17 fevereiro 2013

AS TERMAS DA FONTE NOVA


Esta é uma casa bem conhecida dos torrienses:




Está situada na Rua Santos Bernardes, perto do cruzamento com a R. Teresa De Jesus Pereira.
Por trás do gradeamento há um matagal espesso onde mal se divisam restos de antiga construção. Quando os actuais proprietários mandam desmatar, lá aparece uma parede com a inscrição TERMAS DA FONTE NOVA. Passámos por lá, há dias, e disparámos a máquina por entre o gradeamento do portão:







A porta entreaberta é do pavilhão das Termas cujo telhado já caiu. Ruínas, tudo ruínas.
É o que resta de um passado que não chegou a ser brilhante, apenas promissor, e de que Adão de Carvalho, num trabalho publicado no semanário torriense BADALADAS em 19 de Maio de 1995, dava conta e ilustrava com foto antiga.

Aqui fica a transcrição:




«ÁGUAS MEDICINAIS DA FONTE SANTA

Inauguradas, oficialmente, em 23 de Maio de 1895, destinavam-se ao tratamento das doenças do reumático, estômago, intestino e outras.

Completam-se 100 anos, na próxima terça feira, dia 23 de Maio [1995], que, na então vila de Torres Vedras, foi inaugurado o estabelecimento das águas termais da Fonte Nova. Estas águas tinham fama de curar várias doenças, motivo que levou o seu proprietário, António dos Santos Bernardes, a oficializar a sua exploração e a construir junto às mesmas um edifício próprio e adequado para tratamento daquelas doenças. Vou, dentro das minhas possibilidades e de apontamentos colhidos no extinto jornal "A Vinha de Torres Vedras", historiar tudo aquilo que se relacionou com a chamadas águas medicinais da Fonte Nova, há muitos anos abandonadas. Ao fazê-lo, também é minha intenção, homenagear o saudoso torriense, António dos Santos Bernardes e muitas outras individualidades que o acompanharam e apoiaram no seu empreendimento.

1893
As águas da Fonte Nova ficavam nos subúrbios da vila - hoje situadas ao fim da Rua Santos Bernardes, perto dos semáforos. Eram pertença de António dos Santos Bernardes o qual, no dia 7 de Maio de 1893, mandou fazer obras nos esgotos, por meio de bomba a vapor, no manancial das águas que eram, e sempre foram, consideradas medicinais no tratamento de doenças reumáti­cas, estômago, intestinos, ane­mia e outras.
As águas tinham a fama e, por isso, o seu proprietário resolveu construir um edifício
próprio e adequado para explo­ração das mesmas. O caudal era de 90 litros por hora. A pri­meira análise feita às águas foi elaborada pelo engenheiro quí­mico e professor da Escola Industrial de Coimbra, Charles Lepierre. Mostrava que as águas podiam comparar-se à melhores águas medicinais portuguesas, como Pedras Sal­gadas, Vidago e outras, devendo ser muito benéficas no tratamento das doenças já apontadas.
1894
Neste ano a folha oficial publicou o alvará que rezava ter sido concedida a explora­ção da nascente das águas minero-medicinais de Fonte Nova, em Torres Vedras, a António dos Santos Bernardes. Este viu, assim, concretizada a sua aspiração de exploração das referidas águas.
1895
Foi neste ano que foi cons­truído o edifício próprio e ade­quado à exploração das águas. Foram feitas várias análises (além das duas que publica­mos), por distintos lentes de medicina da Universidade de Coimbra, Drs. Sacadura Bote, João Jacinto e Daniel de Matos, além do Dr. Moreira Júnior, de Lisboa, e Dr. Júlio Lucas.

