Esta é uma casa bem conhecida dos torrienses:
Está situada na Rua Santos Bernardes, perto do cruzamento com a R. Teresa De Jesus Pereira.
Por trás do gradeamento há um matagal espesso onde mal se divisam restos de antiga construção. Quando os actuais proprietários mandam desmatar, lá aparece uma parede com a inscrição TERMAS DA FONTE NOVA. Passámos por lá, há dias, e disparámos a máquina por entre o gradeamento do portão:
É o que resta de um passado que não chegou a ser brilhante, apenas promissor, e de que Adão de Carvalho, num trabalho publicado no semanário torriense BADALADAS em 19 de Maio de 1995, dava conta e ilustrava com foto antiga.
Aqui fica a transcrição:
«ÁGUAS
MEDICINAIS DA FONTE SANTA
Inauguradas, oficialmente, em 23
de Maio de 1895, destinavam-se ao tratamento das doenças do reumático,
estômago, intestino e outras.
Completam-se 100 anos, na próxima terça feira,
dia 23 de Maio [1995], que, na então vila
de Torres Vedras, foi inaugurado o estabelecimento
das águas termais da Fonte Nova. Estas águas tinham fama de curar várias
doenças, motivo que levou o seu proprietário, António dos Santos Bernardes, a oficializar a sua exploração e
a construir junto às mesmas um edifício próprio e adequado para tratamento
daquelas doenças. Vou, dentro das minhas possibilidades e de apontamentos
colhidos no extinto jornal "A Vinha de Torres Vedras", historiar tudo aquilo que se
relacionou com a chamadas águas medicinais da Fonte Nova, há muitos anos
abandonadas. Ao fazê-lo, também é minha intenção, homenagear o saudoso
torriense, António dos Santos Bernardes e muitas outras individualidades
que o acompanharam e apoiaram no seu empreendimento.
1893
As
águas da Fonte Nova ficavam nos subúrbios da vila - hoje situadas ao fim da Rua
Santos Bernardes, perto
dos semáforos. Eram pertença de António
dos Santos Bernardes o
qual, no dia 7 de
Maio de 1893,
mandou fazer obras nos esgotos, por meio de bomba a vapor, no manancial das
águas que eram, e sempre foram, consideradas medicinais no tratamento de
doenças reumáticas,
estômago, intestinos, anemia e outras.
As
águas tinham a fama e, por isso, o seu proprietário resolveu construir um
edifício
próprio e adequado para exploração
das mesmas. O caudal era de 90 litros por hora. A primeira análise feita às
águas foi elaborada pelo engenheiro químico
e professor da Escola Industrial de Coimbra, Charles Lepierre. Mostrava que as
águas podiam comparar-se à melhores águas medicinais
portuguesas, como Pedras Salgadas, Vidago e outras, devendo ser muito
benéficas no tratamento das doenças já apontadas.
1894
Neste ano a folha oficial
publicou o alvará que rezava ter sido concedida a exploração da nascente das
águas minero-medicinais de Fonte Nova, em Torres Vedras, a António dos Santos
Bernardes. Este viu, assim, concretizada a sua aspiração de exploração das
referidas águas.
1895
Foi neste ano que foi construído
o edifício próprio e adequado à exploração das águas. Foram feitas várias
análises (além das duas que publicamos), por distintos lentes de medicina da
Universidade de Coimbra, Drs. Sacadura Bote, João Jacinto e Daniel de Matos,
além do Dr. Moreira Júnior, de Lisboa, e Dr. Júlio Lucas.
INAUGURAÇÃO
O novo estabelecimento foi inaugurado, com todo o esplendor, no
dia 23 de Maio de 1895, numa quinta-feira, há cem anos. Foi criada uma
comissão constituída por Henrique Avelino, António da Costa e João Guimarães
Júnior, que organizaram os diversos festejos. A Câmara Municipal também se
associou a estas manifestações. Na véspera da inauguração houve uma récita
dedicada pelo Grémio Artístico Comercial de Torres Vedras, ao senhor Santos
Bernardes. Subiu à cena a comédia "O Comissário de Polícia", que foi
muito bem desempenhada.
