Enquanto a Banda da Juventude Musical Ponterrolense enchia de sons vibrantes o espaço do Jardim da Graça, os assistentes que por ali andavam cumprimentavam-se em reencontros de conversas antigas. Pedro Carimbo conduzia a Banda no bairro dos sons e nós relembrávamos concertos de outras eras, tão intensamente ouvidos ontem e ainda tão presentes hoje.
O velho coreto, que mora só na saudade dos que o viram:
No abraço da despedida veio o pedido de um escrito que resgatasse do esquecimento o velho coreto.
Maria Laura Madeira respondeu. Comovidamente agradecemos este texto de Memória revisitada.
Um Coreto será, em qualquer
terra portuguesa, um monumento daqueles que não deveria levantar polémicas a
ninguém. Monumento, sim, património monumental que atesta e faz parte de um
grande salto no progresso civilizacional
dos povos. Era destinado a fazer conhecer e amar a música, a mais universal
das linguagens. À volta do Coreto se
reuniam as pessoas que queriam gostar de música, ouvir música, sentir o seu semelhante numa dimensão de
fraterno respeito pela música e pelos seus valores.
À volta do Coreto brincavam as crianças, em noite de concerto, obrigadas
apenas a guardar silêncio e consideração pelos outros, e muitas delas já eram
fascinadas pelos metais reluzentes, donde saíam sons maravilhosos. A Vila, em
noite de concerto, inundava-se duma beleza quase mágica, o Jardim enchia, as
esplanadas próximas fervilhavam de gente animada de um sorriso bom. Os nossos
músicos das Bandas eram muitos deles também bombeiros voluntários, o que dava
ainda mais valor ao evento.
Gente de todas as idades, homens e mulheres, eram bem mais felizes nas
noites de concerto. Por norma, as mulheres não frequentavam os cafés, saíam pouco, mas em noite de
concerto da Banda a liberdade punha
um retoque garrido e vinha espreitar a vida. A vida, que era difícil, com
privações e muito trabalho, mas
as pessoas acreditavam na força do estudo, do trabalho, da solidariedade. Era
assim no meu Bairro, afortunadamente
muito perto do Jardim da Graça, palco de sadias brincadeiras e de grande respeito
pelas árvores, pelas flores,
pelos animais que por ali se nos juntavam. O relógio da Graça comandava o tempo
e, se algum fogo acontecia
algures pelo concelho, logo alguém aparecia a correr para tocar o sino a
rebate. Ninguém deveria ter levado a
corda e retirado o sino. É dos pequenos monumentos humanos que mais nos devemos
lembrar, eles são a semente de coisas que nunca deverão morrer entre os homens;
a ajuda solidária é
uma delas. Não desprezo as heranças monumentais de porte que embelezam as
terras, todavia algumas não
serão de todo repositório das melhores lembranças do passado.
Sentindo-me alguém com direito a viver feliz, eu fui muitas vezes
pendurada no braço do meu saudoso Avô, que usava a melhor gravata, assistir aos
concertos das várias bandas que se exibiam no nosso Coreto. Quando o sr. Pombal batia com os pratos dourados, aquele
«tchim» deixava-me arrepiada, ecoava
na alma das crianças, que paravam todas para saborear o momento. O ilustre
maestro, prof. Amorim, lindo
como um Pierrot de porcelana sob a luz dum círculo de lâmpadas, é o quadro inesquecível
que jamais conseguirei materializar.
Meu querido Coreto, pintado de verde escuro, com um vão por baixo
repleto de mistérios, onde foste parar?
Ah, volta! Quem sabe podes ficar na praceta da rua Henriques
Nogueira, ao pé do adorável Padre Joaquim Maria de Sousa, ali tão sozinho entre
o limite de algumas colunas truncadas?... Pelos muros das Escolas e das casas
da área, as pessoas podem ajeitar-se para ouvir música, muita música, toda a
música.
Salvem também o Coreto do
Choupal, um elo na dinamização da área, para o embelezamento duma cidade que é de todos, onde poderão vir a nascer
pequenos negócios, residenciais simpáticas, espaços amorosamente ajardinados
nas margens do rio Sizandro, que merece vir a ser um espelho de água, o lugar
para surgirem trabalhos de arte,
esculturas, símbolos simples, onde cada um se expanda e se reveja.
Deixo a pedido o testemunho duma menina de lacinho que se
maravilhou da sua terra e não sabia que era poeta. Se pode valer alguma coisa, aqui fica.
Com amor, Maria Laura
Madeira/2013
Muito interessante, esta descrição do coreto que a minha geração nem se quer imagina que possa ter existido. Quando vi pela primeira vez esta fotografia fiquei interessada pela estrutura do coreto de uma beleza fascinante. Como é possível, uma referência tão importante ter sido apagada como fosse um desenho a carvão? Faço parte de uma das bandas do concelho de Torres e entristece-me não poder deslumbrar um espaço onde os meus antepassados colegas pisaram, brilharam e desfrutaram ao sabor da música filarmónica. Guardando apenas referências fotográficas e imaginando como seria "ser músico" naquela época.
ResponderEliminarÉ caso para dizer «obrigado» pelo seu lindo depoimento. Estas coisas de que nos fala são o mais da vida, é a arte, é o amor que nos liga.
ResponderEliminarmarialaura.gomesmadeira@gmail.com
ResponderEliminarDe Maria Laura Madeira recebemos um mail agradecendo as palavras amáveis dos comentários anteriores. Um pormenor técnico apagou essas palavras do comentário que ela tentou deixar aqui. Fica o registo. Pela nossa parte reiteramos o agradecimento pela sua colaboração. Bem hajas, Maria Laura.
ResponderEliminarRecordações que o tempo não conseguiu apagar...
ResponderEliminarUma pena que não se crie um movimento em favor da construção de um coreto (quem sabe no local sugerido pela autora do texto), independentemente do seu estilo arquitectónico.
Imagino que a população iria saber apreciar e frequentar, especialmente a garotada e os mais velhos.
Belíssimo texto. Parabéns.
José M.Couceiro