INAUGURAÇÃO
O novo estabelecimento foi inaugurado, com todo o esplendor, no dia 23 de Maio de 1895, numa quinta-feira, há cem anos. Foi criada uma comissão constituída por Hen­rique Avelino, António da Costa e João Guimarães Júnior, que organizaram os diversos festejos. A Câmara Municipal também se associou a estas manifestações. Na vés­pera da inauguração houve uma récita dedicada pelo Gré­mio Artístico Comercial de Torres Vedras, ao senhor San­tos Bernardes. Subiu à cena a comédia "O Comissário de Polícia", que foi muito bem desempenhada.
No dia da inauguração, a alvorada esteve a cargo da Filarmónica Torreense, que não assistiu a todos os festejos por estar contratada para uma festa de arraial em Ponte do Rol.
As nove e meia da manhã, os senhores António dos San­tos Bernardes, Gonçalves Rosa, administrador do Conce­lho, Joaquim Beldford, presi­dente da Câmara e outras indi­vidualidades, receberam os convidados, que chegaram em comboio, de Lisboa, entre os quais vinham o dr. Inácio Casal Ribeiro, Pedro Quintela, dr. José Benevides, José Belo, dr. Craveiro Lopes, dr. Higino de Sousa, Ernesto Farinha, Emílio Fragoso, este representante da Gazeta de Farmácia, Luís Câmara Pestana, repre­sentante da Revista de Medi­cina e Cirurgia, Cecílio de Sousa, da "Folha do Povo", Guilherme de Sousa, jornalista do "Século", Albino Sarmento, do "Diário de Notícias", Alfredo Gallis, do "Diário Ilus­trado e Universal", Feio Terenas e Soares Guedes, da "Bata­lha", Caetano Alberto, do "Ocidente" além de outros. A Harmónica Nova de Peniche e a Real Fanfarra da Ericeira, estiveram presentes a receber os convidados.
Depois dos cumprimentos, todos se dirigiram para o Hotel dos Cucos para o almoço. Os ilustres convidados visitaram as termas, no que foram acom­panhados pelo dr. Freire, direc­tor dos balneários. Os médicos presentes, jornalistas e demais convidados, foram de opinião que dificilmente se encontra na península estabelecimento que o iguale, devendo ser o pri­meiro da Europa quando total­mente concluído.
O almoço, foi dirigido por António Batalha Reis, cujo menu foi o seguinte:
"Sardinhas de Paimogo, manteiga fresca, rabanetes, omollete de espargos, rins à Torreana, galinhas à Fonte Nova, maionese, fiambre, ervilha cozidas, fruta, pas­téis de feijão e tosquiados. Vinho de pasto tinto, cham­panhe, chá e café".
Durante o almoço, em frente do hotel, as duas filarmónicas estiveram, alternadamente, tocando. Fizeram-se muitos brindes durante o repasto.
Eram 14 horas quando se procedeu à INAUGURAÇÃO do estabelecimento, com ben­ção das águas pelo reverendo Padre António Joaquim Quei­roz. Este convidou os senhores António dos Santos Bernardes e o presidente da Câmara, Joa­quim Beldford, a abrirem as torneiras. Na altura, Joaquim Beldford, solicitou que fosse o dr. Inácio Casal Ribeiro a substituí-lo nessa missão por sempre ter sido um amigo dedicado de Torres Vedras. O dr. Casal Ribeiro agradeceu e aceitou, lembrando na altura, que Torres Vedras foi berço da sua estremecida e carinhosa mãe, Condessa de Casal Ribeiro. Lavrou-se, depois, o auto da inauguração, que foi assinado pelo proprietário, autoridades presentes, convi­dados e demais pessoas.
Na ocasião foram entregues ao sr. Santos Bernardes as feli­citações da Associação de Socorros Mútuos 24 de Julho e do Grémio Artístico Comer­cial.
Às seis e meia da tarde começou o jantar no "Hotel Natividade" sendo, mais uma vez, o serviço dirigido por António Batalha Reis. A ementa foi a seguinte:
"Camarões da Assenta, sopa à Fonte Grada, balões de miolos, bifes à Torrearia, macarrão de Lamego, fran­gos do Carvalhal, salada mau génio, peru emborrachado, espargos, pudim excelcior, fruta variada. Vinho de pasto tinto, vinho para o peixe Boal de Torres Vedras, Madeira, Porto, champanhe e cognac, etc ".

