Hoje, 11 de Agosto, é o dia consagrado pela Igreja a Santa Susana.
A freguesia do Maxial, concelho de Torres Vedras, tem Santa Susana como padroeira. No cemitério local existe uma capela com a designação desta santa, capela que é, afinal, o que resta do antigo templo, destruído pelo terramoto de 1755. A Junta de Freguesia decidiu, em iniciativa que louvamos, proceder a obras de restauro e beneficiação daquela relíquia patrimonial. Assinalando o acontecimento, ontem, dia 10, foi lá celebrada Missa pelo Pároco P. José Miguel Ramos, cerimónia para a qual a Junta convidou a população, estendendo o convite aos amigos do Património e, como tal, à nossa Associação.
Como sinal e testemunho, publicou um pequeno opúsculo que reproduzimos, bem como a totalidade do texto, da autoria do Dr. Carlos Guardado da Silva, responsável pelo Arquivo Municipal de Torres Vedras e Presidente da Assembleia Geral da Associação do Património de Torres Vedras.
Associamo-nos, assim, à festa de Santa Susana e à meritória iniciativa da Junta de Freguesia do Maxial.
Contracapa do opúsculo, com a imagem de Santa Susana
Folha interior do opúsculo com as referências de publicação.
Para uma biografia de Santa Susana do Machial
A igreja paroquial
A existência da igreja de Santa Susana do Machial, então com a designação de Santa Susana de Alcabrichel, remonta, muito provavelmente, ao início do domínio
cristão da Estremadura, na sequência da conquista definitiva da linha do Tejo,
em Outubro de 1147, por D. Afonso Henriques, no contexto da Segunda Cruzada. A
fundação da paróquia teria sido instituída mais tarde, no século XIV, com pia
baptismal, sino e fregueses, em data posterior a 1315, uma vez que consta da lista de todas as igrejas, comendas e mosteiros que havia nos reinos de
Portugal e Algarves, de 1320-1321. O seu quantitativo demográfico bastaria,
por si só, para justificar a independência administrativa e eclesial, em
inícios da centúria de trezentos. Constando a igreja de Santa Susana do
Alcabrichel do rol das igrejas de que o rei era padroeiro em 1258-59, a sua
independência das matrizes da vila não estaria provavelmente completa.
Aquando da sua fundação e ao longo da Baixa Idade
Média, Santa Susana era uma paróquia anexa da matriz de São Miguel da vila de
Torres Vedras, encontrando-se a igreja paroquial fora do
lugar.
Entre 1315 e 1317, o bispo de Lisboa D. Frei Estêvão
atribuiu a cada uma das quatro igrejas urbanas de Torres Vedras o seu
território paroquial, cujos limites rurais foram definidos, embora a parte
urbana tivesse ficado completamente silenciada. Santa Maria do Castelo, São
Pedro e São Tiago partilhavam, entre si, áreas de dimensão idêntica na vila.
São Miguel obteria uma porção exígua do espaço urbano, recebendo, em
contrapartida, a maior parte do espaço periurbano.
Ao longo do século XIV
manter-se-iam contendas sobre os direitos eclesiásticos, sobretudo no que dizia
respeito à receita das dízimas. Certo é que a imprecisão dos limites
territoriais das paróquias, assim como as diversas transformações ocorridas no
povoamento contribuíam para relançar, de vez em quando, a discussão sobre quem
detinha os direitos dizimais. As crises económicas exigiam igualmente a cada
igreja a defesa dos seus interesses, meio de sustentação da sua comunidade ou
de cumprimento dos ofícios, assim como de
manutenção do edifício. É neste contexto que surge um contencioso entre a
colegiada de São Miguel e o prior de Santa Susana de Alcabrichel acerca dos
limites das respectivas paróquias. Se em 1315 D. Frei Estêvão havia atribuído
um extenso território à colegiada, que cobria a parte norte e leste do termo
torriense, o pároco de Santa Susana do Maxial, já elevada esta a igreja
paroquial, reclamaria os direitos sobre o território que anteriormente se
encontrava sob a influência material e espiritual de São Miguel.
Como as
demais igrejas de Torres Vedras, Santa Susana de Alcabrichel era de padroado
régio. Um facto que não exclui a possibilidade de ter sido instituída pelos
fregueses que, em dado momento, seriam substituídos naquela função pelo
monarca. Na década de 30 do século XVI, a igreja foi objecto de nova
construção.
