EU CRESCI NO CENTRO HISTÓRICO
(1ª Parte)
QUIM GAGO
Passei a minha infância no Largo dos Polomes, também conhecido por Largo
dos Ferradores. Nesse tempo existiam duas oficinas: a do Heliodoro, com o velho
Abel; e a do João Martins, com o seu empregado João. Por sinal, o João Martins
era um excelente músico que chegou a tocar na banda dos Bombeiros e na
orquestra ‘Os Lusitanos’. Porém, o número de ferradores estendia-se além dos
Polomes. Lembro-me do velho Zé Trinta e do Miguel na Corredoura e do amigo Malaquias
na Rua Santos Bernardes, em frente onde hoje se encontra o Banco Totta. Mas a
actividade deste Largo não se cingia aos ferradores. Casas de bicicletas eram
cinco: a do Zé Bonabal, a do Flores, a do Celestino (ainda vivo), a do velho
Cola e a do Francisco Inácio, natural de Casalinhos de Alfaiata – o primeiro
ciclista do concelho a ganhar uma volta a Portugal, (em 1941, pelo Sporting
Clube de Portugal). Por sua vez, a Rua Dias Neiva, que liga o Largo dos Polomes
ao Largo de São Pedro, era a rua mais movimentada da vila, pois nela existia a
maior parte dos armazenistas, tais como o Raul Alves, o Fonseca & Lisboa, o
Florêncio Augusto Chagas, a Central Cafeeira e ainda lojas diversas.
Enfim, ao olharmos para trás, registe-se com alguma nostalgia o nome de
actividades que foram inevitavelmente desaparecendo, pois, nesse tempo, para
além do comércio tradicional, distribuíam-se pelas ruas do centro histórico os
correeiros e os albardeiros, os funileiros e o amola-tesouras, os ferreiros, os
barbeiros, os sapateiros e as ajuntadeiras, e outros artesãos.
No princípio dos anos cinquenta – época da minha infância – as ruas e os
largos eram os locais privilegiados para os miúdos brincarem, desenvolvendo as
suas aptidões físicas e a sua capacidade inventiva. O futebol era sem dúvida o jogo
mais desejado, pois em qualquer recanto que desse para colocar duas pedras no
chão a servir de baliza estava montado o sítio para jogar. E havia muitos. No
meu caso, era o pátio Alfazema – mais conhecido pela Caldeira, porque havia aí uma
caldeira de destilação de bagaço pertencente à casa Neiva Vieira, onde até há
pouco esteve a laborar uma oficina de mármores. Mas se houvesse uma bola lá
estávamos nós. Ainda me lembro de jogar com os irmãos Campos – no beco (agora
com o topónimo Travessa Madeira Torres), ou no pátio da Casa Primavera (nas
traseiras da Tuna), e serem estes os primeiros palcos da nossa infância. Por
vezes as jogadas eram interrompidas pela presença inesperada dos polícias que
moravam na Encosta de São Vicente, mais a do Pencudo que vinha do Paul. Eram
homens que nunca nos incomodavam, embora a sua presença imprimisse respeito.
Porém, mal nos viravam as costas a jogatina recomeçava.
***
Pela amizade que sempre
nos uniu quero, publicamente, deixar registada a minha solidariedade e
preocupação para com Vítor Campos, velho companheiro das lides de infância,
face ao momento difícil que atravessa.
(Texto escrito ao abrigo do
antigo acordo ortográfico)
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