Usaram da palavra e fize­ram brindes os senhores San­tos Bernardes, Pedro Quintela, dr. Reis Santos, dr. Freire, Emílio Fragoso, Batalha Reis, Alfredo Gallis e Joaquim Beldford. Presentes várias individuallidades entre os quais Cecílio de Sousa, Casal Ribero, Higino de Sousa e dr. Reis Santos.
Os convidados de Lisboa partiram no comboio das 8 e meia (20,30 horas), sendo acompanhados à estação pela Filarmónica da Eric

                                                                         RUA SANTOS BERNARDES

Em reunião da Câmara Municipal, de 24 de Maio - dia seguinte ao da inauguração - os senhores administrador do con­celho e presidente do municí­pio, congratularam-se pela inauguração das águas da Fonte Nova. Foi deliberado dar o nome de Rua Santos Bernar­des, ao seguimento da Rua Dias Neiva. Desta decisão foi, por ofício, dado conhecimento a António dos Santos Bernar­des. Hoje a rua continua com o seu nome. Começa na igreja da Graça e vai até aos semáforos. Só como curiosidade, verifica-se, também, que, naquele tempo, a Rua Dias Neiva vinha até à Havaneza, sendo bastante comprida.

ENCERRAMENTO  DAS ÁGUAS

No entanto, infelizmente, decorridos poucos anos, nunca mais que seis, constatou-se que as despesas eram superiores às receitas. O estabelecimento foi encerrado.

1902

As pessoas continuaram, gratuitamente a utilizar as águas por deferência do seu novo proprietário, sobrinho do fundador que já havia falecido. Com os anos toda a tubagem ficou danificada e as águas perderam muito da sua pureza.
 As termas da Fonte Nova se continuassem, conjuntamente com as termas dos Cucos, podiam dar a Torres Vedras o privilégio de ser a cidade europeia com um maior leque de águas medicinais.
Como disse, no início deste texto, as Termas da Fonte Nova, inauguradas em 23 de Maio de 1895, encerra­ram poucos anos depois pelas razões apontadas. Não havia, nesse tempo, subsídios nem comparticipações a fundo perdido. Se estivessem em laboração, as termas da Fonte Nova, completavam na pró­xima terça-feira, cem anos de vida. Fica-nos a recordação do que foi a Fonte Nova, hoje abandonada e esque­cida. ■ »

Adão de Carvalho



Na revista O OCIDENTE de 5 de Junho de 1895 foi publicada uma reportagem da inauguração das Termas:



O texto coincide, no geral com  o de Adão de Carvalho mas tem a particularidade de incluir esta gravura muito bonita, feita a partir de uma foto de Martinez Pozal.


A reportagem explica que o pavilhão das Termas foi construído sobre a nascente das águas termais e que o acesso à água era feito por um sistema de canalização com torneiras.
Alguns excertos, em imagem scanizada:












3 comentários:

  1. Anónimo20/5/13

    Sempre me senti fascinada com este edificio, sempre que passo lá observo e fico a pensar nas gentes que ali passaram, nas conversas que ali nasciam e o cheiro a novo no dia da inauguração. Tenho muita pena que nós, portugueses não valorizados os nossos antepassados. Preferimos deixar o nosso patrimonio material ir abaixo e mais tarde colocar uma placa de informação a dizer que ali houve em tempos uma memória importante da nossa cidade. É muito triste saber que os meus filhos e netos não vão conhecer aquela casa tão misteriosa que tanto dá que pensar... é triste.

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  2. Anónimo8/11/14

    Por qual a razão que não se divulgam estas coisas interessantes que temos no nosso Concelho de Torres Vedras gostaria de ver !!!!!!......

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    1. Como vê, está aqui a divulgação.
      Este ano, por ocasião do Dia Internacional dos Monumentos e Sítios, em Abril, fizemos uma conferência no Museu Municipal e uma visita guiada à Fonte Nova.
      Pena que não tenha sabido e participado.

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