Em 1309, o Maxial tinha quarenta e sete fogos e ultrapassaria as duas
centenas de habitantes, definindo-se como um importante
centro populacional do termo medieval torriense. Número de fogos que ascenderia
a sessenta e um em 1527, atingindo cerca de três centenas de habitantes na
centúria de Quinhentos. A primitiva grafia do topónimo 'Maxial' era registada
com ('machiai'), indiciando um lugar com abundância de plantas e
arbustos silvestres, propício para pastagens, assim como a presença de um
conjunto de sobreiros ou de pequenas azinheiras.
A sede da paróquia mudaria de lugar, deixando a primitiva igreja de Santa
Susana, junto do cemitério, para a ermida do Hospital Grande de Nossa Senhora
da Piedade, na sequência do terramoto de 1755. A fundação de Nossa Senhora da
Piedade remonta a data anterior a 1453, ano da primeira transcrição do tombo do
hospital e compromisso da Confraria, traduzidos do latim, pelo prior da igreja
de Santa Susana de Alcabrichel.
A 9 de
Janeiro de 1470, estando D. Afonso V em Évora, doou carta de mercê a João Gil
Cuchifel e sua mulher Catarina Eanes, referindo que o benemérito casal se
encontrava já velho e fraco para poder administrar o referido hospital, como o
havia feito desde a sua fundação. O Hospital Grande do
Maxial funcionou
até 1856, quando, por alvará de 13 de Abril, passou a integrar o património da
Santa Casa da Misericórdia de Torres Vedras.
A
ermida do Hospital Grande do Maxial viria a dar origem à nova igreja paroquial
do Maxial, em virtude da ruína de Santa Susana com o terramoto de 1 de Novembro
de 1755. Mas também aquele templo necessitaria de obras, quer devido aos
estragos do terramoto, quer pelo facto de se ter tornado a sede da nova igreja
paroquial de Nossa Senhora da Piedade, datando a sua torre de 1780.
No século XVII, o lugar do
Maxial conheceu um período áureo da sua história, tendo sido no reinado de D.
Afonso VI, a 26 de Janeiro de 1662, elevado a vila e sede de concelho,
consequência da mercê oferecida a Gaspar Severino de Faria, integrando o
concelho, para além da vila, os lugares de Monte Redondo, Ramalhal e Outeiro da
Cabeça. Os habitantes testemunhariam, porém, a vida curta do concelho que em breve
seria extinto, pela provisão de 8 de Janeiro de 1667.
A freguesia de Santa Susana sob a
invasão francesa de 1810
Na sequência da
tradicionalmente designada invasão francesa, em Outubro de 1810, sob o comando
de André Masséna, “as tropas arrombarão
as portas da igreja paroquial e tudo quanto nella estava fechado”. A relação do prior José Cipriano do Vale Salema nada refere
acerca de Santa Susana que, na sequência da ruína sofrida com o terramoto de
1755, teria ficado totalmente destruída, justificando-se o silêncio do clérigo.
Da igreja de Nossa Senhora da Piedade levaram um cálice, um palio, 70 arráteis
de cera, toda a roupa branca, cordas das velas, e alguns galões que descoserão
dos ornamentos.
“Relação da situação da freguezia de Santa
Suzanna do lugar do Machial no termo da villa de Torres Vedras, do numero dos
seus fogos e pessoas antes da invazão dos inimigos no anno de mil e oitocentos
e dez, e do numero das suas irmidas, das profanações,
dezacatos, roubos e violências que nellas e em toda a freguezia cometterão os
mesmos inimigos.
A freguezia de Santa Suzanna do Machial, no
termo de Torres Vedras, está situada ao norte da dita villa e confina desta
parte com a do Villar, termo do Cadaval, sul com as freguezias de Monte Redondo
e Matacões, nascente com Villa Verde e Aldeia Galega da Merceana, e poente com
a freguezia do Ramalhal.
Tem esta freguezia
setecentas pessoas e duzentos fogos disperssos em sete povoações que são o
Machial, Aldea Grande, Folgaroza e Cazaes, Vila Seca, Ereira, Lobagueira e
Irmigeira.
Há na mesma freguezia oito
irmidas, a saber = a Senhora da Conceição da quinta de Mecejana, as do Spirito
Santo e São Sebastião na Aldeia Grande, a do Spirito Santo no Machial, a de
Santa Luzia da Serra em Villa Seca, a de São Matheus junto à Lobagueira, a da
Senhora da Conceição na quinta da Irmigeira, e a da Senhora da Incarnação da
Irmigeira.
