11 junho 2010

O PATRIMÓNIO É PASSADO OU É FUTURO?




O que é o património? Eis algumas respostas simples, por Simon Thurley


No mesmo dia em que a arquitecta Teresa Adresen escrevia o artigo destacado na última entrada, o Jornal Público trazia na secção cultura uma entrevista com Simon Thurley, presidente do English Heritage (homólogo do nosso IPPAR) . A entrevista não contém nada de surpreendentemente inovador, mas a forma simples como um alto responsável pelo património britânico coloca as coisas merece ficar em memória no vistas. Mais não seja porque nesta, como em tantas outras matérias, o esquecimento é um dos nossos principais dramas.

Aqui fica então o excerto que mais gostei de ler (a entrevista na integra, fica em copia no corpo da entrada):

(...)

Público: Qual é o vosso principal objectivo?

Simon Thurley: Garantir que o "ambiente histórico" é passado às gerações futuras tal como chegou até nós ou melhor. Passamos muito tempo a identificar os bens que queremos salvar e as soluções para a sua conservação.

Público: O que é que quer dizer exactamente com "ambiente histórico"?

Simon Thurley: Preferimos usar "ambiente histórico" porque abarca tudo: paisagens,

jardins, parques, sítios arqueológicos, edifícios medievais, palácios

do século XVIII, arranha-céus dos anos 60.

(..)

Público: O que é que define o património?

Simon Thurley: As pessoas. Há dois erros comuns no que diz respeito ao património. O primeiro é pensar que é sobre edifícios - é sobre as pessoas e o que elas investem nos tijolos. O segundo é pensar que é sobre o passado -é sobre o futuro, o que ficará depois de nós desaparecermos.

(...)

Por outras palavras, O que é o Património? Aquilo que uma dada geração considera dever ser deixado para o futuro. Nesta formulação, é evidente que as responsabilidades não dizem apenas respeito a entidades publicas. dizem respeito a todos per si, e nesta matéria desconfio que os Portugueses pretendem de facto deixar muito pouco.

PÚBLICO - EDIÇÃO IMPRESSA - CULTURA

Director: José Manuel Fernandes

Directores-adjuntos: Nuno Pacheco e Manuel Carvalho

POL nº 5475
Terça, 22 de Março de 2005

"É a mudança que cria a história"

O presidente do English Heritage, o instituto britânico do património,

esteve em Portugal. Simon Thurley diz que o grande desafio é convencer

as pessoas a não trabalharem contra o desenvolvimento económico.

Para este especialista, "o património são as pessoas". E o futuro.

Por Lucinda Canelas

Simon Thurley, o presidente do English Heritage, o equivalente

britânico ao Instituto Português do Património Arquitectónico (Ippar),

esteve três dias em Portugal a visitar mosteiros e palácios. Ippar e

English Heritage assinaram um protocolo de cooperação porque, segundo

Thurley, têm muito a aprender um com o outro. Não é para menos:

Portugal e o Reino Unido nunca trabalharam juntos nesta área.

Thurley, 42 anos, dirige desde 2002 um dos maiores e mais conceituados

institutos do património do mundo - é responsável por mais de 400

monumentos e sítios, recebe do governo 177 milhões de euros por ano e

tem 11 milhões de visitantes.

Ex-director do Museu de Londres, Thurley diz que os britânicos se

interessam cada vez mais pelo património e que os organismos que o

tutelam se devem preocupar mais em "gerir a mudança" do que em tentar

impedir que ela aconteça. "O património são as pessoas e o que elas

investem nos tijolos."

É autor de livros sobre edifícios históricos e, considerado um

comunicador nato, já fez vários programas de televisão para a BBC

sobre património. Um deles, no ano passado, foi visto por mais de 1,5

milhões de pessoas. Um homem que fala da necessidade de comunicar e

ter lucro sem complexos.

PÚBLICO - O que é que aproxima o English Heritage e o Ippar?

