22 julho 2011

PATRIMÓNIOS 13

Publicado no BADALADAS em 22 JULHO 2011

O Centro Histórico no tempo das Invasões (II Parte)
A população urbana da paróquia de Santa Maria do Castelo de 1805 a 1815
João Flores Cunha
O livro dos róis de confessados de 1783 a 1815, de Santa Maria do Castelo, diz-nos que esta parte da vila está dividida em oito bairros, a saber: Bairro do Castelo a Poente, Bairro de Carcavelos, Horta Nova, Rua do Açougue dos Clérigos, Patim, Rua Detrás do Açougue Público, Rua dos Pelomes para o Castelo e Bairro do Castelo a Nascente.
               Da análise dos Registos Paroquiais e dos Róis de Confessados, dos anos de 1805 a 1815, verifica-se que estes bairros distinguem-se entre si quer pela tipologia dos fogos, quer pelo estrato social dos seus habitantes. Assim, pela Quaresma de 1810, para o número total de 92 fogos e uma população estimada de 335 habitantes, verifica-se que há no Castelo a Poente 30 fogos, um terço da totalidade, quase todos pequenos, com 3 ou 4 pessoas por fogo, das classes sociais mais modestas; em Carcavelos 16 fogos, também pequenos, onde encontramos um peixeiro, um sapateiro e um ferrador, assim como um lavrador e uma família da elite local; na Horta Nova temos um fogo de 5 pessoas, duas das quais são criados; é na rua do Açougue dos Clérigos que se encontra a maior casa de Santa Maria do Castelo, a do Capitão João Rodrigues da Costa, com ele vivem a mulher, duas filhas, um filho, quatro criados, o abegão, a mulher deste e um escravo e uma escrava; além deste, temos nesta rua mais 6 fogos, um da elite local e dois de clérigos; no Patim 3, onde sobressai o do forneiro, presumindo-se que nesse local existiria um forno público de cozer pão; a rua Detrás do Açougue, com seus 10 fogos, sendo um deles de um taberneiro, era a mais diversificada em termos sociais; na dos Pelomes, prolongamento da rua da Praça, estava situado parte do comércio da época, em mais de metade dos seus 15 fogos encontra-se referências a caixeiros, aprendizes ou criados; o Castelo Nascente tem 10 fogos, sobressaindo o de um almocreve, onde habitam entre familiares e criados oito pessoas, e nos restantes um ferrador, um forneiro, um carpinteiro e outros trabalhadores.
               Torres Vedras foi duramente afectada a partir do Outono de 1810. Nessa altura o exército aliado ocupou a vila, fazendo quartéis das Igrejas de São Pedro, de Santiago e de Santa Maria do Castelo. O exército francês colocava-se frente às linhas tendo na sua marcha impelido milhares de fugitivos. E, a fome e uma epidemia, cujas causas e origem, ainda hoje, não estão bem esclarecidas, ceifaram, na vila e no termo, centenas de cidadãos.
               A partir do quadro seguinte podemos avaliar o evoluir da população urbana de Santa Maria do Castelo no período de 1805 a 1815. O número de habitantes é presumido e foi calculado a partir dos róis de confessados e registos paroquiais. O Rol de Confessados ou Rol da Desobriga era o livro no qual os Párocos anotavam o nome dos seus fregueses obrigados a cumprir os preceitos quaresmais, a confissão e a comunhão, ou só a confissão no caso dos menores. Este livro dá-nos o número exacto de fogos habitados cada ano, pela Quaresma, em determinada paróquia e o número aproximado dos seus habitantes, pois os inocentes, as crianças de pouca idade, não são obrigados a cumprir com estes preceitos, não constando por isso do rol. Nos livros dos Registos Paroquiais encontramos os registos de baptismos, casamentos e óbitos efectuados nas Paróquias.
Quaresma de
1805
1806
1807
1808
1809
Nº de Fogos
    87
    87
    98
     88
     95
Nº de Habitantes
  363
  363
  379
   353
   379
Óbitos
     12
    13
     14
     24
       9
Baptismos
     11
    10
     12
     14
       2
Quaresma de
1810
1811
1812
1813
1814
1815
Nº de Fogos
     92
     59
    77
     84
     85
     80
Nº de Habitantes
   335
   248
  299
  319
   304
   305
Óbitos
       7
     34
     12
     11
     10
     12
Baptismos
       7   
        6
     10 
     10
       8
       8
               Verifica-se nos primeiros anos uma tendência para o crescimento populacional e de fogos, apesar de o registo de óbitos ser superior ao de baptismos, devendo-se portanto este aumento, à população vinda de fora. Durante o período da 1ª invasão há uma quebra nesta propensão, em parte pela saída de pessoas mas também pelo considerável aumento de óbitos, a que não será estranho a ocupação da vila por uma força francesa de cerca de três mil homens. Com a saída dos franceses, temos um novo crescimento em 1809, que rapidamente se inverte com a 3ª invasão, havendo na quaresma de 1811, duzentos e quarenta e dois habitantes em apenas cinquenta e nove fogos. Nesse ano os óbitos são o triplo da média dos outros anos e fuga para o interior das linhas é desmedida, pelo medo dos exércitos.
               A partir daqui a Paróquia de Santa Maria do Castelo veio apenas a recuperar lentamente sem atingir o fulgor do passado. Em 1858, quando se preparava a 2ª edição (1862) da Descrição Histórica e Económica da Vila e Termo de Torres Vedras de Manuel Agostinho Madeira Torres, Prior desta Paróquia à data das invasões, a sua população rondava os trezentos habitantes em oitenta e nove fogos.

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