Pesquisas no Centro Histórico
-antigos Paços do Concelho
(4a parte)
Emanuel Carvalho
[ Assistente de arqueólogo ]
De entre o conjunto de
intervenções arqueológicas levadas a cabo no Centro Histórico de Torres Vedras
nas últimas duas décadas, realizadas sobretudo no contexto de obras de
construção civil, municipais e privadas, temos a destacar as escavações no
edifício dos antigos Paços do Concelho.
Nesse local, durante as obras de
reabilitação, foi recolhido em toda a área do piso térreo um vasto conjunto
arqueológico de grande importância para a compreensão da história torriense.
A escavação
total de um poço rectangular com 16 metros de profundidade, usado até ao
século XX para captação de água, veio a revelar aos arqueólogos um espólio
verdadeiramente extraordinário, não só pela qualidade como pela quantidade e
variedade dos elementos encontrados. O poço encontra-se actualmente integrado no espaço
dos antigos Paços do Concelho, podendo ser observado no pátio do piso térreo.
O facto da
totalidade desse espólio se encontrar totalmente submerso permitiu que se
conservassem, com grande parte das suas características originais, diversos
materiais e utensílios de origem orgânica, tais como: baldes, partes de
mobiliário, sementes, caroços de frutas e couro.
Surpreendentemente, foram também
retiradas dezenas de peças de cerâmica completas, na sua maioria bilhas,
certamente caídas no seu interior durante o trabalho de tirar água do poço, bem
como milhares de fragmentos de outras peças que seguramente levarão anos de trabalho
moroso e paciente na execução de puzzles e posterior
restauro.
Desse vasto espólio destaca-se uma jarrinha em cerâmica modelada, engobada
e brunida, com decoração a punção datada do século XVII, exemplar raro do
barroco na arte cerâmica. Durante a limpeza do fundo, depositada numa
concavidade, foi encontrada uma pequena bolsa de tecido que continha 25 moedas,
na sua maioria de Dom Afonso V (século XV).
Através da datação cronológica
dessas peças foi possível estimar que esse poço terá sido utilizado entre os
séculos XIV/XV e XX, o que atesta o seu uso durante pelo menos cinco séculos.
Também a área envolvente ao poço foi escavada, assim como todo o primeiro piso
do edifício dos antigos Paços do Concelho.
Durante essas intervenções destaca-se a descoberta de várias estruturas em
alvenaria, muros, e uma canalização - tudo anterior ao século XVIII - bem como
um conjunto de silos de armazenamento de cereais ou frutos secos da época
islâmica. Foram ainda encontrados nessa área níveis da época romana e da Idade
do Ferro, atestando uma longa ocupação do sopé oriental do morro do castelo.
Este é assim um excelente exemplo
de como se deve tratar o património arqueológico: o uso de metodologia e
protocolos adequados para a intervenção em áreas históricas sensíveis, a fim de
possibilitar escavações arqueológicas antes do início das obras; por outro
lado, a criação de uma equipa motivada, que permita a obtenção de resultados
de grande qualidade.
Os trabalhos no interior do poço
foram realizados por espeleólogos do Espeleo Clube de Torres Vedras, dirigidos
pelos arqueólogos Guilherme Cardoso e Isabel Luna.
O autor
escreve segundo a antigo acordo ortográfico.
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