Nesta freguezia não
permanecerão os inimigos acampados e só aqui vierão algumas vezes, nos mezes de
Outubro e Novembro, roubar e observar. Arrombarão as portas da igreja paroquial
e tudo quanto nella estava fechado. Levarão hum cálix que por descuido não se
acautellou, hum palio rico, 70 arráteis de cera, toda a roupa branca, cordas
das alampadas, e alguns galões que dezcozerão dos ornamentos.
Na irmida de Mecejana levarão tudo que havia para a celebração da missa e
a coroa da imagem da Senhora. Em Santa Luzia o mesmo.
Na do Spirito Santo do
Machial, o cálix e toda a roupa branca.
Na do Spirito Santo de
Aldeia Grande, o cálix e os ornamentos da missa que
dezenterrarão de huma
sepultura.
Não fizerão incêndios, nem violências ao sexo feminino nem tãopouco
profanações nem dezacatos nas igrejas nem nas sagradas imagens. Matarão huma
mulher em Aldea Grande e hum homem de Villa Seca. Aprizionarão quatro homens
que levarão, os quaes todos ja voltarão.
Fizerão
os roubos que forão possíveis, principalmente de grão, roupas e gados nas
povoações dezertas e abandonadas dos seus habitadores. Eis aqui o que todos
sabem nesta freguezia e o que affirmo-o com a verdade que todos manifestão.
Santa Suzanna do Machial, 19 de Abril de 1811
O prior José Cypriano do
Valle Salema
Susana:
a Santa segundo as hagiografias
Celebrada a 11 de Agosto,
Susana é bastante conhecida, sendo antigos os testemunhos martiriais sobre a
Santa.
Segundo a tradição, era filha de São Gabino e sobrinha
do Papa São Cayo, família próxima de Diocleciano, formada por quatro homens,
Gabino e Cayo, cristãos, e Cláudio e Máximo, que serviam o imperador.
Susana terá nascido na
Dalmácia (região da actual Croácia), mas antes da família se mudar para Roma, a
sua mãe faleceu, e Gabino tomou-se sacerdote. Aos 12 anos, a
jovem mostrava grande interesse pelas Sagradas Escrituras e comentava os textos
dos Santos Padres. Aos 15, consagrou a sua virgindade a Cristo.
Por essa altura, morreu
Valeria, esposa de César Galério e filha de Diocleciano, e ao ficar aquele viúvo,
o imperador escolheu Susana para sua nova esposa. Pediu a Cláudio, seu primo,
que falara com Cayo e Gabino sobre o casamento, mas a jovem recusaria e,
convencido dos argumentos daqueles, Cláudio acabou por converter-se ao Cristianismo. Como não voltou para junto de
Diocleciano, este enviou Máximo, tendo a segunda tentativa o mesmo desfecho: em
vez de convencer Susana para que aceitasse o casamento com Galério, acabou
convertido por ela.
Um escravo de Máximo
informaria o imperador do sucedido que, irado, mandou desterrar Cláudio, sua
esposa Prepedigna e seus filhos, e a mesma condenação obteve Máximo. Mas, na
realidade, foram todos queimados vivos em Ostia, e as suas cinzas lançadas ao
mar.
De imediato mandou prender Gabino e Susana, tendo, algum tempo depois,
mandado trazer Susana para a colocar sob a custódia de sua esposa, a imperatriz
Prisca, com a ordem de convencer a jovem a aceitar Galério em casamento. Sendo
a imperatriz também cristã, nada fez nesse sentido.
Diocleciano
enviou Susana a sua própria casa, autorizando Galério a violá-la, de modo a que
por vergonha, nada mais lhe restasse senão casar-se com ele. Mas quando a atacou, surgiu perante eles um anjo que defendeu
Susana, afugentando o agressor.
Tendo
Diocleciano desistido do projecto do casamento, não desistiu, porém, de
castigar Susana pela sua desobediência, enviando Macedónio para que forçasse a
jovem a sacrificar ao deus Júpiter. Tendo voltado apenas o rosto, afastou a
vista de Júpiter que desapareceu do seu pedestal e apareceu desfeito em pedaços
na rua. Susana seria decapitada, a 11 de Agosto de 295. A imperatriz recolheu o
cadáver da jovem e enterrou-a nas catacumbas de Santo
Alexandre. Quanto a Gabino, morreria seis meses depois na prisão. O papa Cayo
continuou a celebrar missa em casa de Gabino e Susana em honra a seu martírio,
e com o tempo surgiu sobre ela a actual igreja de Santa Susana de Roma.
