PÁGINA "PATRIMÓNIOS" NO JORNAL BADALADAS - 26 de Junho de 2020:
O
ENCANTO DA ERMIDA DO SIROL
Joaquim Moedas Duarte
De
Torres Vedras ao Sirol – pequena povoação da freguesia de Dois Portos (União
das freguesias de Dois Portos e Runa) – distam cerca de 15 km. Diz a historiadora Ana
Maria Rodrigues que a povoação já vem mencionada na inquirição de 1309 e no
numeramento de 1527, com a indicação de que, nesses anos, tinha 10 e 9 fogos,
respectivamente. Isto é, cerca de meia centena de moradores. Quando há dias lá
fui, em mais uma das visitas que gosto de repetir, verifiquei que a povoação
continua maneirinha, pacata, acolhedora nas vozes das vizinhas que se encontram
no pequeno largo e que responderam com familiaridade espontânea ao meu “bom
dia”. O que me leva ao Sirol é a sua ermida, no deleite de rever, como se fosse
a primeira vez, o seu magnífico interior. Socorro-me do que disseram os autores
do precioso repositório artístico da Junta Distrital de Lisboa quando aqui
estiveram em 1963: «um conjunto
surpreendente de estuques da segunda metade do século XVIII, que revestem
completamente paredes e abóbada. De um lado e de outro, quatro grandes painéis
de estuque, representando os Evangelistas, e, ladeando o arco triunfal, S.
Sebastião e Santa Bárbara. Alguns motivos decorativos, de excelente desenho,
revelam modelos eruditos e são característicos da época». Maior seria a
surpresa se vissem o resultado dos restauros que foram feitos nos anos
posteriores e que restituíram cor e integridade aos estuques iniciais,
danificados pelo tempo. Eles também se referem aos azulejos, num comedido
comentário: «Bons os silhares de azulejos, do final do séc.
XVIII». Aqui temos de pedir opinião ao grande estudioso da azulejaria
nacional, J. M. dos Santos Simões, que passou pelo Sirol nos anos 70 do séc.
XX, quando fazia o seu minucioso inventário por todo o país. Diz ele que «os azulejos são de magnífica qualidade, de
bom desenho e coloração. Julgo-os de cerca de 1770-75 e não me repugna que
hajam sido fabricados na Fábrica Real[do Rato], logo nos primeiros anos da sua
laboração». Alargando a sua apreciação, faz descrição minuciosa da
composição, característica da época: painéis historiados com cenas marianas –
vida da Virgem – monocromáticos de azul em fundos brancos, emoldurados por cercaduras
de motivos de “asas de morcegos” a azul forte. Estes silhares revestem a parte inferior
das paredes da nave e da capela-mor, «azulejo
de um mesmo tipo, época e fabricação, ou seja, fez parte de uma encomenda
global» (SIMÕES, 2010, p. 413). Acima deles, correm os grandes painés de
estuque com a representação de figuras sacras – dois doutores da Igreja, os
quatro evangelistas, S. Francisco de Bórgia com a caveira coroada, símbolo da
vida efémera; S. Sebastião e Stª Bárbara; e Stª Ana e S. Joaquim, pais da
Virgem, cujo dia se celebra em 26 de Julho, data da sagração deste templo,
atestada por uma inscrição em pedra no arco da porta de entrada. É o estuque
colorido, desenhado e aplicado com mestria, que dá uma ambiência única a este
espaço, «exemplar raríssimo», como
sublinha Santos Simões. Mas é na capela-mor que mais se admira a unidade de
concepção decorativa, a chamada “arte total” distintiva do Barroco, que
articula harmoniosamente os estuques das paredes e do tecto, os azulejos, as
figuras escultóricas – com destaque para a notável imagem de Nª Senhora com o
Menino – e os mármores do retábulo. Bem se entende o nosso encantamento com a
Capela do Sirol.
O CONTRASTE DA FACHADA
O vulto exterior da capela não indicia o que
há no interior. Recordo-me da impressão da minha primeira visita: um certo
desequilíbrio entre a monumentalidade da torre sineira e o corpo do edifício,
que parecia apoucado por ela. Mas um e outro elementos, analisados em separado,
são dignos de registo. A porta da capela é precedida de uma galilé aberta por
uma arco de volta perfeita sobre o qual se encontra a inscrição da sagração do
templo: HERMIDA / DE N. Sra. DA PURI / FICAÇÃO
/ Bta [benta] a 26 DE / JULHO DE / 1749. Logo acima do arco, uma grande
janela com varandim de ferro e moldura em cantaria recortada, serviria para os
sermões em dia festivo de missa campal. A torre é semelhante a muitas que
encontramos nas igrejas da região, características do século XVIII: lançamento
em altura, com quatro janelas sineiras e coberta por abóbada bulbosa pontuada
por quatro fogaréus no acrotério das quatro faces. Cá em baixo, grossos
pilaretes marcam o espaço do adro.
A monumentalidade e singularidade desta ermida
de Nª Srª da Purificação – classificada como Monumento de Interesse Público
desde 1967 –, dominando a pequena aldeia do Sirol, suscita a interrogação sobre
quem terá financiado a sua construção inicial e posterior decoração do interior.
Arrisco uma hipótese plausível: aqui bem perto, a cerca de três quilómetros a
oeste, fica a Quinta da Conceição, que nos séculos XVII e XVIII pertenceu aos
Marqueses do Lavradio, a maior casa senhorial e agrícola da área rural
torriense. A capela do imponente Paço da Quinta, com uma pequena sineira, é de
mesquinha dimensão. Terão os seus senhores contribuído para valorizar o templo
da aldeia dos seus assalariados e rendeiros?
NOTAS BIBLIOGRÁFICAS:
Ana Maria Feliciano e António S. Leite: A Casa Senhorial como matriz da
territorialidade, Caleidoscópio, s/l, 2015.
Carlos de Azevedo e Adriano de Gusmão: Monumentos e edifícios notáveis do distrito
de Lisboa – Torres Vedras, Lourinhã, Sobral de Monte Agraço, Junta Distrital de Lisboa, 1963.
J. M. Santos Simões: Azulejaria em Portugal no Século XVIII, Fund. C. Gulbenkian,
Lisboa, 2010.
Sites da Direcção Geral do Património Cultural e do
SIPA – Sistema de Informação para o Património Arquitetónico
FOTOS: Joaquim Moedas Duarte
Como chegar à aldeia de Sirol, a partir de Torres Vedras:
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