No dia da inauguração, a alvorada esteve a cargo da Filarmónica
Torreense, que não assistiu a todos os festejos por estar contratada para uma
festa de arraial em Ponte do Rol.
As nove e meia da manhã, os senhores António dos Santos
Bernardes, Gonçalves Rosa, administrador do Concelho, Joaquim Beldford, presidente
da Câmara e outras individualidades, receberam os convidados, que chegaram em
comboio, de Lisboa, entre os quais vinham o dr. Inácio Casal Ribeiro, Pedro
Quintela, dr. José Benevides, José Belo, dr. Craveiro Lopes, dr. Higino de
Sousa, Ernesto Farinha, Emílio Fragoso, este representante
da Gazeta de Farmácia, Luís Câmara Pestana, representante da Revista de Medicina
e Cirurgia, Cecílio de Sousa, da "Folha do Povo", Guilherme de Sousa,
jornalista do "Século", Albino Sarmento, do "Diário de
Notícias", Alfredo Gallis, do "Diário Ilustrado e Universal",
Feio Terenas e Soares Guedes, da "Batalha", Caetano Alberto, do
"Ocidente" além de outros. A Harmónica Nova de Peniche e a Real
Fanfarra da Ericeira, estiveram presentes a receber os convidados.
Depois dos cumprimentos, todos se dirigiram para o
Hotel dos Cucos para o almoço. Os ilustres convidados visitaram as termas, no
que foram acompanhados pelo dr. Freire, director dos balneários. Os médicos
presentes, jornalistas e demais convidados, foram de opinião que dificilmente
se encontra na península estabelecimento que o iguale, devendo ser o primeiro
da Europa quando totalmente concluído.
O almoço, foi dirigido por António Batalha Reis,
cujo menu foi o seguinte:
"Sardinhas de Paimogo, manteiga fresca,
rabanetes, omollete de espargos, rins à Torreana, galinhas à Fonte Nova,
maionese, fiambre, ervilha cozidas, fruta, pastéis de feijão e tosquiados.
Vinho de pasto tinto, champanhe, chá e café".
Durante o almoço, em frente
do hotel, as duas filarmónicas estiveram, alternadamente, tocando. Fizeram-se muitos brindes durante o
repasto.
Eram 14 horas quando se
procedeu à INAUGURAÇÃO do estabelecimento, com benção das águas pelo reverendo
Padre António Joaquim Queiroz. Este convidou os senhores António dos Santos
Bernardes e o presidente da Câmara, Joaquim Beldford, a abrirem as torneiras.
Na altura, Joaquim Beldford, solicitou que fosse o dr. Inácio Casal Ribeiro a
substituí-lo nessa missão por sempre ter sido um amigo dedicado de Torres
Vedras. O dr. Casal Ribeiro agradeceu e aceitou, lembrando na altura, que
Torres Vedras foi berço da sua estremecida e carinhosa mãe, Condessa de Casal
Ribeiro. Lavrou-se, depois, o auto da
inauguração, que foi assinado pelo proprietário, autoridades presentes, convidados
e demais pessoas.
Na ocasião foram entregues
ao sr. Santos Bernardes as felicitações da Associação de Socorros Mútuos 24 de
Julho e do Grémio Artístico Comercial.
Às seis e meia da tarde
começou o jantar no "Hotel Natividade" sendo, mais uma vez, o serviço
dirigido por António Batalha Reis. A ementa foi a seguinte:
"Camarões da Assenta, sopa à Fonte Grada, balões de miolos, bifes à
Torrearia, macarrão de Lamego, frangos do Carvalhal, salada mau génio, peru
emborrachado, espargos, pudim excelcior, fruta variada. Vinho de pasto tinto,
vinho para o peixe Boal de Torres Vedras, Madeira, Porto, champanhe e cognac, etc ".