SIMON THURLEY - O English Heritage já trabalhou com todos os países da

Europa dos 15 à excepção de Portugal, o que é muito estranho. Pelo que

pude perceber, são provavelmente mais parecidos que qualquer outras

duas organização de património da Europa: ambos têm de cuidar de

monumentos, classificar edifícios e planear.

Que projectos quer realizar com o Ippar?

Ainda é cedo para adiantar pormenores. A maioria dos sítios do English

Heritage são muito mais comerciais do que os do Ippar. E nós temos

muito a aprender com a forma como o Ippar classifica os edifícios.

Em que medida?

Em Portugal, o processo de classificação é público, o proprietário é

consultado. Em Inglaterra tudo é feito em segredo. Só se sabe que o

edifício foi classificado quando o proprietário recebe uma carta. Não

devia ser assim. O sistema português, que é mais discutido, é melhor,

apesar de mais burocrático.

No Reino Unido quanto tempo demora classificar um edifício?

Uma semana, um mês...

Em Portugal pode levar dez anos...

É um dos custos da consulta pública. Gostávamos de ter um sistema que

não fosse tão lento como o vosso mas igualmente aberto.

Qual é o vosso principal objectivo?

Garantir que o "ambiente histórico" é passado às gerações futuras tal

como chegou até nós ou melhor. Passamos muito tempo a identificar os

bens que queremos salvar e as soluções para a sua conservação.

O que é que quer dizer exactamente com "ambiente histórico"?

Preferimos usar "ambiente histórico" porque abarca tudo: paisagens,

jardins, parques, sítios arqueológicos, edifícios medievais, palácios

do século XVIII, arranha-céus dos anos 60.

Quantos bens têm de gerir?

Temos 420 sítios de gestão directa abertos ao público. Mas temos cerca

de 400 mil edifícios classificados e 30 mil sítios arqueológicos.

Quais são os principais desafios que o património britânico enfrenta?

A Inglaterra está a atravessar um período de profundas transformações

económicas, o que cria uma grande pressão nas infra-estruturas:

estradas, aeroportos. Todos estes equipamentos têm potencial para

afectar o património. O nosso desafio é fazer com que estas

transformações melhorem o "ambiente histórico".

Qual é a chave para conciliar "ambiente histórico" e desenvolvimento económico?

Convencer as pessoas de que é melhor trabalhar com o "ambiente

histórico" do que contra ele.

O financiamento não é um problema?

É um problema enorme. Este ano recebemos do Governo 177 milhões de

euros e tivemos de receitas próprias 72,4 milhões. Mas as

contribuições do Governo estiveram congeladas durante dez anos...

Os trabalhistas apoiam o património?

Não temos sido bem financiados, mas espero que no futuro venhamos a

ser porque o nosso trabalho é reconhecido assim como o papel social do

património.

Qual é o vosso ponto forte?

A mais-valia está na nossa grande experiência comercial. O sistema de

protecção do património costumava ser um dos mais avançados. Hoje não

é. É por isso que é preciso reformá-lo.

Que reforma é essa?

A conservação tinha a ver com preservação - impedir que as coisas

acontecessem. O que queremos agora é mudar a forma como as pessoas

pensam a conservação - ela tem sobretudo a ver com a gestão da

mudança. É ela que cria a história e, por isso, o "ambiente

histórico". Temos de ajudar as pessoas, que se interessam cada vez

mais pelo património, a aceitar a mudança.

Como é que explica esse interesse?

Com a própria mudança. O desenvolvimento económico faz com que as

pessoas olhem para trás à procura do que é permanente.

O que é que define o património?

As pessoas. Há dois erros comuns no que diz respeito ao património. O

primeiro é pensar que é sobre edifícios - é sobre as pessoas e o que

elas investem nos tijolos. O segundo é pensar que é sobre o passado -

é sobre o futuro, o que ficará depois de nós desaparecermos.

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