Susana: a
mártir
Esta é a tradição, porém
repleta de erros históricos, que não discutiremos aqui. Procuremos, então, as
evidências escritas e arqueológicas, para lá do relato legendário do seu martírio.
A notícia mais antiga sobre Susana data de 401, do poeta Cláudio Claudiano, que
escrevia com ironia: Sic ope sanctorum non barbarus inruat Alpes / sic tibi det vires sancta
Susanna suas. Alguns hagiógrafos não o
consideram válido para provar a existência da Santa, tratando-se de uma interpolação tardia. No Martirologio Jeronimiano aparece
comemorada a 11 de Agosto, e no códice Bernense ad duas domus iuxta duo clecinas (em duas casas junto às termas de Diocleciano) natalis sc. Susannae.
Desde inícios do século V já era venerada em Roma, mas em um titulus - lugar
sagrado - chamado Santa Susana, e não em nenhuma catacumba, o que faz aumentar
as suspeitas sobre a existência da Santa porque este mesmo lugar era, em finais do século,
chamado titulus Gaii (sínodo de 499) e em finais do século VI
(sínodo de 595), voltou a chamar-se titulus Sancta Susannae, até final do século VIII, alteração de designação
habitual nos tituli.
É
provável que para se explicar esta mudança se tivesse inventado uma passio na qual converteram Susana na filha de Gabino e sobrinha de Cayo, a quem alude o outro nome. Acerca do martírio da jovem, o texto diz
literalmente que foi executada intra domum suam iuxta domum Gaii
episcopi... Ab eodem die coepit beatus Gaius episcopus in
eandem domun
introire, ubi gladio fuerat percussa et sacrificium Domino
Deo offerre pro conmemoratione beatae
Susannae populo. Quia domus ad domum beati Gabini presbyteri iungebatur beati
Gaii episcopi... et statio depurate in
duas domos
quod est usque in hodiernum diem.
0 que quer dizer que Susana foi
morta na sua própria casa, próxima da de Cayo, e em honra a seu sacrifício Cayo
celebrava missa nesse lugar, o titulus a que nos referimos. Morta a
jovem, foi enterrada iuxta sanctum Alexandrum, iuxta civitatem Fliginas, tertio Idus augustas.
A data da passio coincide com a do Martirologio Jeronimiano: 11 de Agosto. Mas o que seria
a civitas
Fliginas? Não seria a catacumba de Santo Alexandre, mas
talvez um lugar na Via Salaria, próximo das catacumbas de Giordano, para onde
levaram o corpo da mártir no século V, apesar de não existirem provas que o
sustentem.
Deste modo, parece mais verosímil
que o Martirologio não refere o dies natalis, ou seja a ‘data do martírio'
de uma santa, senão a dedicação do titulus com as relíquias de uma
mártir autêntica. Consequentemente, a passio não tem valor histórico,
tendo sido escrita com a intencionalidade de demonstrar que era conhecido o
lugar onde foi enterrada a Santa no século V, sendo porém inverosímil. A
referida civitas Fliginas poderia coincidir com a actual
cidade de Coazzo, na Via Nomentana, onde, no século VIII, existia,
efectivamente, a catacumba de São Alexandre. A versão do Martirologio Jeronimiano foi copiada para outros martirológios históricos, incluindo o Romano, a partir de um artigo de
Usuardo que acreditava literalmente na passio.
Agradeço o trabalho e a publicação deste trabalho que dá a conhecer a origem conhecida e a história do Maxial. Sendo eu natural do Maxial, tal como a família da minha mãe, em criança ouvi falar dos mais velhos que o Maxial já tinha sido vila e se denominava então Vila Buim, ou algo parecido. Outros naturais relatam que também os seus avós se referiam à existência dessa vila Buim, que se erigia onde hoja é o cemitério. Pelo trabalho publicado o Maxial nunca teve outro nome. Todavia dar-se-à o caso do Maxial ter sido um lugar na freguesia de Santa Susana, que quando passou temporariamente a concelho tenha recebido o tal nome de Vila Buim? Muito grata pela ajuda que puder dar a esta questão.
ResponderEliminarAgradecemos a sua visita.
EliminarNão temos resposta para a questão que coloca pois não conhecemos a eventualidade de outro nome para o Maxial.
É de admitir que se trata de uma tradição sem fundamento.
Se, entretanto, encontrar alguma referência mais concreta, agradecemos que nos esclareça sobre este assunto.
As melhores saudações patrimoniais