Publicado no BADALADAS de 1 julho 2011
O Centro Histórico no tempo das Invasões ( I Parte)
Os limites da Vila no primeiro quartel do século XIX
João Flores Cunha
Torres Vedras, fazendo fé nos britânicos que por aqui andaram há duzentos anos, e segundo fontes diversas, seria assim:
Uma vila bem situada no flanco de uma colina, quase a meio de um vale rodeado de montes, muitos deles com moinhos de vento. No vale vêem-se prados e vinhas que trepam pelas encostas do sul e do poente. A vila é grande, mas as ruas são estreitas, tortuosas, irregulares e sujas; as casas não têm mais que dois andares e, apesar de bem construídas e serem de pedra, são humildes e estão em mau estado. A população não excede os dois mil e duzentos habitantes, sendo poucas as famílias opulentas que aqui vivem. A vila é abastecida de água, por um pequeno aqueduto, que obtém das nascentes dum monte do lado leste. O aqueduto tem arcos sobre o rio Sizandro e sobre a estrada que vai para Lisboa pelo Sobral de Monte Agraço. Também todos os jardins têm poços. As provisões são abundantes assim como o combustível que se poderá tirar dos muitos pinhais envolventes. Quatro igrejas, outros tantos conventos e um hospital são os edifícios públicos. Poderia abrigar uma divisão de oito mil homens.
Torres Vedras, no tempo das invasões, estava dividida em quatro paróquias: Santa Maria do Castelo, São Pedro, Santiago e São Miguel. Cada paróquia compreendia uma parte urbana e uma parte rural. Os anotadores de Madeira Torres, José Eduardo César e António Jacinto Gama Leal, em 1859, descrevem e delimitam estas paróquias. Esses limites seriam, muito provavelmente, os mesmos de cinquenta anos atrás, comparando a sua descrição com os livros de Registos Paroquiais e de Róis de Confessados da época.
Vejamos, então, qual o espaço ocupado pela Vila nesse tempo.
Santa Maria do Castelo tem os seguintes limites: «pelo norte toda a costa do Castello, e caminhando para o poente todas as casas da rua que desce para S. Miguel e bairro de Carcavellos, ficando só de fóra (porque pertencem a S. Miguel) uma pequena casa junto á praça dos toiros, e a parte direita da rua de Carcavellos; depois volta para o sul comprehendendo a Horta Nova, e d´ahi vem pela rua do Patim d´ambos os lados, e volta para o nascente pela rua do Açougue dos clerigos do lado esquerdo, ou norte d´ela, caminhando do mesmo lado pela rua detraz dos açougues do povo até à rua dos Pelomes, onde chega ao bèco do Quebra- Costas, e sobe por ele acima tudo do mesmo lado esquerdo até à muralha do Castello, d’onde vae fechar até ao portão d’elle.»
São Pedro, «os seus limites dentro da Villa são os seguintes: pelo nascente tem a rua da Cêrca começando à esquina da estrada, que vae do largo da Graça para S. João pelo lado esquerdo e segue à Corredoura; e tem pelo norte toda esta rua de ambos os lados, e vêm pela rua dos Canos até à esquina da familia dos Taváres, que é também a esquina da rua dos Pelomes da parte direita; d’ahi volta para poente por detraz dos açougues do povo só do lado esquerdo, e rua do açougue dos Clérigos do mesmo lado até á esquina, em que se volta para o Patim; e tornando atráz, vae pela rua dos Celleiros de Santa Maria de ambos os lados até ao largo do Terreirinho, aonde do lado direito chega até à esquina do Cano Real, e depois voltando atráz ao mesmo Terreirinho, segue pelo lado esquerdo, e sobe pela rua da Misericordia acima do mesmo lado até ao largo da Graça a fechar na dicta esquina da rua da Casa da Cêrca. Além disto tem também no sítio da Porta da Varzea, junto ao Poço do Retiro encravados na Freguesia de Sant-Iago 3 ou 4 fógos.»
Santiago, «os seus limites dentro da Villa são os seguintes: pelo Norte, começa na esquina da Rua do Terreirinho, e Misericordia, vindo para Poente pelo lado esquerdo d’aquella, pelo Cano Real até ao Alpilhão, e d’ahi voltando para Sul, tudo até comprehender a Quinta dos Francos, hoje de Francisco José de Bastos e Silva, e d’ahi pela Estrada Real direito á Villa, e á Porta da Varzea (aonde ha apenas três ou quatro Fregueses de S. Pedro), e d’ahi voltando para Nascente, pela Rua da Ollaria acima, d’um e doutro lado, e d’ahi pela Rua da Misericordia abaixo, do lado esquerdo, até á esquina da Rua do Terreirinho, aonde começou.»
São Miguel, «o seu districto na Villa é o seguinte: do lado do nascente contém a rua dos Pelomes toda de ambos os lados até á esquina do Bêco do quebra-costas, que sóbe para o Castello, e do outro lado até ás casas mysticas com a familia dos Tavares, que estão na esquina da rua dos Canos, e já são de S. Pedro; depois sóbe pelo dicto bêco do lado direito até á muralha do Castello. Do lado do poente comprehende uma pequena casa junto á Praça dos Touros a Carcavellos, e a parte direita da rua dicta de Carcavellos até á estrada, que vem da Horta Nova. Do sul comprehende o bairro de Sancta Anna todo no Largo da Graça do lado direito da estrada para S. João, e do lado esquerdo da que vae para Lisboa.»
Seriam estes os limites da vila no primeiro quartel do século XIX. E, se nesta época “Centro Histórico” fizesse parte dos conceitos do município torriano, ele estaria muito provavelmente confinado à parte urbana da Paróquia de Santa Maria do Castelo.