Usaram da palavra e fizeram
brindes os senhores Santos Bernardes, Pedro Quintela, dr. Reis Santos, dr.
Freire, Emílio Fragoso, Batalha Reis, Alfredo Gallis e Joaquim Beldford.
Presentes várias individuallidades entre os quais Cecílio de Sousa, Casal
Ribero, Higino de Sousa e dr. Reis Santos.
Os convidados de Lisboa partiram
no comboio das 8 e meia (20,30 horas), sendo acompanhados à estação pela
Filarmónica da Eric
RUA SANTOS
BERNARDES
Em reunião da Câmara Municipal,
de 24 de Maio - dia seguinte ao da inauguração - os senhores administrador do
concelho e presidente do município, congratularam-se pela inauguração das águas da Fonte Nova. Foi
deliberado dar o nome de Rua Santos Bernardes, ao seguimento da Rua Dias Neiva. Desta
decisão foi, por ofício, dado conhecimento a António dos Santos Bernardes. Hoje
a rua continua com o seu nome. Começa na igreja da Graça e vai até aos
semáforos. Só como curiosidade, verifica-se, também, que,
naquele tempo, a Rua Dias Neiva vinha até à Havaneza,
sendo bastante comprida.
ENCERRAMENTO DAS ÁGUAS
No entanto, infelizmente,
decorridos poucos anos, nunca mais que seis, constatou-se que as despesas eram superiores
às receitas. O estabelecimento foi encerrado.
1902
As pessoas continuaram, gratuitamente a utilizar as águas por
deferência do seu novo proprietário, sobrinho do fundador que já havia
falecido. Com os anos toda a tubagem ficou danificada e as águas perderam muito
da sua pureza.
As termas da Fonte Nova se continuassem, conjuntamente com as
termas dos Cucos, podiam dar a Torres Vedras o privilégio de ser a cidade europeia
com um maior leque de águas medicinais.
Como disse, no início deste texto, as Termas da
Fonte Nova, inauguradas em 23 de Maio de 1895, encerraram poucos anos depois
pelas razões apontadas. Não havia, nesse tempo, subsídios nem comparticipações
a fundo perdido. Se estivessem em laboração, as termas da Fonte Nova,
completavam na próxima terça-feira, cem anos de vida. Fica-nos a recordação do que foi a
Fonte Nova, hoje abandonada e esquecida. ■ »
Adão de Carvalho
Na revista O OCIDENTE de 5 de Junho de 1895 foi publicada uma reportagem da inauguração das Termas:
O texto coincide, no geral com o de Adão de Carvalho mas tem a particularidade de incluir esta gravura muito bonita, feita a partir de uma foto de Martinez Pozal.
A reportagem explica que o pavilhão das Termas foi construído sobre a nascente das águas termais e que o acesso à água era feito por um sistema de canalização com torneiras.
Alguns excertos, em imagem scanizada:
Sempre me senti fascinada com este edificio, sempre que passo lá observo e fico a pensar nas gentes que ali passaram, nas conversas que ali nasciam e o cheiro a novo no dia da inauguração. Tenho muita pena que nós, portugueses não valorizados os nossos antepassados. Preferimos deixar o nosso patrimonio material ir abaixo e mais tarde colocar uma placa de informação a dizer que ali houve em tempos uma memória importante da nossa cidade. É muito triste saber que os meus filhos e netos não vão conhecer aquela casa tão misteriosa que tanto dá que pensar... é triste.
ResponderEliminarPor qual a razão que não se divulgam estas coisas interessantes que temos no nosso Concelho de Torres Vedras gostaria de ver !!!!!!......
ResponderEliminarComo vê, está aqui a divulgação.
EliminarEste ano, por ocasião do Dia Internacional dos Monumentos e Sítios, em Abril, fizemos uma conferência no Museu Municipal e uma visita guiada à Fonte Nova.
Pena que não tenha sabido e participado.