16 junho 2010

UM TEXTO OPORTUNO



Retirámos DAQUI este texto que nos parece oportuno e relevante. Porque estamos em Junho... E porque se trata de património cultural.

Festas juninas – De Portugal ao Nordeste


Artigos • Nacional • 23 de maio de 2010 por Silvana Losekann

Professor da UFPB, Severino Alves de Lucena Filho traça um paralelo entre as festas juninas do Nordeste de hoje com as festas dos santos populares de Lisboa (Portugal), que passa pelo mesmo processo de modernização.

As festas juninas são uma herança pré-cristã, cujas marcas ainda são visíveis, apesar da ação da hierarquia da Igreja Católica para cristianizar as comemorações do equinócio. Sublinha-se a migração de portugueses para o Brasil que determinou a releitura da festa levando em consideração as condições ecológicas do hemisfério sul. A dinâmica cultural em ambas as margens do Atlântico determinou mudanças nas comemorações juninas a fim de compatibilizar com a sociedade atual no contexto da globalização, com a mudança de valores de forma acelerada.

Sublinha-se que no Brasil e em Portugal os eventos em louvor aos Santos Populares são concebidos como a uma festa urbana em constante movimento de criação, recriação, apropriações e conservação da tradição e como um acontecimento regional e construtor de identidades. Um acontecimento, não apenas para ser vivido, mas, sobretudo para ser visto e consumido pelas comunidades e visitantes durantes as festas do ciclo junino.

Nas folias juninas no Nordeste do Brasil, além das cerimônias religiosas, do banquete junino destacam-se as danças que se tornaram a mais expressiva manifestação folclórica, buscando preservar marcas da cultura popular rural, ao mesmo tempo em que se vive a modernização, percebida nos trajes, nas músicas e, em especial, nas coreografias modernosas.

As danças vivenciadas no ciclo de São João são uma das características mais marcantes dos festejos juninos. Referimo-nos entre outras, à quadrilha, o baião, o xaxado, o xote, o coco, o forró e o arrasta-pé. Estas são apresentadas em grupos de danças ou mostradas de forma espontânea nas comunidades, com objetivos de entretenimento e comemoração.

A quadrilha se destaca por ser um dos símbolos mais constantes no evento do ciclo junino. Esta dança, de origem europeia, chegou ao Brasil trazida pelos colonizadores portugueses. Era uma dança de elite, formada nos salões dos palácios. Depois desceu as escadarias do palácio e caiu no gosto popular, sofrendo várias modificações estética, musical e coreográfica.

A quadrilha é o baile de comemoração do casamento. Esta representação inseriu-se na dinâmica da cultura, passando por criações e recriações estabelecendo certa tradição como forma de preservar as origens, embora contaminada pela modernização pelo poder da mídia, do capitalismo.

As centenas de quadrilhas juninas na atualidade se apresentam durantes as festas do ciclo junino no Nordeste do Brasil como operetas com performances carnavalizadas para atender as exigências das empresas de comunicação organizadoras dos festivais de quadrilhas em níveis nacional, regional e municipal.

Nesse contexto de apropriações e refuncionalização dos elementos da cultura rural, sublinha-se que não devemos ter uma visão radical e saudosista com relação à manifestação segundo a tradição. È importante levarmos em consideração o momento de grandes transformações culturais. Registra-se também que elas promovem a aglutinação da juventude nas periferias como também a valorização, a inclusão social além de movimentarem a roda da economia do mercado informal na comunidade onde atuam.

Em Portugal, as festas em louvor dos Santos Populares (Santo Antônio, São João e São Pedro) festejam-se durante o mês de junho. Em especial, a de Santo Antônio é o maior acontecimento etnográfico lisboeta. Lisboa à luz destes festejos populares se constitue em um mosaico de vários elementos marcantes da urbanidade e das marcas cotidianas que habitam nos lugares, ruas, vielas, escadas que a edificam na singularidade de todas suas gentes e de todas as suas crenças.

As marchas populares, que constituem o ponto alto dos festejos em comemoração a Santo Antônio, são um evento aglutinador de centenas de pessoas, forças vivas da cidade constituídas pelas coletividades, marchantes, ensaiadores, coreógrafos, figurinistas, músicos e as estrelas anônimas dos bairros que, na sua dedicação e empenho, permitem a continuidade deste acontecimento cultural popular. Trata-se, enfim, de um conjunto de pessoas unidas pelo seu amor ao bairro onde vivem e que cada marcha representa. As festas que na sua origem aconteciam ao redor da Sé, Alfama e do Castelo na cidade de Lisboa, alargaram-se aos novos espaços urbanos.

O registro histórico relata que o primeiro concurso das marchas populares de Lisboa foi promovido pelo Diário de Lisboa e pelo Noticias Ilustrado no ano de 1932. Sublinha-se que o evento das marchas populares teve, desde a sua origem, a participação de veículos de comunicação de massa e a visão empreendedora de portugueses comprometidos com a criação de espaços de entretenimento com foco nas referências da cultura popular lisboeta além do seu aspecto comercial, que desde sua gênese teve patrocínios de empresas públicas e privadas.

O exemplo das 22 marchas populares em homenagem a Santo Antônio em Lisboa e das centenas de Quadrilhas Juninas no Nordeste do Brasil são, sem dúvida, um dos grandes ícones das festas dos santos juninos. Elas integram o cenário da festa numa perspectiva plural e diversificada em seu contexto organizacional, de mobilização e envolvimento da comunidade que representam. Elas se reinventam para assumir novos sentidos preservar marcas da tradição e criam novas linguagens e maneiras de se comunicar e motivar seus públicos alvos. Elas ajudam na composição da espetacularização da festa, são uma importante referência no universo do imaginário e discursivo na fabricação da festa junina nos espaços urbanos onde são vivenciados e representados.

Os megaeventos como a Festa dos Santos Populares em Portugal e dos Festejos Juninos no Nordeste do Brasil são espetáculos em que empresas públicas e privadas participam como organizadoras e patrocinadoras contribuindo para a criação de uma apresentação e refuncionalização da tradição. Buscam também edificar uma relação comunicacional nas quais exibem, via imagens, os produtos e serviços junto aos diferentes públicos, através de representações comunicativas simbólicas, onde o passado, o presente e o futuro são visibilizados como espetáculos em cenários multiculturais.

Evidenciamos que, no contexto das interfaces culturais tanto no Brasil como em Portugal, as festas populares do ciclo junino, nos espaços urbanos, são planejadas, montadas, executadas e comemoradas a partir das noções de pertencimento e de identidade da festa como uma marca cultural da cidade e como atração para o turismo cultural em níveis regional, nacional e internacional, onde a tradição e a modernidade convivem de maneira harmônica em uma mesma temporalidade espacial.

Severino Alves de Lucena Filho é professor do Departamento de Comunicação e Turismo da Universidade Federal da Paraíba. Pesquisador da Rede Brasileira de Folkcomunicação. Pos-Doutor pelo Departamento de Línguas e Culturas da Universidade de Aveiro em Portugal.



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