeneidade, apesar da adulteração de alguns dos seus troços. Por isso,
é um capítulo do discurso histórico que uma cidade (também) deve ser. Desde
logo pelo seu carácter vincadamente residencial, como zona tranquila,
alternativa a outros movimentos do viver citadino. Veja-se como, nestes tempos
de pandemia, o facto de se ter acesso a um pequeno espaço privado de ar livre
pode constituir uma mais valia.
A aparente retoma das actividades
de construção civil, com algumas intervenções a decorrer, vem recolocar questões
que não são consensuais – conservar versus renovar. Afinal a cidade
reinventa-se sobre si mesma. Será que o contemporâneo pode coexistir com o
antigo? Pode, claramente, mas há que definir regras claras.
Esquecer a vocação do Bairro Novo,
zona com forte identidade no discurso da cidade moderna, constitui uma perda
cultural, pela desvalorização dos seus valores originais e consequente
densificação. Destrói-se uma harmonia conseguida e as memórias que transportam. Agora que a CMTV se
dedica à definição de Áreas de Regeneração Urbana fica o nosso apelo para que o
Bairro Novo possa merecer a atenção dos urbanistas a fim de preservar o seu
contributo para o equilíbrio urbano, na inequívoca singularidade das suas
características e na sua memória.
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