02 junho 2013

MEMÓRIAS - O coreto do Jardim da Graça


Enquanto a Banda da Juventude Musical Ponterrolense enchia de sons vibrantes o espaço do Jardim da Graça, os assistentes que por ali andavam cumprimentavam-se em reencontros de conversas antigas. Pedro Carimbo conduzia a Banda no bairro dos sons e nós relembrávamos concertos de outras eras, tão intensamente ouvidos ontem e ainda tão presentes hoje.

O velho coreto, que mora só na saudade dos que o viram:




No abraço da despedida veio o pedido de um escrito que resgatasse do esquecimento o velho coreto.
Maria Laura Madeira respondeu. Comovidamente agradecemos este texto de Memória revisitada.

Um Coreto será, em qualquer terra portuguesa, um monumento daqueles que não deveria levantar polémicas a ninguém. Monumento, sim, património monumental que atesta e faz parte de um grande salto no progresso civilizacional dos povos. Era destinado a fazer conhecer e amar a música, a mais universal das linguagens. À volta do Coreto se reuniam as pessoas que queriam gostar de música, ouvir música, sentir o seu semelhante numa dimensão de fraterno respeito pela música e pelos seus valores.

         À volta do Coreto brincavam as crianças, em noite de concerto, obrigadas apenas a guardar silêncio e consideração pelos outros, e muitas delas já eram fascinadas pelos metais reluzentes, donde saíam sons maravilhosos. A Vila, em noite de concerto, inundava-se duma beleza quase mágica, o Jardim enchia, as esplanadas próximas fervilhavam de gente animada de um sorriso bom. Os nossos músicos das Bandas eram muitos deles também bombeiros voluntários, o que dava ainda mais valor ao evento.

         Gente de todas as idades, homens e mulheres, eram bem mais felizes nas noites de concerto. Por norma, as mulheres não frequentavam os cafés, saíam pouco, mas em noite de concerto da Banda a liberdade punha um retoque garrido e vinha espreitar a vida. A vida, que era difícil, com privações e muito trabalho, mas as pessoas acreditavam na força do estudo, do trabalho, da solidariedade. Era assim no meu Bairro, afortunadamente muito perto do Jardim da Graça, palco de sadias brincadeiras e de grande respeito pelas árvores, pelas flores, pelos animais que por ali se nos juntavam. O relógio da Graça comandava o tempo e, se algum fogo acontecia algures pelo concelho, logo alguém aparecia a correr para tocar o sino a rebate. Ninguém deveria ter levado a corda e retirado o sino. É dos pequenos monumentos humanos que mais nos devemos lembrar, eles são a semente de coisas que nunca deverão morrer entre os homens; a ajuda solidária é uma delas. Não desprezo as heranças monumentais de porte que embelezam as terras, todavia algumas não serão de todo repositório das melhores lembranças do passado.

          Sentindo-me alguém com direito a viver feliz, eu fui muitas vezes pendurada no braço do meu saudoso Avô, que usava a melhor gravata, assistir aos concertos das várias bandas que se exibiam no nosso Coreto. Quando o sr. Pombal batia com os pratos dourados, aquele «tchim» deixava-me arrepiada, ecoava na alma das crianças, que paravam todas para saborear o momento. O ilustre maestro, prof. Amorim, lindo como um Pierrot de porcelana sob a luz dum círculo de lâmpadas, é o quadro inesquecível que jamais conseguirei materializar.

           Meu querido Coreto, pintado de verde escuro, com um vão por baixo repleto de mistérios, onde foste parar?
            Ah, volta! Quem sabe podes ficar na praceta da rua Henriques Nogueira, ao pé do adorável Padre Joaquim Maria de Sousa, ali tão sozinho entre o limite de algumas colunas truncadas?... Pelos muros das Escolas e das casas da área, as pessoas podem ajeitar-se para ouvir música, muita música, toda a música.
          Salvem também o Coreto do Choupal, um elo na dinamização da área, para o embelezamento duma cidade que é de todos, onde poderão vir a nascer pequenos negócios, residenciais simpáticas, espaços amorosamente ajardinados nas margens do rio Sizandro, que merece vir a ser um espelho de água, o lugar para surgirem trabalhos de arte, esculturas, símbolos simples, onde cada um se expanda e se reveja.

           Deixo a pedido o testemunho duma menina de lacinho que se maravilhou da sua terra e não sabia que era poeta. Se pode valer alguma coisa, aqui fica.

Com amor, Maria Laura Madeira/2013
           
            




5 comentários:

  1. Anónimo3/6/13

    Muito interessante, esta descrição do coreto que a minha geração nem se quer imagina que possa ter existido. Quando vi pela primeira vez esta fotografia fiquei interessada pela estrutura do coreto de uma beleza fascinante. Como é possível, uma referência tão importante ter sido apagada como fosse um desenho a carvão? Faço parte de uma das bandas do concelho de Torres e entristece-me não poder deslumbrar um espaço onde os meus antepassados colegas pisaram, brilharam e desfrutaram ao sabor da música filarmónica. Guardando apenas referências fotográficas e imaginando como seria "ser músico" naquela época.

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  2. É caso para dizer «obrigado» pelo seu lindo depoimento. Estas coisas de que nos fala são o mais da vida, é a arte, é o amor que nos liga.

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  3. Anónimo8/6/13

    marialaura.gomesmadeira@gmail.com

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  4. De Maria Laura Madeira recebemos um mail agradecendo as palavras amáveis dos comentários anteriores. Um pormenor técnico apagou essas palavras do comentário que ela tentou deixar aqui. Fica o registo. Pela nossa parte reiteramos o agradecimento pela sua colaboração. Bem hajas, Maria Laura.

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  5. Anónimo17/2/14

    Recordações que o tempo não conseguiu apagar...
    Uma pena que não se crie um movimento em favor da construção de um coreto (quem sabe no local sugerido pela autora do texto), independentemente do seu estilo arquitectónico.
    Imagino que a população iria saber apreciar e frequentar, especialmente a garotada e os mais velhos.
    Belíssimo texto. Parabéns.
    José M.Couceiro

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